Opinião

Agravo de instrumento no processo civil: a taxatividade mitigada e o Tema 988 do STJ

Autor

  • Heleno Aparecido Facco Júnior

    é advogado no GHBP Advogados professor universitário na faculdade Anhanguera mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Direito Empresarial e Direito e Processo Civil pela Universidade União das Américas.

    View all posts

11 de maio de 2024, 13h30

No contexto do dinâmico cenário jurídico brasileiro, o agravo de instrumento surge como um recurso processual de vital importância, permitindo a revisão célere e eficaz de decisões interlocutórias com potencial para causar danos irreparáveis ou de difícil reparação às partes envolvidas.

Originalmente concebido como um instrumento com hipóteses de cabimento taxativas, estabelecidas pelo artigo 1.015 do Código de Processo Civil (CPC), o agravo de instrumento passou por uma evolução interpretativa com o advento do Tema 988 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Este tema representou um marco na compreensão do artigo 1.015, abrindo espaço para a aplicação do agravo em situações não previstas expressamente na lei, mas que apresentam risco de prejuízos significativos.

A introdução do conceito de taxatividade mitigada buscou equilibrar a necessidade de segurança jurídica com a urgência de proteger direitos em situações críticas, refletindo uma resposta do sistema judiciário às complexidades e peculiaridades dos casos concretos.

Essa evolução jurisprudencial demonstra um movimento em direção a um sistema processual mais dinâmico e responsivo, capaz de se adaptar às demandas contemporâneas de justiça.

O agravo de instrumento, nesse contexto, torna-se uma ferramenta ainda mais crucial para garantir a efetividade da tutela jurisdicional e a proteção dos direitos das partes, ao mesmo tempo em que desafia os operadores do direito a buscarem o equilíbrio entre a previsibilidade das normas e a necessidade de soluções justas e adequadas às particularidades de cada caso.

O agravo de instrumento e sua função no processo civil

O agravo de instrumento se destina a contestar decisões interlocutórias proferidas por um magistrado durante o curso do processo. Essas decisões, embora não definitivas, podem impactar significativamente o andamento da ação e, consequentemente, os direitos das partes.

Dentre as hipóteses previstas no artigo 1.015 do CPC, podemos citar:

  • Decisões que versam sobre tutelas provisórias;
  • Rejeição liminar da ação;
  • Indeferimento da petição inicial;
  • Exibição ou posse de documento ou coisa;
  • Exclusão de litisconsorte;
  • Indeferimento da produção de prova pericial.

O cabimento do agravo de instrumento nessas situações se justifica pela necessidade de evitar que as decisões interlocutórias causem prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.

Imagine, por exemplo, uma decisão que indefere a produção de prova pericial essencial para a demonstração dos fatos alegados pelo autor. A espera pelo julgamento final para recorrer dessa decisão poderia tornar a prova inútil ou prejudicar significativamente a parte prejudicada.

Entretanto, existem casos não contemplados no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil. Para essas situações, torna-se necessário analisar a taxatividade mitigada desse artigo, assim como os esclarecimentos proporcionados pelo Tema 988 do Superior Tribunal de Justiça.

Taxatividade mitigada e o Tema 988 do STJ

O Tema 988 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) representa um marco na interpretação do artigo 1.015 do Código de Processo Civil (CPC) e na evolução do entendimento sobre o agravo de instrumento.

Ao introduzir o conceito de taxatividade mitigada, o STJ abriu caminho para uma Justiça mais célere e efetiva, permitindo que o agravo seja utilizado em situações que, embora não previstas expressamente no rol taxativo do artigo 1.015, se caracterizam pela urgência e relevância, demandando uma pronta intervenção judicial.

A flexibilização se mostra vital em diversas circunstâncias práticas, especialmente em casos em que a espera pelo julgamento final poderia causar danos irreparáveis às partes.

Decisões interlocutórias que indeferem requerimentos de provas essenciais, por exemplo, podem afetar irremediavelmente o direito de defesa, enquanto decisões que envolvem questões urgentes de tutela, como medidas protetivas em casos de violência doméstica ou decisões sobre saúde pública, exigem uma resposta judicial imediata para prevenir danos sérios e, muitas vezes, irreversíveis.

A aplicação do Tema 988 exige uma análise criteriosa do caso concreto, ponderando-se a urgência da medida e a relevância da questão debatida. É fundamental demonstrar que a decisão interlocutória pode causar danos de difícil ou impossível reparação e que a espera pelo julgamento final do processo implicaria em prejuízos significativos para a parte prejudicada.

Por isso, a mitigação da taxatividade do rol estabelecido pelo artigo 1.015 fortalece o princípio da efetividade da tutela jurisdicional e assegura o direito à ampla defesa e ao contraditório. Essa abordagem garante que nenhuma das partes sofra prejuízos em decorrência de uma decisão que poderia ser imediatamente contestada.

O processamento de agravos de instrumento que, sob as regras anteriores, teriam sido negados demonstra a maior discricionariedade dos tribunais e a consciência sobre a dinâmica e as exigências do direito contemporâneo, onde a rigidez excessiva pode mais obstruir do que facilitar a Justiça.

