O Supremo mandou

Autoridade policial pode acionar Coaf diretamente para obter provas

Autor

7 de maio de 2024, 18h49

Ao investigar caso de lavagem de dinheiro, a autoridade policial pode dispensar a autorização judicial e solicitar informações sobre movimentação financeira de suspeitos diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Pedido de informações foi feito pelo delegado de polícia diretamente ao Coaf

A conclusão é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que validou o uso de dois relatórios de inteligência financeira obtidos por um delegado de polícia contra empresários suspeitos de lavagem de dinheiro.

A validação se deu por ordem do Supremo Tribunal Federal. Inicialmente, o colegiado julgou essas provas ilícitas, em agosto de 2023. O Ministério Público do Pará levou o caso STF, que ordenou um novo julgamento pelo STJ.

A votação foi por unanimidade, conforme a posição do relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro. “É assim que o Supremo entende. E quando o tribunal determina, a gente cumpre”, resumiu.

Pode ir lá pedir

A posição anterior do STJ partiu da interpretação sobre como Supremo tratou o tema do compartilhamento de dados financeiros entre órgãos públicos (como a Receita Federal e o Coaf) e órgãos de investigação (Ministério Público e autoridade policial).

Em 2019, o STF decidiu que esse compartilhamento de ofício, sem autorização judicial, é lícito e constitucional sempre que houver a hipótese de atuação criminosa.

O caso concreto julgado naquela ocasião se tratava de uma hipótese em que a Receita Federal havia identificado um possível crime por meio de relatórios financeiros preparados pelo Coaf e, por decisão própria, informado o Ministério Público.

Para ministro Zanin, STJ contrariou posição do Supremo no Tema 990 da repercussão geral

Posteriormente, o STJ interpretou essa decisão para analisar casos em que o fluxo de informação seguia o caminho oposto: quando a própria autoridade responsável pela investigação é quem vai ao órgão de inteligência financeira e pede informações.

A conclusão pela 3ª Seção do STJ foi de que o MP não pode requisitar diretamente esses dados sem antes obter autorização judicial. Foi esse precedente que a 6ª Turma usou para definir que, da mesma maneira, a autoridade policial não tem essa prerrogativa.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a posição serviu para impedir que os órgãos de persecução penal tenham à disposição um repositório de informações, em desrespeito ao direito fundamental à proteção de dados.

STF mandou

Contra o acórdão da 6ª Turma do STJ, o Ministério Público do Pará ajuizou uma reclamação constitucional no STF, informando que a tese do compartilhamento de dados entre receita e MP julgada no Tema 990 da repercussão geral tinha sido descumprido.

Monocraticamente, o ministro Cristiano Zanin deu razão ao órgão. Julgou procedente a reclamação para cassar o acórdão, determinando que a 6ª Turma refizesse o julgamento, desta vez observando o que o Supremo decidiu sobre o tema.

Essa conclusão foi depois mantida pela 1ª Turma do STF. Para Zanin, a posição do STJ dificulta as investigações e contraria o padrão internacional quanto ao combate da lavagem de dinheiro.

“A cooperação com outros órgãos, inclusive internacionais, é da natureza do Coaf. A exigência de prévia autorização judicial, na prática, inviabilizaria grande parte da eficiência do órgão de inteligência.”

De mãos atadas

Nesta terça-feira (7/5), a 6ª Turma do STJ ficou de mãos atadas. Relator, o ministro Saldanha Palheiro observou que o Tema 990 do STF é “ingrato”, porque não detalha em quais circunstâncias MP e polícia podem requerer informações, nem as salvaguardas para isso.

“Acho que essa decisão do STF que autoriza a autoridade policial a requisitar diretamente os relatórios de inteligência financeira ao Coaf e à Receita Federal vai ter que amadurecer no STF, não aqui”, lamentou.

O ministro Sebastião Reis Júnior votou com o relator, mas fez ressalvas. Disse que tem dificuldade de entender que a posição do STJ contraria o que o Supremo decidiu no Tema 990.

E destacou que, nas poucas vezes em que o Supremo se debruçou em casos em que o pedido de compartilhamento foi feito por MP ou autoridade policial, a conclusão foi de que, nesses casos, seria necessária a autorização judicial prévia.

Um dos casos citados é aquele em que a 2ª Turma do STF anulou o uso de relatórios do Coaf na investigação do senador Flávio Bolsonaro (hoje no PL-RJ), referente a esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Relator, o ministro Gilmar Mendes disse no acórdão que “as autoridades competentes não podem requisitar ao Coaf o detalhamento de contas bancárias ou quaisquer outras informações que já não tenham sido previamente informadas ao Coaf pelas próprias instituições financeiras ou pelos próprios setores obrigados”.

Ou seja, “o envio ou a solicitação de relatórios de inteligência deve ocorrer através dos canais institucionais oficiais, sendo vedada a realização de consultas informais, de devassas não registradas às operações financeiras dos cidadãos” (Clique aqui para ler).

“Não houve confronto entre nossa decisão e do STF”, disse Reis Júnior. “Mas também entendendo que cabe ao tribunal respeitar o precedente. Acompanho o relator e nego provimento ao recurso em Habeas Corpus”, complementou.

RHC 147.707

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!