Opinião

Preclusão consumativa: aplica-se também ao juiz?

Autores

  • Bruno Campos Silva

    é advogado mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP especialista em Direito Processual Civil pelo CEU-SP (atual IICS) LL.M em Proteção de Dados: LGPD & GDPR especialista em Mercado de Carbono pela Proenco-SP professor de Direito da Unipac-Uberaba-MG e da Universidade Federal de Uberlândia-UFU membro da Comissão de Processo Civil da OAB-MG e presidente da Comissão de Direito Ambiental Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da OAB-MG.

  • Rennan Thamay

    é advogado parecerista pós-doutor pela Universidade de Lisboa doutor em Direito pela PUC/RS e Università degli Studi di Pavia mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas especialista em Direito pela UFRGS professor titular do programa de graduação e pós-graduação (Doutorado Mestrado e Especialização) da Fadisp e professor da pós-graduação (lato sensu) da PUC/SP.

7 de abril de 2024, 6h04

A prática de atos processuais, no procedimento, tem um curso (iter) em frente, sem retrocessos; segurança jurídica advinda da previsibilidade: é assim para as partes e também para o Estado-juiz.

Assim, se a parte conhecer efetivamente nulidade que possa gerar retrocesso na marcha processual, deverá alegar de pronto sob pena de se prestigiar aquilo que se passou a denominar “nulidade de algibeira”.

O disposto no artigo 278, do CPC é cristalino ao impor à parte o ônus de alegar a nulidade no primeiro momento em que falar nos autos. Nesse sentido, a norma não pode ser utilizada para surpreender a parte contrária, vez que assim, a quem dirigido o ônus argumentativo estará agindo em desconforme com a boa-fé objetiva.

O magistrado também não poderá agir/decidir como se estivesse num verdadeiro vaivém procedimental (procedimento sanfona), nem mesmo naquelas situações em que a matéria é de ordem pública (v.g., matérias relativas à legitimidade ou ao interesse processual). Aliás, o agir oficioso do magistrado, por certo, comprometerá o devido processo legal.

O Superior Tribunal de Justiça assim decidiu recentemente:

“Uma vez que tenham sido objeto de análise, as matérias de ordem pública, como é o caso da legitimidade ad causam e do interesse de agir, não podem ser novamente apreciadas, operando-se a preclusão pro judicato” (REsp 2.019.150/SP, Rel. Min. Nancy Andrigui, Terceira Turma, julgado em 14.02.2023). [1]

Um exemplo corriqueiro é aquele relacionado à atividade probatória, ou seja, o juiz ao deferir ou indeferir determinado meio probatório, não poderá “redecidir” sob pena de provocar verdadeiro retrocesso contrário ao direito adquirido à produção daquele meio probatório já efetivamente deferido.

Aliás, se o Estado-juiz, em sede de decisão de saneamento e organização, deferir os meios probatórios pretendidos pelas partes, e se essa decisão se estabilizou, sem a interposição de quaisquer recursos, não poderá voltar atrás sob pena de transgredir a boa-fé objetiva.

Spacca

Nesse sentido, se houve decisão positiva acerca dos meios probatórios, já estabilizada, “o magistrado tem o dever de garantir a produção” daqueles meios probatórios já deferidos.

Hoje, o que se tem visto na prática forense são decisões “gangorra” no “vai e volta” totalmente contrárias ao texto constitucional, com desrespeito à segurança jurídica que garante a produção de determinado meio probatório.

Portanto, se o Estado-juiz já deferiu a produção de determinado meio probatório (v.g., oitiva de testemunhas), deverá garantir a efetiva produção desse meio probatório à parte que o postulou, já que futura improcedência do pedido será nula por evidente cerceamento de defesa.

