Relatos do Cárcere

Em Sorocaba, presos que podem ter Covid dividem cela com não infectados

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1 de julho de 2020, 20h00

Idosos que não contraíram Covid-19 e pessoas infectadas pelo novo coronavírus estão dividindo celas na Penitenciária Masculina de Sorocaba II. É o que mostra um relatório preliminar feito pelo Núcleo Especializado em Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo enviado à ConJur. A vistoria foi feita pelos defensores Mateus Oliveira Moro, Leonardo Biagioni de Lima e Thiago de Luna Cury no dia 22 de junho.

Defensoria Pública de São Paulo
Penitenciária Masculina de Sorocaba II
Defensoria Pública de São Paulo

A escolha do presídio de Sorocaba se deu pelo fato de ele contar com o maior número de presos que fizeram testes para Covid-19 e cujos resultados foram positivos — o que significa que têm ou tiveram Covid-19. Isso porque a chamada "testagem rápida" verifica a resposta imunológica do corpo em relação ao vírus. Caso a pessoa esteja com Covid-19 no momento do teste ou já tenha tido a doença antes dele, os anticorpos que aparecem na testagem (veja mais informações abaixo). 

Em todos os presídios do estado de São Paulo, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 1.019 presos estão infectados, sendo que 719 deles (70,55%) estão em Sorocaba II.

O número é expressivo mas não reflete a realidade do sistema carcerário, já que as testagens em massa foram feitas pela Secretaria da Administração Penitenciária apenas no presídio de Sorocaba. Assim, os demais presídios podem ter uma quantidade maior de infectados do que indicam os números oficiais.

Segundo o relatório da Defensoria, "chama a atenção a quantidade de pessoas idosas presas". Na cela 12 da Ala de Progressão, por exemplo, nove idosos eram mantidos com outros três que fizeram teste rápido e cujos resultados foram positivos. Pessoas com mais de 60 anos fazem parte do grupo de risco, ficando sujeitas a uma maior chance de complicações caso infectadas. Na cela, há pessoas com hipertensão, bronquite, asma, entre outras comorbidades.

O mesmo itinerário é visto em celas com pessoas abaixo dos 60 anos. Na cela 6 da Ala de Progressão, que abriga 33 pessoas —  embora tenha capacidade para 12 — , 14 presos estão contaminados pelo novo coronavírus. 

Os setores de "castigo" e "seguro" estavam sendo utilizados no dia da vistoria para manter em quarentena presos que precisaram, por qualquer motivo, sair da unidade temporariamente. Acontece que essas celas são totalmente fechadas, sem ventilação ou qualquer iluminação natural ou artificial, já que não há janelas.

Segundo Thiago de Luna Cury, que participou da vistoria, a diretoria da penitenciária passou a isolar presos com diagnóstico positivo somente quando a Defensoria chegou à Unidade.

"Esse isolamento de parte da cadeia foi feito quando a gente estava lá. Foram separando quem 'estava positivo' e quem 'deu negativo' no exame. Passou um fim de semana com todo mundo misturado [desde que ocorreu a testagem em massa no presídio, entre 15 e 19 de junho]", afirmou à ConJur. Como foram feitos testes rápidos, que ficam prontos em cerca de 20 minutos, a unidade já sabia durante todo o fim de semana que estava mantendo infectados junto com pessoas não infectadas. 

A resposta dada pela diretoria do presídio, conta, foi que se aguardava um posicionamento da Vigilância Sanitária para saber qual procedimento deveria ser adotado em relação aos presos contaminados.

A Unidade prisional já registrou quatro mortes em decorrência da Covid-19. Há também 16 casos não confirmados, em que os presos morreram de Síndrome Respiratória Aguda Grave. O presídio também foi o primeiro no estado a ter uma morte confirmada. Além dos presos, 21 agentes prisionais foram diagnosticados; entre eles, o diretor-geral da penitenciária.

Superlotação
A unidade sorocabana está superlotada. Embora tenha capacidade para 933 pessoa (755 no regime fechado e 178 na ala de progressão), conta com 2.082 presos (1.741 no regime fechado e 341 na ala de progressão). Sendo assim, a taxa de ocupação chega a 222,5%. 

Isso, somado aos espaços sem ventilação e às péssimas condições sanitárias, acaba tornando ainda mais fácil o avanço da doença no presídio. Um estudo do Depen, por exemplo, mostrou que a falta de condições básicas de alimentação, higiene, assim como a baixa testagem, está impulsionando o número de casos de coronavírus na prisão. Para além disso, aponta o levantamento, a letalidade nas unidades prisionais já é cinco vezes maior quando comparada com a população que se encontra livre. 

Ração de água
Os presos contaram aos defensores que recebem da unidade uma solução com água e sabão e outra com cloro para higiene uma vez por semana. Relataram, entretanto, que quase não há sabão na mistura. 

