Volta dos processos penais ao Plenário reforça viés punitivista e midiático do STF
7 de outubro de 2020, 19h26
Por sugestão do presidente do STF, ministro Luiz Fux, as ações penais ajuizadas contra réus com prerrogativa de foro voltarão a ser julgadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. A decisão foi aceita com ressalvas, mas por unanimidade, na sessão administrativa desta quarta-feira (7/10).
A mudança é apontada por muitos como uma vitória da ala "lavajatista" e midiática da Corte Suprema. A ConJur consultou especialistas sobre o tema e, apesar de reforçar o caráter punitivista da STF em matéria penal, a mudança também irá uniformizar os entendimentos.
Guilherme Batochio é um dos críticos da alteração. "A estabilidade dos ritos é determinante da segurança e da legalidade dos procedimentos prescritos para as persecuções penais. Não podem e não devem oscilar segundo convicções pessoais ou conveniências do momento", afirma.
Outro crítico é o criminalista Aberto Toron. "Vale [a mudança] para todos os casos que ainda não foram julgados. Regra processual aplica-se imediatamente. Penso que os julgamentos nas Turmas eram melhores, pois havia a possibilidade de embargos infringentes para o Plenário. Acho um retrocesso", argumenta.
O jurista Lenio Streck, por sua vez, diz acreditar que a mudança pode acelerar a tramitação de processos. "A emenda ao Regimento Interno entra em vigor e atinge os processos em curso. Se é bom? A celeridade será atingida. Mas aumenta a gabaria dos réus com foro especial", comenta.
O advogado Cristiano Zanin disse que a mudança regimental vai alcançar exclusivamente atos de persecução penal relacionados a pessoas com prerrogativa de foto por função. Segundo ele, qualquer alteração além disso para ações penais em curso contra pessoas com prerrogativa de função pode ser alvo de questionamento.
"A despeito da regra prevista no artigo 2º do Código de Processo Penal, que prevê a incidência imediata das regras processuais penais (tempus regit actum), a mudança regimental que restabelece a competência do Plenário comporta discussão sob a perspectiva do devido processo legal em sentido substancial e sob a perspectiva da segurança jurídica", explica.
Ainda argumenta que o colegiado do STF julgou em junho deste ano a ADI 5.175 exatamente sobre esse tema e reafirmou a competência das Turmas para a realização desses mesmos julgamentos.
O criminalista Luís Henrique Machado lembra que "alterar a competência dos processos penais em curso é colocar a segurança jurídica em segundo plano". Ele acredita que a ampliação do juiz natural da causa, para o Plenário, sem qualquer justificativa plausível, soa infelizmente como "mudança de ocasião".
Fláflu e loteria
O retorno dos processos de natureza penal ao Plenário do STF deve criar uma jurisprudência mais uniforme. Esse é um dos possíveis desdobramentos apontados pelo advogado Luiz Guilherme Vieira. "Agora, o mais importante é saber se, com a pretendida reforma, o "fláflu" jurisdicional, que a ninguém aproveita, encontrará bom termo", explica.
O defensor lembra que o STF nasceu para ser contramajoritário. "As vozes das ruas têm de ser ouvidas pelo Legislativo e Executivo. Isso não é bom ou ruim. É diz a Constituição. Cumpra-se", defende.
Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, enxerga a mudança como um movimento positivo. "A alteração irá unificar o entendimento sobre questões relevantes e eliminar o já famoso 'fator lotérico', que acompanhava a distribuição dos casos", argumenta.
Quem também destaca o fim do "fator lotérico" nos julgamentos é Guilherme Amorim Campos da Silva, sócio de Rubens Naves Santos Jr. Advogados e professor do programa de mestrado em Direito da Uninove, a leitura de que a mudança deve ser encarada como uma vitória da "lava jato" no STF é falaciosa. "A alteração do Regimento em 2014 foi algo absolutamente casuístico e que somente trouxe perdas à funcionalidade dos julgamentos e à segurança jurídica dos entendimentos ao STF", sustenta.
Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, tem leitura distinta. "O Supremo é majoritariamente punitivista, e enfrenta uma questão grave: a justiça lotérica. Se cair na primeira turma será um julgamento muito duro, punitivo e se o processo for para a segunda turma, o julgamento será julgado com uma visão mais garantista", explica.
O criminalista chama atenção também para o fator das sessões do Plenário serem transmitidas pela TV Justiça. Algo que, em sua visão, fomenta a "a espetacularização do Direito" e um punitivismo na veia. "Existe uma hipótese clara do Fachin de manter a "lava jato" sob um viés punitivista. Enquanto ele, relator da "lava jato", tinha a maioria punitivista na turma, não propôs esta mudança. Perde o Supremo e o Judiciário com esta proposta desta forma, neste momento", afirma.
Por fim, o advogado Bruno Salles, sócio do Cavalcanti Sion Salles Advogados, lembra que a mudança, entretanto, não afeta o processo do ex-presidente Lula, por exemplo. O mesmo não vai ocorrer nos processos que envolvem o senador Flávio Bolsonaro. "Dessa forma, o ministro Fux atrai para si o poder de pautas que envolvam os Bolsonaros", resume.
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