Opinião

Divulgação de informações de processo arbitral: confidencialidade limitada pelo dever de informar

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6 de abril de 2024, 15h19

Após extenso debate com participação de especialistas e autoridades, houve a publicação da recente Resolução CVM nº 80, de 29/03/2022, determinando a publicidade de informações a respeito de demandas societárias, inclusive de processos arbitrais e seus principais desdobramentos.

Tem sido motivo de grande discussão tal divulgação por gozar o processo arbitral de segredo de justiça (artigo 189, inciso IV, do Código de Processo Civil) e se sujeitar à cláusula de confidencialidade. A polêmica que se apresenta, e que causa dúvidas aos profissionais da área, é a existência de aparente conflito, de um lado, por parte do sigilo inerente ao processo arbitral e, de outro, de um mercado munido de informações suficientes para tomada de decisões.

De fato, o processo arbitral, em suas mais diversas formas e juízos, é buscado para solução de conflitos de forma mais técnica, mais célere e sigilosa. Tal sigilo é representado pelos princípios norteadores do sigilo propriamente dito, da privacidade e, em especial, da confidencialidade, inerente ao processo arbitral. Ora:

é, portanto, pertinente dizer que a confidencialidade é uma qualidade muito estimada do procedimento arbitral, como reconhecido pela doutrina tanto na esfera nacional quanto internacional. Este atributo permite resguardar informações sensíveis, segredos de indústria e direitos de propriedade intelectual. Além disso, a confidencialidade nas arbitragens comerciais inibe o conhecimento público de questões cuja divulgação, ainda que realizada de forma lícita, poderia gerar prejuízos materiais e imateriais ou circunstâncias indesejadas” (Silva, 2020, pág. 21).

A confidencialidade dos processos arbitrais tem-se mostrado tamanha a ponto de necessitar de certa relativização. Neste sentido, prossegue Silva:

“(…) é necessário considerar premissas mínimas de proporcionalidade entre o bem protegido e o interesse social como elemento norteador da interpretação da extensão do dever de confidencialidade. Acaso utilizada contra os fins éticos e de realização da justiça a confidencialidade, uma qualidade legítima do processo arbitral, estaria a serviço do seu próprio desprestígio” (2020, pág. 38).

Tal confidencialidade irrestrita inclusive tem sido objeto de crítica por parte do Judiciário. Duríssima a crítica do desembargador Ciampolini a respeito:

O segredo que normalmente se impõe às arbitragens, inclusive na Câmara da B3, é pernicioso à transparência e à própria higidez do mercado de capitais; mais ainda é obstáculo ao prestígio do direito comercial. A luz do sol deve brilhar sobre esses procedimentos relevantes, várias vezes decididos por árbitros qualificados, especialistas, professores, advogados renomados. A cultura jurídica, a Academia têm interesse em conhecer o que neles se passa. Há que difundir os precedentes das arbitragens nas comunidades econômica e jurídica, divulgando-se sua jurisprudência de modo acessível a todos os interessados” (vide TJ-SP nº 1031861-80.2020.8.26.0100, 2021).

Pois bem, oportuno sempre lembrar que a empresa deve atender à sua função social, a teor do disposto nos artigos 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III. É oportuna a lição de que “a função social tem por objetivo, com efeito, reinserir a solidariedade social na atividade econômica sem desconsiderar a autonomia privada, fornecendo padrão mínimo de distribuição de riquezas e de redução das desigualdades” (Frazão, 2017).

Spacca

Decorrência da função social, a limitar a esfera privada da empresa ou do administrador, tem-se o dever de informar inscrito no artigo 157, §1º, alínea e), da Lei das Sociedades Anônimas, no sentido de que o administrador deve divulgar tempestivamente atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia, com o objetivo de garantir o bom funcionamento do mercado via divulgação ao investidores do dados necessários para a negociação, como também a correta e fundamentada tomada de decisão por parte dos acionistas da companhia (Sacramone, 2017).

Divulgação de informações financeiras

Portanto, assim como afiguram-se fundamentais a publicação e a divulgação das demonstrações financeiras periódicas e regulares das companhias, também se faz imperiosa a divulgação de informações mínimas a respeito de demandas que possam impactar diretamente e financeiramente a companhia e o mercado.

