Opinião

Novo olhar do Judiciário para as fraudes financeiras

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12 de dezembro de 2023, 17h26

A digitalização de bancos e o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas no setor financeiro transformaram o relacionamento das instituições com seus clientes. Além disso, potencializaram o desenvolvimento da bancarização da população brasileira, permitindo que cada vez mais pessoas se utilizem do sistema financeiro.

Por outro lado, o surgimento de novas tecnologias expõe as instituições financeiras a novos riscos, especialmente às fraudes e às tentativas de golpes de terceiros mal-intencionados — muito comuns atualmente e que já atingiram um terço dos brasileiros —, de acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgados em abril de 2023.

O crescimento dos golpes tem gerado o aumento de litígios levados ao Poder Judiciário pelos consumidores usuários de serviços financeiros, para apuração das responsabilidades por eventuais danos sofridos em razão das fraudes.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se consolidou na última década, em razão da própria atividade desempenhada pelas instituições financeiras e dos riscos a elas inerentes, que respondem pelos danos sofridos por seus clientes em decorrência de fraudes, sempre que decorrerem de falha na prestação de serviços por “fortuito interno”.

Em 2011, o STJ editou a Súmula nº 479, reconhecendo que “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

A edição de referida Súmula teve como pano de fundo situações comuns até então, relacionadas a fraudes cometidas em decorrência de, por exemplo: a abertura de conta corrente em nome de terceiro sem sua ciência; fornecimento de talão de cheques ao fraudador, mediante a apresentação de documentos originais e/ou assinaturas similares; bem como a ocorrência de saques indevidos.

No entanto, o avanço tecnológico da última década transformou a forma e os tipos de golpes aplicados, os quais deixaram de ser exclusivamente atrelados à conduta das instituições financeiras.

O aumento de práticas de phishing — técnica muito comum para coletar informações pessoais por meio de canais que aparentam ser confiáveis, como e-mail, SMS e links de acesso — bem como a instalação de aplicativos desconhecidos pelos consumidores usuários de algum serviço financeiro, demonstram que, diferentemente do que dispõe a Súmula 479/STJ, as fraudes financeiras não podem ser sempre atreladas a uma falha na prestação de serviço, já que, em sua maioria, ocorrem externamente à atividade das instituições financeiras.

Dados divulgados pela Febraban em abril de 2023 revelam que aproximadamente seis em cada dez brasileiros afirmam já ter recebido algum material de comunicação de seu banco ou de outra entidade alertando contra os golpes financeiros mais comuns.

Pesquisas como essa evidenciam que há ampla divulgação por autoridades e instituições financeiras, no que se refere às condutas mínimas de cautela dos clientes para minimizar fraudes. Ou seja, ainda que as instituições financeiras invistam na segurança de seus serviços, também há uma preocupação em conscientizar e educar os usuários, cabendo a esses se atentarem à sua própria conduta de cautela.

Embora a jurisprudência de nossos tribunais ainda se mantenha fiel à aplicação da mencionada Súmula 479/STJ, já é possível notar um movimento importante dos tribunais no sentido de relativizar a aplicação de referida Súmula, levando-se em conta justamente a própria conduta da vítima.

Nos últimos dois anos, aproximadamente 16% dos julgados do Superior Tribunal de Justiça relacionados a fraudes financeiras afastaram a aplicação da Súmula 479/STJ, reconhecendo que a fraude se deu de forma externa às atividades das instituições financeiras.

Especificamente, o Tribunal de Justiça de São Paulo — considerado o maior tribunal do mundo em volume de processos — afastou a responsabilidade das instituições financeiras em aproximadamente 65% dos casos, no último ano, envolvendo os mais variados tipos de fraude (phishing, o conhecido “golpe do motoboy”, emissão de boleto bancário fraudulento e contratação de empréstimo consignado em cartão de crédito).

É justamente a partir desse cenário que se vislumbra a relativização de nossos tribunais pela aplicação da Súmula 479/STJ, reconhecendo-se que a própria vítima agiu sem a devida cautela e possibilitou a realização do golpe financeiro. Assim, o golpe se deu não por falha na prestação do serviço da instituição financeira, mas por fatores externos às suas atividades.

Esse movimento da jurisprudência em relativizar a aplicação da Súmula 479/STJ reflete a sensibilidade do Judiciário frente à sofisticação dos golpes diante da evolução das fraudes nos ambientes digitais, que se tornaram cada vez mais frequentes. Reafirmando, dessa forma, um dos princípios norteadores das relações de consumo previstos no Código de Defesa do Consumidor, que é a busca pela equidade na distribuição das obrigações e responsabilidades dos fornecedores e dos próprios consumidores.

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