Opinião

Prazo da contestação no caso do litisconsórcio, a incerteza da audiência e uma má escolha do CPC

Autores

  • Ravi Peixoto

    é doutor em direito processual pela Uerj mestre em Direito pela UFPE procurador do município do Recife professor da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e advogado.

  • Rafael Luna

    é advogado mestre e doutor em Direito pela Unicap professor da UniFafire palestrante e consultor jurídico.

8 de maio de 2024, 7h04

O artigo 335 trata dos prazos para oferecimento de contestação, prevendo o prazo de 15 dias para o seu oferecimento, trazendo em seus incisos os marcos iniciais da contagem do prazo. Se houver a realização de audiência de conciliação, o marco inicial é a data da realização dessa ou da última sessão de conciliação.

A questão que é tratada no presente escrito segue no rumo da possível não realização da audiência de conciliação. No CPC, a audiência do artigo 334 só não será realizada se o direito não admitir autocomposição, ou se ambas as partes manifestarem o seu desejo na realização da composição consensual, conforme disposição do §4º, do referido artigo.

Na primeira hipótese, o marco inicial é contado na forma do artigo 231 do CPC/15. No caso de litisconsortes passivos, o prazo apenas será iniciado quando o último litisconsorte for devidamente citado. Esse fato gera um natural aumento, por vezes excessivo, do prazo para apresentação da defesa. Afinal, um dos litisconsortes pode, simplesmente, ser difícil de encontrar.

Na segunda situação, o marco inicial acaba sendo a data do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou mediação apresentado pelo réu, não se olvidando o fato de que o autor já se manifestaria pelo não desejo de participar da audiência de conciliação/mediação na petição inicial.

A princípio, a questão parece estar resolvida e saneada: a contagem do marco inicial, em caso de cancelamento da audiência, seria da data do protocolo da petição de não submissão do réu à audiência do artigo 334 do CPC/15. No entanto, no caso de litisconsórcio passivo, a questão é alterada.

De acordo com o artigo 335, §1º, do CPC/15, há dois possíveis marcos iniciais para apresentação de contestação no caso de litisconsórcio passivo quando ela for marcada.

Spacca

A primeira hipótese ocorre se todos os litisconsortes se manifestarem pela sua não realização (artigo 334, §6º, CPC). Nesse caso, o prazo, para cada um dos réus, começará a partir da data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência. Note-se: a audiência só deixará de ser realizada se todos os litisconsortes desejarem o seu cancelamento, mas o prazo da contestação será iniciado a partir do momento em que cada litisconsorte requerer a não realização da audiência. O que pode ocorrer em vários momentos do tempo.

O prazo para a apresentação de contestação é contado individualmente para cada um dos litisconsortes, com marco inicial sendo a data de apresentação da manifestação de desinteresse de cada um deles.

A segunda hipótese ocorre se a audiência não for cancelada. A(s) manifestação(ões) dos litisconsortes não terá(ão) nenhum efeito sobre o processo, e o prazo só será iniciado depois da audiência, nos termos do artigo 335, I, do CPC.

Qual é o grande problema?

Vejamos através de um exemplo prático. Para tanto, pensemos nas datas a seguir desconsiderando as suspensões de prazo em matéria local e recessos forenses. Consideremos apenas as suspensões abarcadas em finais de semana. “A” propõe ação contra “B”, “C” e “D”, no dia 1º de março de 2024, manifestando de pronto o seu desinteresse em participar de audiência de conciliação. No caso, essa ainda irá ocorrer?

Claro, já que para o seu cancelamento, haverá a necessidade de manifestação negativa de todos os participantes, incluindo cada um dos litisconsortes passivos. O juízo recebe a petição inicial de “A” e marca audiência de conciliação para o dia 10 de junho de 2024.

“B” é citado no dia 5 de março de 2024 e, de pronto, manifesta o seu desinteresse na participação em audiência de conciliação. Pergunta: o prazo para “B” contestar fora deflagrado? A resposta é negativa, considerando o fato de que, como a audiência está mantida, a deflagração somente ocorrerá na data de sua realização. “C” é citado no dia 7 de março de 2024 e se manifesta no mesmo sentido de “B”, ficando na mesma situação desse último, já que a audiência ainda estaria mantida.

“D” é citado em 5 de maio de 2024 e se manifesta também pelo desinteresse na audiência de conciliação/mediação. Essa última manifestação tem efeitos extremamente relevantes. Primeiro que, com a manifestação de “D”, todos os participantes se manifestaram no sentido de desinteresse em participação da audiência de conciliação obrigatória. Logo, essa última será devidamente cancelada.

Assim, inaplicável a regra do artigo 335, I, do CPC/15, atraindo a incidência do §1º do mesmo dispositivo. Logo, o marco inicial para cada um dos litisconsortes contaria a partir da data da manifestação de desinteresse na participação da audiência. A conclusão acaba sendo óbvia: “B” e “C” são revels por uma mudança na regra do jogo no curso do próprio jogo. O comportamento de ambos acaba sendo regido por uma circunstância alterada pela vontade de uma única parte: “D”.

Pela contagem do artigo 335, §1º, do CPC/15, o prazo para contestar de “B” teria se encerrado em 26 de março de 2024, e o de “C” teria se encerrado no dia 28 de março de 2024. Logo, “D” tornou “B” e “C” revéis, já que se manifestou posteriormente pelo desinteresse.

No fim das contas, quem se manifesta primeiro sobre a não realização da audiência fica obrigado a apresentar contestação, porque ele não sabe o que vai acontecer no processo. Se a audiência não for realizada porque todos concordam, ele pode perder o prazo, o que só será evitado se algum litisconsorte não concordar com sua decisão.

Todo esse problema de deixar o litisconsorte à deriva e dependente da decisão de outros poderia ser evitado com a solução dada pelo artigo 335, §2º, do CPC. Segundo o texto normativo, se não há audiência, “havendo litisconsórcio passivo e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para resposta correrá da data de intimação da decisão que homologar a desistência”.

No caso de a audiência estar dependendo da manifestação de vontade dos réus, para evitar a necessidade de uma certa futurologia, o artigo 334, §1º, poderia colocar um marco único para o prazo de todos os litisconsortes. Esse seria a intimação de todos acerca do último pedido de não realização da audiência. Dessa forma, ninguém seria obrigado a oferecer uma contestação just in case e poderia esperar a realização da audiência ou a intimação do seu cancelamento.

Ainda evitaria — o que obviamente não é bom para a chance de acordo — que alguém vá para a audiência já com a contestação apresentada, mesmo antes de sua realização. Manteria a lógica de que a audiência é realizada antes da apresentação da contestação, para que os ânimos das partes estejam menos inflamados e mais aberto para a autocomposição.

Autores

  • é doutor em Direito Processual pela Uerj, mestre em Direito pela UFPE, procurador do município do Recife, professor da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e advogado.

  • é advogado, mestre e doutor em Direito pela Unicap, professor da UniFafire, palestrante e consultor jurídico.

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