Revisão da Revisão

Supremo volta atrás em decisão de 2022 e decide contra 'revisão da vida toda'

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21 de março de 2024, 19h33

Os aposentados não podem mais escolher entre usar ou não as contribuições previdenciárias recolhidas antes do Plano Real, de 1994, para calcular os valores de seus benefícios. Esse é o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, que decidiu nesta quinta-feira (21/3) contra a validade da chamada “revisão da vida toda”, voltando atrás no entendimento firmado sobre o tema pela própria corte em 2022.

Segundo maioria dos ministros, aposentados não podem optar se utilizam ou não contribuições feitas antes de 1994

Em dezembro daquele ano, o STF decidiu, por 6 votos a 5, oferecer aos aposentados que se enquadram na regra de transição prevista na Lei 9.876/1999 a possibilidade de usar todas as contribuições, inclusive as anteriores a 1994, caso fosse mais benéfico. Na ocasião, o tribunal analisou, em repercussão geral, o RE 1.276.977.

A decisão desta quinta não foi dada no mesmo RE, mas em duas ações diretas de inconstitucionalidade que tratavam, entre outras coisas, da regra de transição prevista na lei de 1999.

A maioria, puxada pelo posicionamento do ministro Cristiano Zanin, entendeu que os aposentados não podem mais optar entre utilizar ou não as contribuições anteriores ao Plano Real.

Os ministros analisaram dispositivos da Lei 9.876/1999, que reformou a Previdência e criou uma regra de transição. Segundo essa norma, o cálculo para a aposentadoria dos trabalhadores já filiados à Previdência em 1999 só poderia se valer das contribuições feitas a partir de julho de 1994, quando passou a vigorar o Plano Real.

Na decisão desta quinta, ficou estabelecido, por 7 votos a 4, que, para os segurados que contribuíram antes do Plano Real, vale a regra de transição. Ou seja, eles não podem mais escolher o uso das contribuições anteriores a 1994, ao contrário do que foi decidido em 2022.

A regra de transição foi adotada com o objetivo de não prejudicar trabalhadores, levando em conta a inflação elevada antes do Plano Real. O problema é que uma parcela deles acabou sendo prejudicada pela medida.

Além da decisão que mudou o que havia sido decidido no julgamento da “revisão da vida toda”, o tribunal decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 25, III, da Lei 8.213/91, que estabele período de carência para o recebimento do salário-maternidade.

Votos

Sobre a “revisão da vida toda”, venceu o posicionamento levantado por Zanin. Segundo ele, o aposentado que se enquadra na regra de transição não pode optar por usar ou não as contribuições anteriores a 1994.

De acordo com o ministro, a Constituição estabeleceu que o regime de Previdência deve observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e que a norma de 1999 está em consonância com o comando constitucional.

Ainda segundo Zanin, como todos os ministros entenderam pela constitucionalidade da regra de transição, não faz sentido entender que é opcional a adesão ao dispositivo.

Ou seja, a previsão deve ser seguida em sua literalidade, sem que o aposentado possa escolher se usa ou não as contribuições anteriores ao Plano Real.

“Não me parece possível que, com a declaração da constitucionalidade, essa regra de transição possa ser de natureza optativa, e não cogente”, afirmou o ministro.

Ele propôs a seguinte tese, que foi acompanhada pela maioria:

A declaração da constitucionalidade do artigo 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública, em sua interpretação literal, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadra no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, inciso I e II da Lei 8.213, independentemente de lhe ser mais favorável.

Seguiram Zanin os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. O relator do caso, ministro Nunes Marques, anteriormente não tratava da possibilidade de o julgamento das ADIs afetar a tese firmada no RE 1.276.977. Ao final do julgamento, no entanto, ele aderiu ao ponto levantado por Zanin.

‘Revisão da revisão’

O ministro Alexandre de Moraes, assim como no julgamento anterior, votou pela possibilidade de o aposentado utilizar as contribuições anteriores ao Plano Real caso tenha sido prejudicado pela regra de transição.

Ele também entendeu que o Supremo não poderia, no julgamento das ADIs, mudar o entendimento de 2022. Segundo Alexandre, a análise desta quinta serviu, na prática, “como embargos infringentes” no recurso extraordinário, mesmo que o julgamento tenha se dado em outras ações.

Para o magistrado, o artigo 3º da Lei 9.876/1999 é constitucional. Ele, no entanto, entendeu que deve ser dada interpretação adequada à Constituição para permitir que os contribuintes que se enquadram na regra de transição usem as contribuições anteriores ao Plano Real.

“O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876/1999 e antes da vigência das novas regras constitucionais tem o direito de optar pela regra definitiva, caso lhe seja mais favorável”, entendeu Alexandre.

Segundo ele, embora a regra de transição tivesse boas intenções, a parcela de segurados que tinha salários menores acabou prejudicada quanto ao valor da aposentadoria.

“Se o legislador tivesse estabelecido só uma regra, a permanente, inúmeros segurados não teriam sido prejudicados. O legislador quis ajudar, mas, ao tentar ajudar a todos, prejudicou muitos.”

Alexandre foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. O ministro André Mendonça não acompanhou Alexandre sobre a necessidade de dar interpretação conforme à Constituição, mas concordou com o ministro quanto ao argumento de que o julgamento das ADIs não deveria afetar a decisão de 2022, dada em repercussão geral.

Segundo ele, houve uma espécie de “revisão da revisão” por meio da análise de ações diretas de inconstitucionalidade que não estão no bojo do RE 1.276.977.

“Não há consequência necessária de impacto (no julgamento encerrado em 2022). O Supremo pode reavaliar as questões? Pode. Mas a partir de uma reavaliação. Atribuir essa consequência (de derrubar a decisão do RE) seria revisar o julgamento da revisão”, disse Mendonça.

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