Opinião

Enunciado do Fonaref ratifica mudança de parâmetros jurisprudenciais

Autor

  • Rebeca Simão Bedê

    é advogada mestra em Direito pela Universidade de Fortaleza especialista em Processo Civil pela Universidade de Fortaleza professora universitária de Graduação (UniChristus) e pós-graduação (Unifor) conselheira municipal de Defesa do Consumidor (CE) vice-presidente da Associação para Consumidores do Estado do Ceará (Acece) e vice-presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor (Acedecon).

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26 de maio de 2024, 17h19

Durante certo período de tempo, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) firmou entendimento no sentido de que o credor não habilitado no processo de recuperação judicial poderia, depois de encerrada a referida ação, ajuizar execução ou prosseguir com cumprimento de sentença, sem levar em conta os termos de soerguimento da empresa discutidos e aprovados no plano recuperacional.

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Em sendo assim, tinha o credor a faculdade de aguardar o encerramento da ação de recuperação judicial, para, empós, seguir com a execução individual de modo a não precisar suportar os efeitos da recuperação.

Tal situação se mostrava demasiadamente prejudicial à empresa recuperanda, posto que a mesma havia passado por um processo de reestruturação de dívidas e, neste contexto, acabava se sujeitando a pagamentos não planejados.

No entanto, em 2021, houve uma mudança, em verdade, uma evolução de entendimento, quando a Corte Cidadã, ao julgar o Recurso Especial nº 1.851.692 — caso da empresa OI S.A —, revisitou a matéria ao julgar os embargos de declaração apresentados pela empresa recuperanda.

Na ocasião, o ministro relator Luis Felipe Salomão, ao conhecer os embargos de declaração apresentados pela empresa OI S.A, entendeu que “aquele credor que fizer a opção por não habilitar de forma retardatária o seu crédito para promover posteriormente a sua cobrança também terá um ônus pela sua escolha, pois assumirá as consequências jurídicas (processuais e materiais) dela, entre as quais a de sofrer a incidência dos efeitos da recuperação”.

Dessa forma, observa-se uma mudança nos parâmetros jurisprudenciais, vez que se firmou o entendimento que o credor que optou por não se habilitar no processo recuperacional terá seu crédito novado e deverá recebê-lo de acordo com o plano de soerguimento da empresa, ainda que a ação recuperacional já tenha se encerrado.

Tal mudança é adotada desde então pelos tribunais brasileiros e, agora, fora ratificado pelo enunciado nº 02, de 09/05/2024 — Fonaref.

Considerações sobre a Enunciado nº 2, de 09/05/2024

Enunciado do Fonaref (Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências), votado e aprovado aos dias 9/5/2024, ratificou atual posicionamento do STJ no sentindo de que os créditos concursais, mesmo que não habilitados no processo de recuperação judicial e, ainda que esta já tenha sido encerrada, serão novados e pagos em consonância com o plano de soerguimento da empresa devidamente homologado no processo.

“O crédito sujeito aos efeitos da recuperação judicial será novado e pago conforme o plano de recuperação judicial homologado, mesmo que não habilitado e ainda que a recuperação judicial já tenha sido encerrada.”

O enunciado visa a consolidar o entendimento aqui já esposado, de modo a não prestigiar e até mesmo a desestimular o credor que deseja reivindicar seu crédito de forma individual, haja vista os inúmeros prejuízos que tal conduta se mostra apta a gerar.

É certo que a habilitação retardatária do crédito é uma faculdade do credor e não uma obrigatoriedade, conforme preconiza a Lei de Recuperação Judicial em seu artigo 10, parágrafo 6º. No entanto, a decisão pela perseguição do crédito fora do conclave acarretará consequências jurídicas.

Nas palavras do advogado e secretário-geral do Fonaref, Daniel Carnio Costa, “a habilitação não é condição para sujeição. A habilitação é condição para exercício de direitos políticos dentro da recuperação judicial. A sujeição é oper legis, se o crédito existe antes do ajuizamento do pedido, ele está sujeito”.

