Opinião

Recusa ao oferecimento de seguro-garantia em execuções fiscais

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11 de fevereiro de 2024, 7h07

Como é sabido, dentre as opções com maior liquidez e maior aceitação pelas Fazendas Públicas, o seguro-garantia é a opção mais barata e, muitas vezes, a única viável ao contribuinte, seja pelo alto custo da carta de fiança bancária, seja pela impossibilidade de dispor do capital para a realização do depósito judicial.

Os devedores que litigam em execução fiscal ou em ações antiexacionais e fazem uso desse tipo de garantia, via de regra, são os “bons pagadores de impostos”, que apenas se socorrem do Poder Judiciário para se defender de exigências tributárias que julgam indevidas.

O debate sobre o seguro-garantia
A sua utilização como instrumento de garantia (penhora) de débitos tributários, especialmente, no âmbito das execuções fiscais, sempre esteve em meio a diversas discussões judiciais. Primeiro, quanto ao seu cabimento, depois, quanto aos seus efeitos – se suspendia (ou não) a exigibilidade do crédito tributário – e, mais recentemente, sobre o momento da sua liquidação.

Como se não bastassem todos esses embates, que já colocavam o seguro-garantia como um instrumento à margem de qualquer segurança jurídica, alguns contribuintes se deparam, agora, com uma nova agrura: se o seguro-garantia é uma garantia idônea por ter prazo de vigência determinado.

Âmbitos federal, estadual e municipal
Essa discussão, felizmente, não se verifica no âmbito federal, pois a Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN), ao regulamentar o oferecimento e a aceitação do seguro-garantia na Portaria PGFN 164/14, estabeleceu que a vigência da apólice do seguro-garantia seria de, no mínimo, dois anos (artigo 3º, inc. VI, alínea ‘b’), e que a sua não renovação em até 60 dias antes do fim da vigência da apólice caracterizaria a ocorrência de sinistro, gerando a obrigação de pagamento da indenização pela seguradora (artigo 10, inciso I, alínea ‘b’).

No entanto, esse cenário de águas calmas não se repete no âmbito estadual e municipal.

Cada dia mais, tem-se verificado recusas por parte de alguns estados e municípios, sob o argumento de que o seguro-garantia é inidôneo, isto é, não se presta à garantia por ter prazo de vigência determinado, ainda que se verifique cláusulas de renovação automática e de caracterização de sinistro no caso de não renovação da apólice.

Entendimento do Judiciário e as regras da Susep
Mas, pior que a recusa das autoridades fazendárias, é a aceitação pelo Judiciário de tal negativa, pelo simples fato de que não é uma opção do tomador (contribuinte ou devedor) ou da seguradora a emissão do seguro-garantia com prazo determinado.

Trata-se de uma regra estabelecida pela Código Civil (CC) e regulada pela autarquia da administração pública, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), criada pelo Decreto-Lei 73/66, que é responsável pela autorização, controle e fiscalização dos mercados de seguros e resseguros no Brasil. Eis os dispositivos que merecem destaque:

  • o artigo 760 do CC estabelece que a apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.
  • a Circular 491/14 da Susep, em seu artigo 2º, inciso XIII, dispõe que todas as apólices de seguro devem conter, minimamente, alguns requisitos, dentre eles a indicação de vigência inicial e final, e
  • a Circular 662/22 da Susep, que regulamenta especificamente o seguro-garantia, prevê que, caso a vigência da apólice seja inferior à vigência da obrigação garantida, a seguradora deverá assegurar a manutenção da cobertura enquanto houver risco a ser coberto, sendo vedado ao tomador se opor à manutenção da cobertura, exceto se ocorrer a substituição da apólice por outra garantia aceita pelo segurado (artigo 8º) e que a seguradora deverá fixar, nas condições contratuais do seguro, os critérios para manutenção da cobertura durante todo o período de risco e o procedimento para renovação da apólice, antes do término de vigência da apólice (artigo 9º), de forma a afastar qualquer risco à manutenção da cobertura e aos direitos do segurado, no caso, a Fazenda Pública.

Entendimento é incorreto 
Como se vê, ainda que o termo final de vigência seja um requisito obrigatório da apólice de seguro-garantia, buscando a viabilidade do instrumento e, especialmente, a proteção dos interesses do credor, a Susep estabeleceu regras cogentes de renovação e de manutenção da cobertura durante todo o trâmite processual, independentemente da vontade do devedor.

Exatamente por isso é que não se pode acatar como correta qualquer decisão que considere inidôneo o seguro-garantia, unicamente, por ter prazo de vigência determinado. Qualquer decisão nesse sentido se afasta da realidade e coloca em risco a efetividade do instrumento.

Jurisprudência do STJ
A despeito de tudo isso e claramente à margem da realidade, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a apólice de seguro-garantia com prazo de vigência determinado é uma garantia inidônea para a segurança do Juízo da execução fiscal (AgInt no AREsp 1.832.692/SP), o que já vem influenciando os Tribunais Ordinários e os juízes de primeira instância a decidirem pela inidoneidade da garantia.

Como, no entanto, a questão não foi analisada sob o rito dos recursos repetitivos, é fundamental que a matéria continue sendo levada ao STJ, de forma a demonstrar aos ministros a ilegalidade e o equívoco da decisão de inidoneidade do seguro-garantia, para que o instrumento continue sendo amplamente utilizado pelos contribuintes, e as disposições legais a ele relacionadas não se tornem verdadeiras letras-mortas.

O STJ, como corte responsável pela uniformização da interpretação da lei federal em todo o país, não pode julgar à margem da realidade, até porque, no caso em questão, o oferecimento do seguro-garantia na execução fiscal não viola qualquer lei federal; ao contrário, é totalmente legal e adequado, inclusive sob a ótica do Código Civil, do processo de execução judicial e do princípio da menor onerosidade da execução.

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