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves:

“A liberdade do juiz no tocante à produção da prova, entretanto, não é ilimitada, em especial no caso de deferimento de sua produção. Uma vez deferida a produção da prova e não havendo recurso contra tal decisão, ocorrerá a preclusão pro iudicato, exigindo-se do juiz a produção de referida prova, ainda que se convença de esta não ser mais necessária. Ocorrerá, no caso, o surgimento de uma espécie de direito adquirido da parte à produção da prova, que não pode ser afrontado com a simples mudança de opinião do juiz diante do conjunto probatório. A prova só deixará legitimamente de ser produzida após o deferimento pelo juiz se ambas as partes concordarem, em razão do princípio da comunhão das provas, que torna do processo, e não de quem a requereu, até mesmo o direito concreto à prova”. [2]

Se o juiz já analisou e deferiu o meio probatório postulado pela parte, em decisão de saneamento e organização, não poderá voltar atrás e “indeferir” a produção da prova, já que incidentes os efeitos da preclusão consumativa (também denominada “pro judicato” — quando os seus efeitos são aplicados aos atos praticados pelo Estado-juiz) — ex vi do artigo 505, do CPC — o que garante a produção daquele meio probatório já deferido. [3]

Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara:

“E também para o juiz há preclusão consumativa. Pense-se no caso de ter-se tornado estável a decisão de saneamento e organização do processo. Pois preclui para o juiz (mas não para as partes, que poderão sobre elas se manifestar em apelação ou em contrarrazões de apelação) a possibilidade de tornar a decidir sobre aquilo que tenha sido expressamente resolvido naquele pronunciamento (com a ressalva da distribuição do ônus da prova, que, tendo sido impugnada por agravo de instrumento, pode ser objeto de retratação pelo juiz, nos termos do artigo 1.018, § 1º)”. [4]

A preclusão consumativa, com eficácia endoprocessual, possui função direcionada à segurança jurídica, vez que impõe à parte “penalidade” pela prática antecipada de determinado ato processual — evita-se, com isso, a marcha à ré procedimental.

Portanto, os efeitos da preclusão consumativa também deverão ser aplicados aos atos praticados pelo Estado-juiz, em prestígio ao direito à ampla produção dos meios probatórios, o que se caracteriza como óbice ao retrocesso processual.

 


[1] E ainda: STJ, AgRg no AREsp 264.238/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 15/12/2015, DJe 18/12/2015; STJ, AgRg no AREsp 650737/RJ, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 04/03/2016; Informativo 545/STJ – 4ª Turma, REsp 1.229.905/MS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05/08/2014; STJ, AgInt no AREsp 2.007.442/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 30/06/2022; STJ, REsp 2.019.150/SP, rel. Min. Nancy Andrigui, Terceira Turma, julgado em: 14/02/2023; STJ, REsp 1.972.877/PR, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 29/09/2022.

[2] Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 734-735.

[3] Com o mesmo raciocínio, Marcelo Mazzola: “Registre-se apenas que uma coisa é o poder do juiz de apreciar questões conhecíveis de ofício a qualquer tempo. Outra, completamente diferente, é o juiz poder reapreciar, a qualquer tempo, questões conhecíveis de ofício já anteriormente decididas. Nesse último caso, pensamos que há uma preclusão consumativa para o juiz (art. 505 do CPC/15), não podendo ele – ou o tribunal superior, caso a parte não tenha interposto o recurso cabível no prazo legal – decidir novamente o tema, sob pena de retrocessos processuais” (Mazzola, Marcelo. Silêncio do juiz no processo civil (inércia, omissão stricto sensu e inobservância) e seus mecanismos de impugnação. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, p. 116-117).

[4] Câmara, Alexandre Freitas. Manual de direito processual civil. 1. ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022, p. 480.

Autores

  • é advogado, mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP, especialista em Direito Processual Civil pelo CEU-SP (atual IICS), LL.M em Proteção de Dados: LGPD & GDPR, especialista em Mercado de Carbono pela Proenco-SP, professor de Direito da Unipac-Uberaba-MG e da Universidade Federal de Uberlândia-UFU, membro da Comissão de Processo Civil da OAB-MG e presidente da Comissão de Direito Ambiental, Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da OAB-MG.

  • é advogado, parecerista, pós-doutor pela Universidade de Lisboa, doutor em Direito pela PUC/RS e Università degli Studi di Pavia, mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas, especialista em Direito pela UFRGS, professor titular do programa de graduação e pós-graduação (Doutorado, Mestrado e Especialização) da Fadisp e professor da pós-graduação (lato sensu) da PUC/SP.

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