Ação afirmativa

Conservadores dos EUA querem criar uma sociedade daltônica

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8 de novembro de 2023, 10h30

Depois que a Suprema Corte dos EUA extinguiu a “cota racial” para ingresso nas universidades, algumas organizações conservadoras moveram mais de uma dúzia de ações para desmantelar todas as políticas de ação afirmativa e todos os programas que promovem a “diversidade, equidade e inclusão (DEI – diversity, equity and inclusion)” no país.

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Olho, olhar, daltonismo, cegueira, cego
Organizações conservadoras dos EUA querem criar querem criar uma “sociedade daltônica”, que não distingue cores

Essas organizações, ligadas ao Partido Republicano, querem criar nos EUA o que definem como “sociedade daltônica” (colorblind society) — uma sociedade que não distingue cores (não que apenas confunde cores). Para isso, argumentam, é preciso acabar com tudo que favorece minorias no trabalho, na habitação, no financiamento de pequenas e médias empresas.

Para justificar suas alegações na Justiça, as organizações citam a Lei dos Direitos Civis (Civil Rights Act) de 1866. Essa lei, criada após a Guerra Civil que opôs escravocratas e liberais, “garante a todas as pessoas os mesmos direitos dos cidadãos brancos”, incluindo os direitos de casar-se, comprar, vender e herdar propriedades, mover ações judiciais e celebrar contratos.

Os peticionários, que incluem, além de organizações, empresas de todos os portes e ativistas políticos, alegam que essa lei e leis subsequentes de direitos civis têm o objetivo de promover a igualdade entre todas as raças e que qualquer programa que tenta beneficiar apenas minorias constitui uma “discriminação reversa” contra a raça branca.

Por sua vez, os defensores das políticas e programas que promovem a diversidade, equidade e inclusão, entre os quais grandes empresas, escritórios de advocacia e gestores de fundos de financiamento, declaram que as alegações dos conservadores é uma perversão das intenções originais da lei dos direitos civis.

“É irônico que a legislação destinada a conceder a ex-escravos direitos civis básicos — e tornar ilegal privá-los desses direitos por causa de sua raça ou cor — esteja sendo usada para sufocar o avanço de profissionais e empresários negros e de outras minorias em setores em que há muito estão sub-representados”, dizem eles.

Eles argumentam ainda que a intenção da ação afirmativa é reparar séculos de discriminação contra minorias raciais, não de punir a raça branca.

Mesmo com esses programas, as pessoas não brancas são amplamente sub-representadas nas camadas superiores do mundo empresarial. Por exemplo, há apenas oito CEOs negros nas 500 maiores empresas listadas pela Fortune — e esse é o maior número desde o início da publicação da lista em 1955. E dos US$ 214 bilhões em capital de risco alocados em 2022, apenas 1,1% foram para empresas fundadas por empresários negros, de acordo com a Crunchbase.

Uma das ações foi movida pela American Alliance for Equal Rights — a mesma que moveu o processo que resultou no fim da cota racial para ingresso em faculdades e universidades — contra a organização financeira Fearless Fund, sediada em Atlanta, Geórgia, que oferece pequenos financiamentos, de até US$ 20 mil, a empresas criadas por mulheres negras, uma categoria que, em 2022, recebeu apenas 1% de todo o capital de risco destinado a empresas no estado.

Outra ação foi movida contra a Progressive Insurances, que fornece financiamentos de até US$ 25 mil para empresários negros por meio de seu “Small Business Forward Fund”. Em outras ações, foram citadas grandes empresas com programas de diversidade, equidade e inclusão, tais como Pfizer, Morgan Stanley, Amazon, Gannett.

Bancas de advocacia, entre as quais Perkins Coie, Morrison Foerster, Adams and Reese, Winston & Strawn e Gibson, Dunn & Crutcher, tiveram de cancelar, sob ameaças, seus programas de inclusão de estagiários e advogados de minorias raciais, apesar de apenas 5% dos advogados do país serem negros, de acordo com a American Bar Association (ABA).

Os juízes de primeiro e segundo grau têm apresentado entendimentos contraditórios no julgamento da questão, de forma que a decisão final caberá à Suprema Corte.

Se o tribunal decidir a favor dos peticionários, como já decidiu em prol da American Alliance for Equal Rights no processo que extinguiu a ação afirmativa na educação universitária, será o fim de todas as políticas e programas que promovem a diversidade, a equidade e a inclusão nos EUA.

Assim, a tal “sociedade daltônica” fará vistas grossas à história e às tradições de racismo no país, que melhorou bastante com a promoção de políticas e programas para combatê-lo, mas que ainda está bem vivo na parte da população que cultua a supremacia branca. Com informações do Washington Post, Reuters e Jurist.

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