Tal pai, tal filha

Substitutivo de PL que altera Lei de Falências reúne equívocos em série

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22 de março de 2024, 17h51

O parecer da relatora do projeto de lei que modifica a Lei de Falências (PL 3/2024), Dani Cunha (União Brasil-RJ), não foi bem recebido por especialistas na matéria ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. As alterações propostas pela deputada foram classificadas por especialistas como irreais e equivocadas, além de romper com regras já consolidadas e beneficiar a falência das empresas em detrimento de sua recuperação.

Parecer da deputada Dani Cunha foi bastante criticado por especialistas

O parecer foi apresentado em Plenário nesta quinta-feira (21/3), e sua exposição foi marcada por uma série de críticas da herdeira política do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha ao regramento atual.

Entre as propostas de Dani Cunha estão centralizar apenas na vara falimentar a execução de créditos trabalhistas apurados pela Justiça do Trabalho, de modo que a Justiça especializada não poderá realizar atos de execução, cobrança, penhora ou arresto de bens. Ela também fez duas críticas à figura do administrador judicial.

“É extremamente importante acelerar os processos de falência, desburocratizar e, acima de tudo, moralizar uma caixa preta desfrutada por uma seleta classe que, logicamente, mais se insurgiu contra o projeto”, afirmou a deputada.

Para Clarissa Somesom Tauk, juíza da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, as alterações propostas destoam por completo da realidade de um processo falimentar.

“No afã de se ganhar adeptos para a figura esdrúxula do gestor fiduciário — que até o momento não se definiu especificamente qual é o seu papel —, vilaniza-se o administrador judicial”, afirmou.

A julgadora lembra que o mercado exige qualificação e capacitação do profissional que escolhe esse ramo de atuação e que a nomeação dos administradores judiciais ocorre de forma imparcial, a partir de uma lista de qualificação colocada pelo Tribunal de Justiça.

“Atingimos um estágio de evolução profissional em que esse seleto grupo de administradores atua somente em benefício do andamento de processos dificílimos e extremamente especializados e o fazem de forma hercúlea — e muitas das vezes trabalhando sem receber, para contar com seus honorários apenas ao final do processo. O parecer sobre PL 03/24 deixa claro que se desconhece por completo a realidade de um sistema de insolvência”.

Opinião parecida tem o advogado Marcelo Barbosa Sacramone. Segundo ele, o substitutivo apresentado cria limitações à meritocracia no desempenho da função do administrador judicial e alterar regras consolidadas pela jurisprudência ao longo de mais de 15 anos.

“Naturalmente a remuneração deve ser de acordo com os parâmetros de mercado para a contratação da equipe necessária para o desempenho desse encargo e, mais, sua escolha deve ocorrer mediante parâmetros de meritocracia, sem que haja limitações em quantidade de nomeações, sob pena de se punir o bom administrador e de prejudicar a própria eficiência exigida”, pondera.

Sacramone — que é autor do livro Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência — defende o atual modelo de nomeação de administradores e sustenta que abusos devem ser controlados pelas corregedorias. “Não se pode pressupor a má-fé como regra para se regular a nomeação”, resume.

Equívocos em série
Leonardo Fernandes do Santos, juiz auxiliar 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, explica que a o substitutivo da relatora parte de premissas equivocadas.

“Primeiro, o substitutivo demonstra desconhecimento sobre a sistemática de remuneração do administrador judicial, já que, ao contrário do afirmado, há um limite expresso na lei a respeito da remuneração total (5% do valor de venda dos bens na falência). Aliás, a afirmação da relatora parece ignorar que boa parte das falências são frustradas, isto é , nada se arrecada e o administrador judicial simplesmente trabalha de graça nesses processos”.

Ele também aponta como outro equívoco gravíssimo a ideia de um mandato para o administrador judicial. “O processo de arrecadação, consolidação do quadro geral de credores, alienação e pagamento possui um tempo inerente ao próprio processo, que deve ser observado, inclusive, como garantia de participação dos credores. Esse tipo de atividade é incompatível com a existência de um mandato. Ademais, a determinação, contida no substitutivo, de que haja a troca dos administradores judicial, inclusive nas falências em curso, é totalmente contraproducente com a alegada eficiência que se pretende com o projeto”.

Por fim, o presidente do Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud), Breno Miranda, critica a tramitação acelerada do PL 3/2024, sem o devido processo de consulta pública e análise crítica por parte de especialistas.

“As mudanças propostas, que parecem favorecer o processo de falência em detrimento da recuperação judicial, podem ter implicações profundas na preservação de empregos e na saúde econômica do Brasil. Além disso, a possibilidade de credores influentes poderem determinar a administração da massa falida e a elaboração de um plano de falência é uma distorção preocupante que ameaça o princípio de equidade”, afirmou.

Ele prega que é imperativo que a integridade do sistema brasileiro de reestruturação empresarial seja mantida classifica como essencial que as mudanças sugeridas sejam submetidas a um debate minucioso e construtivo.

PL 3/2024

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