A volta dos que não foram

Autoridade policial pode acionar Coaf sem autorização judicial, diz Zanin

Autor

23 de novembro de 2023, 19h50

É constitucional o compartilhamento de dados entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e as autoridades de persecução penal, sem necessidade de prévia autorização judicial. Isso também se aplica em casos em que o relatório tenha sido solicitado pela autoridade.

Carlos Moura/SCO/STF.
Zanin reforçou entendimento do STF no julgamento do Tema 990

Esse foi o entendimento do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, para julgar procedente a Reclamação Constitucional 61.944, apresentada pelo Ministério Público do Pará contra decisão do Superior Tribunal de Justiça.

A decisão de Zanin reforça o entendimento do Supremo no julgamento do Tema 990, que julgou constitucional o compartilhamento de dados do Coaf com a polícia e o MP, sem a necessidade de prévia autorização judicial.

Na decisão, Zanin sustenta que a redação do Tema 990 permite essa interpretação. “Tal julgamento formou precedente vinculante, que obrigatoriamente deve ser seguido pelos órgãos do Poder Judiciário”, reiterou ao anular o acórdão da 6ª Turma do STJ.

Entenda o caso
Na decisão do STJ agora cassada por Zanin, os ministros da 6ª Turma entenderam que, ao investigar caso de lavagem de dinheiro, a autoridade policial responsável não pode dispensar a autorização judicial e solicitar informações sobre movimentação financeira de suspeitos diretamente ao Coaf.

Na ocasião, prevaleceu o entendimento do relator da matéria no STJ, ministro Antonio Saldanha, que julgou que autorizar o contato direto entre MP e Coaf implicaria em conferir aos órgãos de investigação, em quaisquer inquérito, o poder de obter informações sigilosas. “A pergunta que fica é: por que não pedir uma autorização judicial? É uma maneira de conseguir um filtro para eventuais exageros”, disse.

Restou vencido o ministro Rogerio Schietti, que ao lado da ministra Laurita Vaz abriu divergência. Para ele, a hipótese dos autos não se enquadra nos precedentes até hoje julgados pelo STJ ou pelo STF, uma vez que estes trataram de dados sigilosos e detalhados no Imposto de Renda.

No caso concreto, a autoridade policial instaurou, por força de requisição do Ministério Público do Pará, o Inquérito nº 00606/2019.100001-3, para apurar a prática do crime de lavagem de dinheiro de suposta autoria de dirigentes de uma empresa de bebidas. Eles teriam supostamente causado prejuízo de R$ 600 milhões ao erário a partir de 50 crimes fiscais.

Pescaria probatória
Na contramão da decisão de Zanin e do entendimento do STF no Tema 990, especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico consideram que permitir o preparo de relatórios por requisição da autoridade policial abriria a brecha para o uso de dados protegidos, ainda que não sigilosos, sem qualquer prestação de contas.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Alaor Leite, por exemplo, defende que é preciso haver uma distinção entre as unidades de inteligência financeira e os órgãos de persecução penal. “Quem sabe tudo não pode tudo. E quem pode, não deve saber de tudo”.

Em sua análise, a possibilidade de contato direto entre inteligência financeira e persecução penal sugere uma tentativa de desburocratizar a investigação em um momento em que ela é ainda incipiente. O relatório do Coaf não seria o ato principal, mas um meio de indicar quais diligências posteriores seriam necessárias.

“A ideia de lastrear pedido de busca e apreensão em informações financeiras obtidas junto ao Coaf sem autorização judicial soa como fishing expedition [pesca probatória]“, critica Clarissa Oliveira,  sócia do escritório Cascione Advogados.

Para Oliveira,  se as informações telefônicas ou telemáticas são compartilhadas com órgãos investigativos somente mediante ordem judicial, por analogia seria descabido que o mesmo não fosse aplicável às informações financeiras.

Clique aqui para ler a decisão
Rcl 61.944

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!