Spacca

Ou seja, de uma forma ou de outra, havendo ou não inscrição do crédito concursal, este, nos termos da lei, será adimplido em consonância com plano de soerguimento da empresa economicamente viável. A sujeição aos efeitos recuperacionais ocorrerá, ainda que esse crédito concursal não tenha sido inscrito no plano de recuperação judicial.

Ademais, o artigo 59 da LRF dispõem sobre a novação dos créditos, de modo que a partir da aprovação do plano extingue-se os anteriormente existentes, passando a vigorar as novas condições homologadas no referido plano.

Neste sentir, a novação e a sujeição aos efeitos recuperacionais ocorrem ainda que o crédito não tenha sido habilitado de modo prévio no processo, conforme ensina Marcelo Sacramone:

A extinção do direito de crédito anterior e sua substituição pelo direito de crédito nas condições e formas estabelecidas no plano de recuperação judicial ocorrem mesmo quando o crédito não tenha sido habilitado na recuperação judicial. Desde que os créditos sejam existentes anteriormente à distribuição do pedido de recuperação judicial e não se encontrem nas exceções legais, o crédito está sujeito aos efeitos do plano de recuperação judicial cuja concessão foi homologada, ainda que não tenha se habilitado no procedimento recuperacional. A sujeição, independentemente da habilitação, ocorre porque, se é obrigação do devedor informar quais são seus efetivos credores, também é ônus imposto aos credores o de se habilitarem ou impugnarem a lista do administrador judicial que não os incluiu. (2024, p. 502)

Vê-se, portanto, que a percepção sobre o tema modificou de parâmetro ao longo dos anos, sendo assim, o enunciado ora em estudo consagra não somente o entendimento atualmente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, mas também o entendimento doutrinário, não restando dúvidas sobre a sujeição dos créditos já existentes ao tempo do pleito recuperacional, aos seus efeitos.

Conclusão

Por tudo que fora exposto no presente estudo, constata-se um perfeito alinhamento do Fonaref com as disposições legais presentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como, com os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, respectivamente.

O enunciado em estudo ratifica a mudança dos parâmetros jurisprudenciais, posto que valida o entendimento de que os créditos concursais não habilitados no processo de recuperação judicial serão novados e se submeterão aos efeitos recuperacionais. Trata-se de uma verdadeira consagração a evolução jurisprudencial.

Em sendo assim, por onde quer que se veja, denota-se uma preocupação no sentido de preservar a função social de empresas economicamente viável, bem como os interesses dos envolvidos, sejam eles credores, trabalhadores e até mesmo sócios.

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Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº. 11.101/2005. Brasília, DF, Senado, 2005.

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 4ª edição. São Paulo: SaraivaJur, 2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no REsp: 1851692 RS 2019/0360829-6,Rio Grande do Sul, 09 de setembro de 2022.

STJ esclarece consequências para credor que não se habilita no plano de recuperação. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-dez-17/stj-esclarece-consequencias-credor-nao-habilita-rj/>. Acesso em: 10 mai. 2024.

Relator esclarece consequências da opção do credor por não se habilitar no plano de recuperação. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/17122021-Relator-esclarece-consequencias-da-opcao-do-credor-por-nao-se-habilitar-no-plano-de-recuperacao.aspx>.Acesso em: 10 mai. 2024.

2.º Congresso do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) – Tarde. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aJQ7h8SEVtI>. Acesso em: 15 mai. 2024.

2º Congresso do Fonaref aprova 4 enunciados para a recuperação de empresas. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://www.tjrj.jus.br/web/portal-conhecimento/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5736540/402260235>. Acesso em: 15 mai. 2024.

Autores

  • é advogada, mestra em Direito pela Universidade de Fortaleza, especialista em Processo Civil pela Universidade de Fortaleza, professora universitária de Graduação (UniChristus) e pós-graduação (Unifor), conselheira municipal de Defesa do Consumidor (CE), vice-presidente da Associação para Consumidores do Estado do Ceará (Acece) e vice-presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor (Acedecon).

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