Pacote anticrime

Com três posições distintas, vista suspende julgamento sobre retroatividade do ANPP

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26 de novembro de 2023, 11h17

Um pedido de vista do ministro André Mendonça interrompeu novamente o julgamento em que o Supremo Tribunal Federal vai definir o cabimento do acordo de não persecução penal nos processos que estavam em andamento quando o pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019) entrou em vigor.

Carlos Moura/STF
Ministro Gilmar Mendes votou por permitir o ANPP até o trânsito em julgado da ação penal

O tema estava em apreciação no Plenário Virtual e é de grande importância, pois definirá a situação de, potencialmente, milhares de pessoas processadas ou até condenadas por crimes de menor ofensividade para as quais caberia, em tese, o oferecimento do acordo.

Até o momento da vista, o julgamento tinha três posições distintas, com dois votos para cada.

Relator, o ministro Gilmar Mendes adotou a posição de que o ANPP é cabível até o trânsito em julgado das ações. Votou com ele o ministro Cristiano Zanin. Ele propôs ao colegiado de quatro teses sobre o tema:

O Acordo de Não Persecução Penal é norma de natureza híbrida [material-processual], diante da consequente extinção da punibilidade, com incidência imediata em todos os casos sem trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que requerida na primeira intervenção procedimental das partes após a vigência da Lei 13964/19 [23/01/2020], em observância à boa-fé objetiva e à autovinculação das partes aos comportamentos assumidos [comissivos ou omissivos];

O arguido não tem o direito subjetivo ao Acordo de Não Persecução Penal, mas sim o direito subjetivo à devida motivação e fundamentação quanto à negativa. A recusa ao Acordo de Não Persecução Penal deve ser motivada concretamente, com a indicação tangível dos requisitos objetivos e subjetivos ausentes [ônus argumentativo do legitimado ativo da ação penal], especialmente as circunstâncias que tornam insuficientes à reprovação e prevenção do crime;

É inválida a exigência de prévia confissão durante a Etapa de Investigação Criminal, porque dado o caráter negocial do Acordo de Não Persecução Penal, a confissão é circunstancial, relacionada à manifestação da autonomia privada para fins negociais, em que os cenários, os custos e benefícios são analisados, vedado, no caso de revogação do acordo, o reaproveitamento da confissão circunstancial [ad-hoc] como prova desfavorável durante a Etapa do Procedimento Judicial;

O Órgão Judicial exerce controle quanto ao objeto e termos do acordo, mediante a verificação do preenchimento dos pressupostos de existência, dos requisitos de validade e das condições da eficácia, podendo decotar ou negar, de modo motivado e fundamentado, a respectiva homologação [CPP, art. 28-A, §§ 7º, 8º e 14].

Dois ministros manifestaram divergência parcial: Luiz Edson Fachin e Dias Toffoli. Eles entendem que o ANPP cabe a todos os casos não definitivos, mas divergem sobre a exigência incluída por Gilmar, no sentido de o cabimento depender de a defesa ter requerido o acordo na primeira intervenção procedimental das partes após a vigência do pacote “anticrime”.

Para Fachin, a restrição é indevida porque a norma que autoriza o ANPP traz benefícios para o status em que se encontra o réu no contexto da persecução penal. “Não admite a mencionada interpretação restritiva, ainda que seja imperiosa a estabilização da marcha processual”, disse.

Gustavo Moreno/STF
Para Alexandre de Moraes, ANPP só deve retroagir a casos ainda não sentenciados

Abriu a divergência o ministro Alexandre de Moraes, para quem a retroação só é possível enquanto o caso estiver na fase pré-processual — ou seja, até o recebimento da denúncia. Votou com ele, até o momento, a ministra Cármen Lúcia.

Essa posição também exige que o pedido tenha sido formulado na primeira oportunidade de manifestação nos autos após a vigência da lei “anticrime”.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o uso do acordo de não persecução penal vem ganhando força no Brasil, apesar da retroatividade ainda estar em disputa. Ele oferece uma resposta rápida ao Estado e ao acusado, com reparação do dano e fuga da morosidade judicial.

Está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pelo pacote “anticrime”. Pode ser oferecido pelo Ministério Público ao réu que praticou infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, desde que tenha confessado a conduta.

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes
Clique aqui para ler o voto do ministro Cristiano Zanin
Clique aqui para ler o voto do ministro Luiz Edson Fachin
Clique aqui para ler o voto do ministro Dias Toffoli
Clique aqui para ler o voto do ministro Alexandre de Moraes
HC 185.913

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