Opinião

250 anos do Boston Tea Party

Autor

  • Phelippe Toledo Pires de Oliveira

    é procurador da Fazenda Nacional mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do Ibmec-Brasília tendo sido pesquisador visitante em Berkeley Londres e Viena.

15 de dezembro de 2023, 15h15

Hoje comemora-se os 250 anos do Boston Tea Party, revolta em 16 de dezembro de 1773, na cidade de Boston, na então colônia britânica de Massachusetts. Naquela data, um grupo de colonos americanos jogou um carregamento de chá nas águas do porto de Boston como uma forma de protesto contra a tributação do chá.

O incidente é considerado como um evento-chave na revolução americana, que resultou na independência política das 13 colônias norte-americanas e formação dos Estados Unidos da América. Mas o que muitos não sabem é que o que deu ensejo à revolta não foi o aumento da tributação sobre o chá, mas sim a sua redução.

Com muitas dívidas contraídas para financiar a Guerra dos 7 anos entre o Reino Unido e a França pelo domínio de territórios na América do Norte (1756-1763), o governo britânico editou em 1767 alguns atos, conhecidos como Townshend Acts, impondo uma série de tributos incluindo tarifas alfandegárias sobre o chá e outros produtos.

Reprodução

A medida gerou resistência e boicote por parte dos colonos americanos. Os colonos defendiam que não estavam sujeitos a tributos instituídos pelo parlamento britânico não eleito por eles. O governo britânico, por sua vez, não queria renunciar à tributação, pois isso poderia ser visto como um reconhecimento de que Reino Unido não teria direito de taxar suas colônias.

O boicote resultou na queda drástica das vendas da Companhia das Índias Orientais, que detinha o monopólio sobre a venda do chá na época. Isso fez com que a companhia ficasse em situação financeira bastante delicada, com enormes dívidas e um gigantesco estoque de chá parado em seus armazéns em Londres.

Para tentar soerguer a Companhia da Índias Orientais — que estava no centro das finanças do país – o governo britânico buscou incentivar suas vendas e o mercado norte-americano era essencial para tanto. O problema era que, por conta dos elevados tributos cobrados sobre o chá, boa parte do produto consumido na colônias norte-americanas era contrabandeado [1].

Para tornar o chá vendido pela Companhia das Índias Orientais mais competitivo, o governo britânico, então, reduziu a tarifa alfandegária cobrada sobre o produto proveniente da Índia, que era posteriormente exportado para as colônias. Isso fez com que o chá voltasse a ser importado pelas colônias americanas em maior quantidade.

Mas, naturalmente, essa mudança desagradou poderosos importadores e comerciantes, que ganhavam muito dinheiro com o contrabando de chá destinado às colônias. Entre eles, John Hancock, um dos mais ricos comerciantes da região de Boston e, anos depois, um dos subscritores da declaração de independência das treze colônias que formaram os EUA.

A ideia do governo britânico era minar o interesse comercial desse grupo de comerciantes e, consequentemente, sua influência política. Mas o tiro saiu pela culatra. Acabou por incentivá-los a defender a causa patriota, insuflando a revolta dos colonos norte-americanos contra o governo britânico.

Em meio a esse contexto, um grupo de colonos disfarçados de índios se misturaram aos trabalhadores portuários em Boston e jogaram todo o carregamento de chá (45 toneladas), que estavam em navios da Companhia das Índias Orientais, ao mar.  O ato foi organizado pelos filhos da Liberdade (“Sons of Liberty“), grupo político com o objetivo de lutar em defesa das colônias [2].

O movimento político fiscal conservador do “Tea Party”, criado em 2009 nos EUA, que tem como um de seus motes a redução da tributação, teve o nome inspirado na revolta do Boston Tea Party que, ironicamente, foi um protesto organizado por um grupo pró-independência contra a redução da tributação sobre o chá.

Evidentemente, a revolta do Boston Tea Party foi muito mais do que um protesto contra a tributação. Envolvia a questão da soberania das colônias norte-americanas. Mas o relato acima demonstra como poderosos grupos, como o dos comerciantes de chá contrabandeado à época, são engenhosos em aproveitar o contexto político para defender seus interesses [3].

Que os 250 anos do Boston Tea Party sirva para que nós, contribuintes, fiquemos atentos a isso.

 

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[[1]Nesse sentido, conferir: Boston Tea Party 250th Anniversary: What Really Happened (taxfoundation.org).

[[2]] Sobre os filhos da liberdade, conferir: Sons of Liberty | History, Facts, & Significance | Britannica.

[[3]Esse e outros relatos curiosos sobre tributação podem ser encontrados em: KENN Michael; SLEMROD, Joel. Rebellions, Rascals and Revenue: tax follies and wisdom through the ages, Princeton University Press, 2021.

Autores

  • é procurador da Fazenda Nacional, mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne, mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do IBMEC-Brasília, tendo sido pesquisador visitante em Berkeley, Londres e Viena.

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