Caso emblemático

Depoimentos não necessariamente servem como provas de crime de racismo

25 de abril de 2024, 10h31

Depoimentos por si só, não acompanhados de provas, podem não ser suficientes para comprovar o cometimento de um crime. Com esse entendimento, a juíza Cynthia Maria Sabino Bezerra Camurri, da 8ª Vara Criminal do estado de São Paulo (SP), decidiu absolver, por falta de provas, uma mulher acusada pelo crime de injúria racial.

Episódio aconteceu em 2022. Com a divulgação da mídia e rede sociais, ganhou conhecimento do público

O episódio aconteceu dentro do metrô, na capital paulista, durante a epidemia de Covid-19. A acusada relatou que estava sentada quando sentiu o cabelo de alguém encostando em si e, então, pediu para a pessoa se afastar, já que o cabelo poderia transmitir o vírus da Covid-19.

Ela, que é estrangeira, disse que não viu que a outra passageira era uma mulher negra, e afirmou que foi mal interpretada.

A vítima, por sua vez, alegou que se sentou perto da acusada — costas com costas — e que, pouco tempo depois, a mulher pediu para que se afastasse pois o cabelo dela poderia “passar doença”.

Segundo a decisão, os depoimentos colhidos em juízo não demonstraram, de forma segura e livre de dúvidas, a presença do dolo de ofender na conduta imputada à ré.

A juíza afirma que os relatos colhidos são reflexo de interpretações pessoais e que não autorizam, por si próprios, a imputação de crime de injúria racial, sendo necessária a comprovação do dolo específico na conduta da ré.

Ainda no entendimento da magistrada, em um contexto normalizado, a expressão utilizada pela acusada poderia assumir conotação pejorativa, indicando que o cabelo da vítima, em razão de suas características afrodescendentes, pudesse transmitir-lhe alguma moléstia, “em nítido caráter depreciativo e discriminatório”, mas a situação aconteceu no auge da pandemia, havendo ainda legítima preocupação sobre a transmissibilidade da doença que assolava o país e o mundo.

“Nesse sentido, não há como dissociar a frase dita pela acusada do contexto no qual os fatos aconteceram, de modo que essa análise não deve se limitar, tão somente, à interpretação dos fatos como percebida pela vítima, sobre a fala da ofendida e o sentimento por ela experimentado”, afirma a juíza.

Ainda foi pontuado o fato de que repercussão de um episódio e o clamor social, como foi o caso, não podem compelir o Estado-Juiz a decidir da maneira como espera a opinião pública, que não teve contato direto com as provas produzidas em âmbito processual.

Dessa forma, o caso foi julgado improcedente e a ré, absolvida da acusação. A acusada foi assessorada pelo advogado Rafael Leite Mentoni Pacheco.

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