Exceções em alteração do CPC prejudicam direito dos credores afetados por inadimplemento
16 de abril de 2024, 6h34
O Livro I, da parte especial do Código Civil, regula o direito das obrigações, que, na sua essência, é um direito pessoal. Este, por sua vez, cria situação jurídica relativa entre pessoas específicas (o credor e o devedor), permitindo que o primeiro exija do segundo uma prestação, um fato, ou, uma abstenção. Aliás, é exatamente assim que o direito pessoal é definido: o “direito de exigir de uma pessoa determinada uma prestação, um fato ou uma abstenção”.
Assim, pode-se dizer que o objeto do direito obrigacional é um ato — positivo ou negativo — do devedor (fazer ou não fazer), ou, o seu patrimônio (pagar).
O sistema do direito das obrigações vigente no Brasil determina que o devedor somente responde por obrigações até a força de seu patrimônio total (Código Civil, artigo 391). Caso não haja bens para servir à excussão do credor, não há como compelir o devedor ao cumprimento de obrigação de dar e pagar.
O Código de Processo Civil, ao regular o julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, determina que o juiz, ao sentenciar o processo envolvendo prestação de fazer ou não fazer, se procedente o pedido, conceda tutela específica, determinando-se as providências que assegurem o resultado prático equivalente. Já na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
Desta forma, pode-se definir que a tutela específica é tudo o que foi requerido pelo credor, quando do ajuizamento da ação de fazer, não fazer ou para entregar coisa.
O legislador processual civil defende, ainda, que para a concessão de tutela específica, no julgamento de prestações de fazer, não fazer e de entregar coisa, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano, ou, da existência de culpa ou dolo do agente, possibilitando, ainda, a conversão da obrigação em perdas e danos, nas hipóteses previstas no artigo 499, a saber: se for requerido pelo autor da ação; se impossível a tutela específica; ou se impossível a obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente.
Ou seja, diante da impossibilidade de cumprimento da obrigação de dar, fazer ou não fazer e sendo possível sua conversão em perdas e danos a qualquer momento do processo, inclusive em sede de cumprimento de sentença, é cabível a conversão de obrigação de fazer em indenização por perdas e danos, independente de pedido, sem que reste configurado julgamento extra ou ultra petita, desde que constatada a impossibilidade de cumprimento da obrigação específica, como entende a jurisprudência dominante a respeito do assunto.
Inobstante, o legislador, recentemente, por meio da Lei n° 14.833, de 27 de março de 2024, acrescentou um parágrafo único ao artigo 499, do Código de Processo Civil, determinando que: “Nas hipóteses de responsabilidade contratual previstas nos arts. 441, 618 e 757 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e de responsabilidade subsidiária e solidária, se requerida a conversão da obrigação em perdas e danos, o juiz concederá, primeiramente, a faculdade para o cumprimento da tutela específica”.
Faculdade para o devedor cumprir
Pois bem, para as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, decorrentes de vícios redibitórios, de contratos de empreitadas de edifícios ou outras construções consideráveis, bem assim, as decorrentes dos contratos de seguro, e, nas obrigações solidárias e subsidiárias, pela nova dicção da lei, o juiz concederá, primeiramente, a faculdade para o devedor cumprir a tutela específica, sem deferir a conversão imediata em perdas e danos.
A nova regra prevista no parágrafo único, do artigo 499, do Código de Processo Civil, assim, termina por prejudicar o credor afetado pelo inadimplemento, pois lhe retira o direito de exigir, de pronto, a conversão em perdas e danos.
Mas por que o legislador estabeleceu exceções apenas para estes casos, e não as demais obrigações de dar e de fazer? Ao que parece, ele desejou, apenas, criar exceções à regra contida no caput do artigo 499 do Código de Processo Civil, e não alterar a regra geral contida neste dispositivo, que faculta ao credor optar pela indenização por perdas e danos, em detrimento da tutela específica.
Outra dúvida que surge, após a leitura do novo texto legal, é quanto à sua aplicação imediata aos processos em curso, dado que nada dispôs a respeito. Deve ser aplicada a regra do artigo 14, parte final, do Código de Processo Civil?
Como se vê, o novo texto traz consigo muitos desafios, dúvidas, e, um grande impacto para os credores, cujos esclarecimentos e efeitos somente serão conhecidos pela comunidade jurídica com o passar do tempo, quando os primeiros entendimentos jurisprudenciais surgirem.
Acompanhemos, pois, a evolução do assunto.
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