Opinião

Cláusula de limitação de responsabilidade protege contra riscos

Autor

  • Bruna Mirella Fiore Braghetto

    é especialista em Direito Corporativo e Compliance pós-graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos sócia e advogada no escritório Pallotta Martins palestrante instrutora in company e autora de artigos e professora convidada para cursos e eventos.

8 de maio de 2024, 15h19

O Código Civil, ao tratar dos contratos de forma geral, estabelece que as partes têm a liberdade de definir o objeto e as condições do contrato, desde que estejam em conformidade com a função social do contrato e os princípios da probidade e da boa-fé (conforme artigos 421 e 422 do Código Civil).

Da liberdade contratual decorre a possibilidade de previsão no contrato de uma cláusula de limitação de responsabilidade, a qual estabelece os limites da responsabilidade de uma parte em relação a certos tipos de danos ou perdas. Essas cláusulas são frequentemente utilizadas em contratos comerciais, contratos de serviço, acordos de licenciamento e termos de uso de software, entre outros contextos.

Função e tipos

O principal objetivo de uma cláusula de limitação de responsabilidade é proteger uma das partes contra possíveis danos excessivos que possam surgir em decorrência do contrato. Por exemplo, em um contrato de prestação de serviços, uma empresa pode incluir uma cláusula limitando sua responsabilidade financeira a um determinado valor em caso de falha no cumprimento do serviço.

As cláusulas de limitação de responsabilidade podem variar em termos de abrangência e aplicação. Alguns dos tipos mais comuns incluem:

  1. Limitação de Valor Monetário: Esta é a forma mais básica de limitação, onde a responsabilidade de uma parte é limitada a um valor específico em caso de disputa ou dano.
  2. Limitação de Causas de Ação: Algumas cláusulas podem limitar a responsabilidade apenas a certos tipos de reclamações ou causas de ação específicas, excluindo outras.
  3. Limitação de Tempo: Certas cláusulas podem estabelecer um prazo para que uma parte possa apresentar uma reclamação, após o qual a responsabilidade da outra parte é considerada encerrada.

Uso da cláusula na seara consumerista

Dentro dos contratos paritários, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em sua maioria, decidiu, recentemente, que a cláusula limitativa de responsabilidade contida no contrato entre uma empresa multinacional de tecnologia e sua representante brasileira é legal. O colegiado considerou as circunstâncias do caso e decidiu que o valor máximo de indenização estabelecido pelas partes deve ser respeitado. Foi presumido que as partes avaliaram os prós e contras do acordo. Portanto, a compensação por danos materiais e morais por eventuais abusos contratuais por parte da representante brasileira foi limitada a US$ 1 milhão, conforme previsto no contrato.

Porém, é necessário especial atenção às relações consumeristas, pois o artigo 51 do CDC é claro ao prever que as cláusulas contratuais referentes ao fornecimento de produtos ou serviços que sejam abusivas ao consumidor são nulas de pleno direito.

Spacca

As cláusulas abusivas são determinações contratuais que dão vantagens exageradas aos fornecedores em desrespeito às proteções e garantias previstas no CDC, como a própria cláusula de limitação de responsabilidade.

Isto porque esta cláusula ofende princípios fundamentais das relações de consumo, como a proteção do consumidor diante de sua vulnerabilidade, além de restringir direitos e obrigações.

O artigo 51, inciso I CDC é claro no sentido de que são nulas de pleno direito as cláusulas que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”.

Portanto, nos contratos envolvendo relações de consumo, os princípios de autonomia da vontade e força obrigatória dos contratos são atenuados, dando lugar ao princípio da equidade e à proteção do contrato, com a intervenção do Poder Judiciário para corrigir desequilíbrios contratuais e preservar a relação contratual, baseando-se no ideal de justiça.

Vide que na parte final do inciso I, artigo 51, a situação do consumidor pessoa jurídica pode ser limitada, tudo irá depender da posição de vulnerabilidade do consumidor em questão, frente ao outro contratante.

De acordo com a teoria finalista mitigada, adotada pelo STJ, no caso em que a pessoa jurídica, embora não seja a destinatária final do produto ou do serviço, esteja em situação de vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor, ela será considerada consumidora.

Portanto, frente ao Poder Judiciário, em havendo discussão da validade da cláusula de limitação de responsabilidade em contrato realizado com pessoa jurídica hipossuficiente na relação, possivelmente esta cláusula será declarada nula.

Vale lembrar que apesar de resultar na nulidade de uma parte do contrato, o simples fato de ter uma cláusula abusiva não invalida o contrato como um todo, devendo prevalecer as disposições que não contenham abusividade.

Compreensão e boa-fé

É importante que as partes envolvidas em um contrato compreendam completamente as implicações de uma cláusula de limitação de responsabilidade antes de concordarem com seus termos. Em alguns casos, essas cláusulas podem ser negociadas ou modificadas para refletir melhor os interesses das partes.

Nesse sentido, a boa-fé contratual impõe para as partes contratantes o dever de agir com lealdade e honestidade, viabilizando também os princípios nos quais se funda a ordem econômica, nos termos do art. 170 da Constituição Federal.

Em resumo, a cláusula de limitação de responsabilidade assume papel importante na gestão de riscos comerciais dentro das relações privadas em geral (civis e empresariais), contudo, em havendo hipossuficiência de um dos contratantes, quer seja pessoa física ou jurídica, a previsão desta cláusula é nula e poderá ser revista pelo Poder Judiciário.

 

 

Autores

  • é MBA em Direito Corporativo e Compliance, pós-graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito, graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos, sócia e advogada no escritório Pallotta Martins, palestrante e instrutora in company, autora de artigos e professora convidada para cursos e eventos.

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