O uso de máscaras nas empresas: obrigação ou flexibilização?
31 de março de 2022, 11h37
Recentemente, a Prefeitura de São Paulo comunicou que o uso de máscaras de proteção facial deixou de ser obrigatório em espaços fechados no município, exceto no transporte público e serviços de prestação de saúde[3].
O Decreto Municipal 61.149, de 17 de março de 2022[4], seguiu as diretrizes do governo estadual que, no mesmo sentido, oficializou a mudança através do Decreto nº 66.575, de 17 de março de 2022[5].
De acordo com o governador de São Paulo, a decisão de desobrigação da máscara foi feita com base em dados científicos, pois cerca de 99,25% da população elegível já estaria imunizada ao menos com a primeira dose da vacina[6].
No mesmo sentido, a cidade do Rio de Janeiro também decretou o fim da compulsoriedade da utilização em locais fechados, diante da recomendação do comitê científico da prefeitura[7].
Contudo, após a liberação do uso das máscaras em locais fechados na cidade do Rio de Janeiro, fora atestado que mais de 40% da população considerada vacinável está sem a dose de reforço.[8]
Noutro giro, um levantamento asseverou que 17 Estados e o Distrito Federal já flexibilizaram o uso de máscaras em espaços abertos e fechados[9].
Dito isso, considerando-se a flexibilização de alguns Estados no que tange ao uso de máscaras em locais fechados, fica a pergunta: pode o empregador exigir o uso de máscaras no ambiente de trabalho?
O assunto é controvertido e, claro, bastante polêmico.
Com efeito, tempos atrás, foi veiculada uma notícia na qual a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos teria que pagar mais de um milhão à família de um carteiro que faleceu por causa da Covid-19, tendo em vista a exposição de alto risco de contágio da doença[10].
Frise-se, por oportuno, que os próprios Órgãos do Poder Judiciário possuem entendimentos institucionais quanto à exigência do uso máscaras. Nesse diapasão, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve as medidas preventivas e continua a exigir o uso de máscaras faciais[11], situação idêntica adotada também pelo Superior Tribunal de Justiça[12].
Do ponto de vista normativo brasileiro, a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020[13], que foi modificada pela Lei nº 14.019, de 02 de julho de 2020[14], preceitua, em seu artigo 3º, III-A, a respeito do uso obrigatório de máscaras para o enfrentamento do estado de emergência pública.
No mesmo sentido, a Portaria Conjunta nº 20, de 18 de junho 2020[15], e a Portaria Interministerial MPT/MS nº 14, de 20 de janeiro de 2022[16], que continuam ainda vigentes, estabelecem as medidas preventivas, dentre elas, o uso da máscara durante o trabalho.
Bem por isso, considerando que não houve expressa revogação, por ora, das respectivas portarias pelo Governo Federal, poder-se-ia entender que o uso do acessório permanece obrigatório, até ulterior deliberação.
Indubitavelmente, o empregador detém o poder diretivo hierárquico (CLT, artigo 2º), de modo a estabelecer as diretrizes a serem seguidas pelos empregados, passíveis de punição em caso de descumprimento.
Se, por um lado, certas as autoridades locais (municipais e/ou estaduais) flexibilizaram do uso de máscaras em ambientes fechados, de outro norte isso não representa dizer, na prática, que as empresas não devem mais continuar a zelar pela saúde e segurança dos seus empregados.
Aliás, impende destacar que essa flexibilização para o uso de equipamento proteção individual não implica reconhecer, automaticamente, que a empresa está proibida de exigi-la perante os seus trabalhadores.
Afinal, o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 dispõe que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Portanto, as empresas por meio de políticas internas podem continuar a exigir o uso de máscaras, visando proteger o interesse da coletividade a fim de garantir um meio ambiente laboral seguro.