"Há um racionamento de água severo na unidade. A direção diz que a liberação de água dura duas horas e meia. Os presos falam de 50 minutos ou 30 minutos, mas não passa de 50 minutos de fornecimento de água", diz Cury. 

Essa é justamente uma das principais queixas das pessoas presas, que relataram ser possível manter seis baldes, 30 garrafas e sete galões de água por cela. O fornecimento, segundo eles, não é o suficiente. 

Teste RT-PCR
À ConJur, a Secretaria de Administração Penitenciária, responsável pelos testes, afirmou que há apenas 38 casos confirmados de coronavírus na Penitenciária Masculina de Sorocaba II. Mais cedo, nesta quarta-feira (1º/7), em entrevista ao telejornal SPTV, o secretário estadual da Administração Penitenciária, Nivaldo Cesar Restivo, deu um número diferente: 79 contaminados. 

De acordo com a nota da SAP enviada à ConJur, chegou-se ao número de 719 casos depois que foi feita uma testagem rápida, método que não seria o meio adequado. "Os mais de mais de 700 referem-se ao resultado positivo para exame sorológico de testagem rápida. Trata-se de exame que identifica a presença de anticorpos no organismo e deve ter validação por outro meio laboratorial, no caso, o exame RT-PCR", afirma a Secretaria.

Ocorre que a testagem RT-PCR indica apenas se a pessoa está ou não infectada no momento em que o teste é feito. Assim, alguém que já se curou acaba dando negativo. O teste rápido, por outro lado, verifica a resposta imunológica do corpo em relação ao vírus, constatando se aquela pessoa tem ou já teve vírus no corpo. Caso ela já tenha contraído, cria anticorpos e são esses anticorpos que aparecem na testagem. 

Segundo o Ministério da Saúde, há falhas no teste rápido, mas não para dar falso positivo, e sim o contrário. A taxa de erro para falso negativo é de 75%. Ou seja, se os testes rápidos indicaram que 719 presos contraíram o novo coronavírus, a possibilidade é que o número seja ainda maior, não menor. 

A SAP também disse que é falsa a afirmação de que presos com resultado negativo foram mantidos junto com pessoas que não tiveram o diagnóstico da Covid-19.

"Todos os casos, o preso com resultado positivo é mantido separado do preso com resultado negativo. Afirmar que pessoas com diagnóstico positivo são custodiadas junto àquelas com resultado negativo, trata-se de afirmação mentirosa, sem compromisso algum com a verdade dos fatos".

Confira a nota na íntegra:

"Prezados,

Os números apresentados exigem uma interpretação técnica, baseada nos conceitos das equipes da área da saúde.

Os mais de mais de 700, referem-se ao resultado positivo para exame sorológico de testagem rápida.

Trata-se de exame que identifica a presença de anticorpos no organismo e deve ter validação por outro meio laboratorial, no caso, o exame RT-PCR, este destinado à identificação da presença do vírus. No caso em questão (Penitenciária II de Sorocaba), do total de resultado positivo na testagem rápida, 38 testaram positivo no exame RT-PCR. Portanto, esse é o número correto de pessoas com diagnóstico para a infecção.

De qualquer maneira, em todos os casos, o preso com resultado positivo é mantido separado do preso com resultado negativo. Afirmar que pessoas com diagnóstico positivo são custodiadas junto àquelas com resultado negativo, trata-se de afirmação mentirosa, sem compromisso algum com a verdade dos fatos.

Os servidores em contato com o paciente devem usar mecanismos de proteção padrão, como máscaras e luvas descartáveis. Se confirmado o diagnóstico, além de continuar seguindo os procedimentos indicados, o preso será mantido em isolamento durante todo o período de tratamento e encaminhados para atendimento hospitalar em caso de agravamento do quadro de saúde.

O programa de Testagem Rápida do Governo do Estado teve início dia 15/6 na Penitenciária II de Sorocaba, que foi a primeira do Estado a registrar mortes pela doença, mas contemplará todos os presídios administrados por esta Pasta. Outras oito já estão programados para passarem pelo mesmo processo, considerando-se a existência de casos confirmados, inclusive entre funcionários.

A SAP realiza uma busca ativa para casos similares à Covid-19 em toda a população prisional, além da aquisição de termômetros infravermelho e de oxímetro digital portátil. Estamos seguindo ainda as determinações do Centro de Contingência do coronavírus e avaliamos permanentemente o direcionamento de ações para o enfrentamento do problema. Medidas de higiene e distanciamento preconizados pelos órgãos de saúde foram aplicadas, foram suspensas as atividades coletivas; realizada a busca ativa para casos similares ao Covid-19; a limpeza das áreas foi intensificada; a entrada de qualquer pessoa alheia ao corpo funcional foi restringida; foi determinada a quarentena para os presos que entram no sistema prisional: realizado o monitoramento dos grupos de risco;  ampliação na distribuição de produtos de higiene, álcool em gel e sabonete; distribuição de EPIs como máscaras, entre outros."

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