Depoimentos não necessariamente servem como provas de crime de racismo
25 de abril de 2024, 10h31
Depoimentos por si só, não acompanhados de provas, podem não ser suficientes para comprovar o cometimento de um crime. Com esse entendimento, a juíza Cynthia Maria Sabino Bezerra Camurri, da 8ª Vara Criminal do estado de São Paulo (SP), decidiu absolver, por falta de provas, uma mulher acusada pelo crime de injúria racial.
O episódio aconteceu dentro do metrô, na capital paulista, durante a epidemia de Covid-19. A acusada relatou que estava sentada quando sentiu o cabelo de alguém encostando em si e, então, pediu para a pessoa se afastar, já que o cabelo poderia transmitir o vírus da Covid-19.
Ela, que é estrangeira, disse que não viu que a outra passageira era uma mulher negra, e afirmou que foi mal interpretada.
A vítima, por sua vez, alegou que se sentou perto da acusada — costas com costas — e que, pouco tempo depois, a mulher pediu para que se afastasse pois o cabelo dela poderia “passar doença”.
Segundo a decisão, os depoimentos colhidos em juízo não demonstraram, de forma segura e livre de dúvidas, a presença do dolo de ofender na conduta imputada à ré.
A juíza afirma que os relatos colhidos são reflexo de interpretações pessoais e que não autorizam, por si próprios, a imputação de crime de injúria racial, sendo necessária a comprovação do dolo específico na conduta da ré.
Ainda no entendimento da magistrada, em um contexto normalizado, a expressão utilizada pela acusada poderia assumir conotação pejorativa, indicando que o cabelo da vítima, em razão de suas características afrodescendentes, pudesse transmitir-lhe alguma moléstia, “em nítido caráter depreciativo e discriminatório”, mas a situação aconteceu no auge da pandemia, havendo ainda legítima preocupação sobre a transmissibilidade da doença que assolava o país e o mundo.
“Nesse sentido, não há como dissociar a frase dita pela acusada do contexto no qual os fatos aconteceram, de modo que essa análise não deve se limitar, tão somente, à interpretação dos fatos como percebida pela vítima, sobre a fala da ofendida e o sentimento por ela experimentado”, afirma a juíza.
Ainda foi pontuado o fato de que repercussão de um episódio e o clamor social, como foi o caso, não podem compelir o Estado-Juiz a decidir da maneira como espera a opinião pública, que não teve contato direto com as provas produzidas em âmbito processual.
Dessa forma, o caso foi julgado improcedente e a ré, absolvida da acusação. A acusada foi assessorada pelo advogado Rafael Leite Mentoni Pacheco.
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