Oportunos são os ensinamentos de Gabriela Amorim Paviani[17]:
"O direito ao meio ambiente é fruto das modificações sociais, o qual adquiriu relevância no Brasil a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938), em 1981, e passou a ser constitucionalizado com o advento da Constituição de 1988. (…)
De tal modo, por mais que a Covid-19 tenha acarretado diversas alterações do cotidiano, flexibilizar o direito a um meio ambiente laboral salutar torna-se uma infração a garantias constitucionais ao ser humano, uma ameaça à saúde dos indivíduos."
Entrementes, já houve comprovação em alguns estudos científicos acerca da eficácia e da importância das máscaras faciais para evitar a propagação do vírus e combater a Covid-19[18]. Um desses estudos comprovou que o uso de máscaras reduziu a incidência de infecções em 53%, revelando-se o método não-farmacêutico mais eficaz à enfermidade[19].
Dessa maneira, em que pese a flexibilização pelas autoridades locais a respeito do uso de máscaras, o empregador, em conformidade com as suas diretrizes internas, poderá continuar a exigi-la, em caráter obrigatório.
Destarte, neste atual momento em que vivemos, com a pandemia ainda não 100% controlada, é necessário ter cautela, pois, como visto, a empresa deve adotar as medidas para garantir um ecossistema laboral seguro para os seus trabalhadores.
Em arremate, não se pode perder de vista que o ambiente de trabalho salubre é um direito fundamental garantido a todo ser humano e, por isso, se a empresa não cumprir com as normas de saúde e segurança poderá vir a ser responsabilizada judicialmente.
[3] Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-03/uso-de-mascara-deixa-de-ser-exigido-em-locais-fechados-de-sao-paulo. Acesso em 29.03.2022.
[4] Disponível em https://www.capital.sp.gov.br/noticia/uso-de-mascaras-segue-obrigatorio-nas-unidades-de-saude-e-transportes-de-uso-publico. Acesso em 29.03.2022.
[5]Disponível em http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_v6/index.asp?c=31669&e=20220317&p=1. Acesso em 29.03.2022.
[6] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/dados-cientificos-embasaram-decisao-pela-desobrigacao-da-mascara-em-sp-diz-doria/. Acesso em 29.03.2022
[7] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/cidade-do-rio-de-janeiro-retira-obrigatoriedade-de-mascaras-em-locais-fechados/. Acesso em 29.03.2022.
[8] Disponível em https://vejario.abril.com.br/cidade/mascara-dose-reforco-covid/. Acesso em 29.03.2022
[9] Disponível em https://www.poder360.com.br/coronavirus/17-estados-e-brasilia-flexibilizaram-o-uso-de-mascaras/. Acesso em 29.03.2022.
[10] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/empresa-publica-tera-que-pagar-mais-de-r-1-milhao-a-familia-de-carteiro-que-morreu-em-decorrencia-da-covid-19. Acesso em 29.03.2022.
[11] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/exigencia-de-mascaras-e-mantida-nas-unidades-da-2a-regiao. Acesso em 29.03.2022.
[13] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979compilado.htm. Acesso em 29.03.2022.
[14]Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14019.htm#art2. Acesso em 29.03.2022.
[15] Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-conjunta-n-20-de-18-de-junho-de-2020-262408085. Acesso em 29.03.2022
[16][16] Disponível em Portaria Interministerial MPT/MS nº 14, de 20 de janeiro de 2022. Acesso em 29.03.2022.
[17] Meio ambiente de trabalho em tempos de pandemia / organizadores Guilherme Guimarães Feliciano, Raimundo Simão de Melo. – Campinas, SP: Lacier Editora, 2021. Página 131/132.
[18] Disponível em https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/08/19/eficacia-das-mascaras-contra-a-covid-19-e-comprovada-pela-ciencia-veja-o-que-dizem-quatro-estudos.ghtml. Acesso em 29.03.2022
[19] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/uso-de-mascaras-reduz-incidencia-da-covid-19-em-53-diz-estudo/. Acesso em 29.03.2022.
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