Portanto, o Tema 988 do STJ representa mais do que uma simples alteração na interpretação de um artigo do CPC. É o reconhecimento de que a justiça deve ser adaptável e responsiva às realidades enfrentadas diariamente pelos cidadãos e pelos operadores do direito, buscando sempre o equilíbrio entre a estabilidade do sistema jurídico e a flexibilidade necessária para atender às necessidades urgentes e significativas das partes envolvidas em litígios.

Tensões entre segurança jurídica e efetividade da Justiça

A introdução da taxatividade mitigada no artigo 1.015 do Código de Processo Civil suscita um complexo diálogo entre dois pilares fundamentais do direito: a segurança jurídica e a efetividade da Justiça.

A segurança jurídica, que se sustenta na previsibilidade e na estabilidade das normas legais, é essencial para garantir que os indivíduos e as entidades possam planejar suas ações e expectativas de acordo com a lei.

No entanto, a efetividade da justiça, que busca garantir respostas judiciais adequadas e tempestivas às situações concretas, por vezes exige uma interpretação mais flexível e adaptativa das normas.

A mitigação da taxatividade, ao permitir que decisões interlocutórias possam ser contestadas via agravo de instrumento mesmo quando não previstas explicitamente no rol do artigo 1.015, introduz uma dose de flexibilidade respondendo de maneira eficaz às necessidades urgentes e substanciais dos jurisdicionados.

Contudo, essa mesma flexibilidade pode levar a um terreno de incertezas jurídicas. A ampliação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento pode resultar em uma variedade de interpretações pelos diferentes magistrados e tribunais, criando um cenário em que a uniformidade de decisões judiciais é desafiada.

Por outro lado, os tribunais, cientes das implicações dessas tensões, tem buscado caminhos para equilibrar esses dois aspectos. A adoção cautelosa do Tema 988 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) exemplifica essa tentativa de equilíbrio.

O STJ tem enfatizado a necessidade de que cada caso seja analisado com rigor, considerando os critérios de urgência e relevância para evitar uma abertura indiscriminada que possa comprometer a previsibilidade legal.

A referida abordagem reflete um esforço judicioso para proteger os direitos das partes enquanto mantém a celeridade e a eficiência do processo judicial.

Além disso, a prática judicial tem mostrado que a mitigação da taxatividade é frequentemente aplicada em situações em que a demora na resolução de uma questão poderia resultar em danos irreparáveis ou de difícil reparação.

Essa posição evidencia uma predileção do Judiciário por uma interpretação que não se limita apenas ao texto da lei, mas também leva em conta o espírito da justiça e a realidade prática enfrentada pelos litigantes.

Em suma, enquanto a taxatividade mitigada do artigo 1.015 do CPC traz desafios significativos para a segurança jurídica, ela também abre caminho para uma Justiça mais responsiva e adaptada às exigências do mundo moderno.

A chave para esse dilema reside na habilidade dos tribunais de encontrar um meio-termo que respeite a previsibilidade das normas sem sacrificar a necessidade de uma resposta judicial eficaz e justa.

Este equilíbrio continuará a ser um tema central na evolução do direito processual civil brasileiro, exigindo uma vigilância constante e um diálogo contínuo entre a doutrina, a prática jurídica e a jurisprudência.

Conclusão

A trajetória do agravo de instrumento no processo civil brasileiro, especialmente sob a luz do Tema 988 do STJ e da taxatividade mitigada, revela uma jornada em busca do equilíbrio entre a rigidez das normas e a flexibilidade necessária para atender às demandas da justiça contemporânea.

A mitigação da taxatividade, ao expandir as possibilidades de interposição do recurso, não apenas reflete uma adaptação às complexidades do mundo jurídico atual, mas também destaca o compromisso do sistema judiciário com a efetiva proteção dos direitos das partes e a busca por soluções justas e adequadas.

Essa evolução, que permite maior discricionariedade na análise das decisões interlocutórias, é uma resposta pragmática aos desafios impostos por situações que requerem intervenção judicial imediata para prevenir danos irreparáveis.

O agravo de instrumento deixa de ser apenas um recurso processual e se torna um instrumento a serviço da Justiça, capaz de se adaptar às nuances do mundo contemporâneo e contribuir para a construção de um sistema processual mais justo, célere e efetivo.

A experiência com o Tema 988 ressalta a importância de uma jurisprudência em constante diálogo com a realidade social e jurídica, ajustando a interpretação de normas processuais estabelecidas e garantindo a justiça em casos específicos.

A dualidade entre a estabilidade das normas e a adaptabilidade necessária para enfrentar os desafios jurídicos do futuro permanece como um tema central na evolução do direito processual civil.

O agravo de instrumento, com sua trajetória de transformação, nos convida a refletir sobre o papel do direito na sociedade e a importância de buscar soluções que, além de respeitar as normas, garantam a realização da Justiça em sua plenitude. É um convite a todos os operadores do direito para uma reflexão contínua, buscando o equilíbrio entre segurança jurídica e efetividade, e construindo um sistema processual cada vez mais justo e responsivo às necessidades da sociedade.

Autores

  • é advogado no GHBP Advogados, professor universitário na faculdade Anhanguera, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Direito Empresarial e Direito e Processo Civil pela Universidade União das Américas.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!