Prática trabalhista

O uso de máscaras nas empresas: obrigação ou flexibilização?

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

31 de março de 2022, 11h37

Recentemente, a Prefeitura de São Paulo comunicou que o uso de máscaras de proteção facial deixou de ser obrigatório em espaços fechados no município, exceto no transporte público e serviços de prestação de saúde[3].

O Decreto Municipal 61.149, de 17 de março de 2022[4], seguiu as diretrizes do governo estadual que, no mesmo sentido, oficializou a mudança através do Decreto nº 66.575, de 17 de março de 2022[5].

De acordo com o governador de São Paulo, a decisão de desobrigação da máscara foi feita com base em dados científicos, pois cerca de 99,25% da população elegível já estaria imunizada ao menos com a primeira dose da vacina[6].

No mesmo sentido, a cidade do Rio de Janeiro também decretou o fim da compulsoriedade da utilização em locais fechados, diante da recomendação do comitê científico da prefeitura[7].

Contudo, após a liberação do uso das máscaras em locais fechados na cidade do Rio de Janeiro, fora atestado que mais de 40% da população considerada vacinável está sem a dose de reforço.[8]

Spacca
Noutro giro, um levantamento asseverou que 17 Estados e o Distrito Federal já flexibilizaram o uso de máscaras em espaços abertos e fechados[9].

Dito isso, considerando-se a flexibilização de alguns Estados no que tange ao uso de máscaras em locais fechados, fica a pergunta: pode o empregador exigir o uso de máscaras no ambiente de trabalho?

O assunto é controvertido e, claro, bastante polêmico.

Com efeito, tempos atrás, foi veiculada uma notícia na qual a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos teria que pagar mais de um milhão à família de um carteiro que faleceu por causa da Covid-19, tendo em vista a exposição de alto risco de contágio da doença[10].

Frise-se, por oportuno, que os próprios Órgãos do Poder Judiciário possuem entendimentos institucionais quanto à exigência do uso máscaras. Nesse diapasão, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve as medidas preventivas e continua a exigir o uso de máscaras faciais[11], situação idêntica adotada também pelo Superior Tribunal de Justiça[12].

Do ponto de vista normativo brasileiro, a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020[13], que foi modificada pela Lei nº 14.019, de 02 de julho de 2020[14], preceitua, em seu artigo 3º, III-A, a respeito do uso obrigatório de máscaras para o enfrentamento do estado de emergência pública.

No mesmo sentido, a Portaria Conjunta nº 20, de 18 de junho 2020[15], e a Portaria Interministerial MPT/MS nº 14, de 20 de janeiro de 2022[16], que continuam ainda vigentes, estabelecem as medidas preventivas, dentre elas, o uso da máscara durante o trabalho.

Bem por isso, considerando que não houve expressa revogação, por ora, das respectivas portarias pelo Governo Federal, poder-se-ia entender que o uso do acessório permanece obrigatório, até ulterior deliberação.

Indubitavelmente, o empregador detém o poder diretivo hierárquico (CLT, artigo 2º), de modo a estabelecer as diretrizes a serem seguidas pelos empregados, passíveis de punição em caso de descumprimento.

Se, por um lado, certas as autoridades locais (municipais e/ou estaduais) flexibilizaram do uso de máscaras em ambientes fechados, de outro norte isso não representa dizer, na prática, que as empresas não devem mais continuar a zelar pela saúde e segurança dos seus empregados.

Aliás, impende destacar que essa flexibilização para o uso de equipamento proteção individual não implica reconhecer, automaticamente, que a empresa está proibida de exigi-la perante os seus trabalhadores.

Afinal, o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 dispõe que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Portanto, as empresas por meio de políticas internas podem continuar a exigir o uso de máscaras, visando proteger o interesse da coletividade a fim de garantir um meio ambiente laboral seguro.

Oportunos são os ensinamentos de Gabriela Amorim Paviani[17]:

"O direito ao meio ambiente é fruto das modificações sociais, o qual adquiriu relevância no Brasil a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938), em 1981, e passou a ser constitucionalizado com o advento da Constituição de 1988. (…)

De tal modo, por mais que a Covid-19 tenha acarretado diversas alterações do cotidiano, flexibilizar o direito a um meio ambiente laboral salutar torna-se uma infração a garantias constitucionais ao ser humano, uma ameaça à saúde dos indivíduos."

Entrementes, já houve comprovação em alguns estudos científicos acerca da eficácia e da importância das máscaras faciais para evitar a propagação do vírus e combater a Covid-19[18]. Um desses estudos comprovou que o uso de máscaras reduziu a incidência de infecções em 53%, revelando-se o método não-farmacêutico mais eficaz à enfermidade[19].

Dessa maneira, em que pese a flexibilização pelas autoridades locais a respeito do uso de máscaras, o empregador, em conformidade com as suas diretrizes internas, poderá continuar a exigi-la, em caráter obrigatório.

Destarte, neste atual momento em que vivemos, com a pandemia ainda não 100% controlada, é necessário ter cautela, pois, como visto, a empresa deve adotar as medidas para garantir um ecossistema laboral seguro para os seus trabalhadores.

Em arremate, não se pode perder de vista que o ambiente de trabalho salubre é um direito fundamental garantido a todo ser humano e, por isso, se a empresa não cumprir com as normas de saúde e segurança poderá vir a ser responsabilizada judicialmente.


[12] Disponível aqui. Acesso em 29.03.2022.

[16][16] Disponível em Portaria Interministerial MPT/MS nº 14, de 20 de janeiro de 2022. Acesso em 29.03.2022.

[17] Meio ambiente de trabalho em tempos de pandemia / organizadores Guilherme Guimarães Feliciano, Raimundo Simão de Melo. – Campinas, SP: Lacier Editora, 2021. Página 131/132.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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