Ora, como bem reconhece Silva, “a existência, quantidade, natureza e valores envolvidos nas disputas arbitrais são referências importantes que podem afetar na percepção, no conceito ou no valor de mercado da empresa, impactando o empreendimento cotidiano, a capacidade de financiamento (endividamento), o custo de capital e o potencial para alavancar os negócios perante clientes e consumidores em geral” (2020, pág. 21).

Já era mandamento constante do artigo 2º, inciso XXII, da Resolução CVM nº 44/2021, a divulgação via fato relevante de “procedimento administrativo ou arbitral que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia”. Agora, com este mesmo espírito, a Resolução CVM nº 80/2022, em especial em seu Anexo I, inaugura a obrigação da companhia de divulgar, por fato relevante, toda e qualquer demanda societária, arbitral inclusive, que impacte a companhia, seus administradores ou acionistas.

Inclusive o regramento foi bastante sensível aos princípios arbitrais de confidencialidade, sigilo e privacidade, ao determinar a divulgação de informações de partes, valores, bens ou direitos envolvidos, principais fatos pedido ou provimento pleiteado (alíneas a) a d) do inciso I do artigo 2º), bem como a desnecessidade de disponibilização do inteiro teor dos documentos a que se refiram (Parágrafo único do artigo 2º).

Definitivamente, ainda mais nos tempos atuais com maiores exigências nacionais e internacionais de governança corporativa e de conflitos societários mais complexos e recorrentes, o dever de informar impõe a ampla divulgação de processos arbitrais e seus desdobramentos.

Como bem pontuado por Tucci, aplicável a qualquer jurisdição, “a publicidade das demandas constitui uma garantia para o procedimento legal e imparcial dos tribunais, que se sobrepõe à vontade dos litigantes, devido à influência disciplinadora propiciada pela possibilidade que concede ao jurisdicionado de vigiar os atos e termos do processo. Ao mesmo tempo, a publicidade desvela a vertente pedagógica da justiça” (2022).

Neste contexto, a Resolução CVM nº 80/2022 se afigura justa e prudente, ainda a reafirmar os valores de governança corporativa, ao disciplinar a divulgação de informações relativas a processos arbitrais, ponderando o sigilo inerente a tal expediente e a imperiosa comunicação ao mercado a respeito do que venha a impactar os negócios da companhia.

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Referências

CVM. Comissão de Valores Mobiliários. Resolução nº 44, de 23/08/2021. Dispõe sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, a negociação de valores mobiliários na pendência de ato ou fato relevante não divulgado e a divulgação de informações sobre a negociação de valores mobiliários. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br
/export/sites/cvm/legislacao/resolucoes/anexos/001/resol044consolid.pdf
, acesso em 21/11/2023

CVM. Comissão de Valores Mobiliários. Resolução nº 80, de 29 de março de 2022. Dispõe sobre o registro e a prestação de informações periódicas e eventuais dos emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/resolucoes/anexos/
001/resol080consolid.pdf
, acesso em 21/11/2023.

FRAZÃO, Ana. Função social da empresa. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/222/edicao-1/funcao-social-da-empresa, acesso em 19/11/2023

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Administradores de sociedades anônimas. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/238/edicao-1/administradores-de-sociedades-anonimas, acesso em 19/11/2023.

SILVA, Diogo Dias da. Publicação das decisões arbitrais. critérios para a formação de uma jurisprudência arbitral. [s. l.]: Lumen Juris, 2021. ISBN 9786555109313. Disponível em: https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&AuthType=ip,uid&db=cat08036a&

AN=sbfgv.000231191&lang=pt-br&site=eds-live, acesso em 21/09/2023.

TUCCI, José Rogério Cruz e. A Resolução CVM nº 80/22 e a publicidade do processo arbitral. Consultor Jurídico, 24/05/2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-24/paradoxo-corte-resolucao-cvm-80-publicidade-processo-arbitral/, acesso em 21/11/2023

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Consulta à jurisprudência disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do. Acesso em 21/11/2023. Precedente citado: Apelação Cível nº 1031861-80.2020.8.26.0100. Relator (a): Cesar Ciampolini. Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Foro Central Cível – 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM. Data do Julgamento: 30/06/2021. Data de Registro: 01/07/2021

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