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Investigação do MP deve seguir prazo e regras de inquérito policial, decide STF

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2 de maio de 2024, 16h49

O Plenário do Supremo Tribunal Federal fixou nesta quinta-feira (2/5) a tese sobre as investigações de natureza penal tocadas pelo Ministério Público. O caso já tinha maioria formada desde a última quinta-feira (25/4), mas ainda havia alguns pontos a serem resolvidos.

O voto conjunto de Fachin (à esquerda) e Gilmar foi seguido por Dias Toffoli

Ficou decidido que o MP tem competência para promover, por autoridade própria, investigações penais. A apuração, no entanto, pressupõe a comunicação ao juiz competente e a observância dos mesmos prazos previstos para a conclusão de inquéritos policiais. 

O Supremo também estabeleceu que o MP não é obrigado a instaurar procedimento investigatório sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que houver mortes e ferimentos graves, mas deve avaliar se é necessário iniciar uma apuração.

A obrigação havia sido originalmente proposta pelos ministros Edson Fachin, relator do caso, e Gilmar Mendes. A posição, no entanto, foi reajustada depois de apontamentos dos ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes. 

O único ponto de divergência era quanto à necessidade de o juiz autorizar prorrogações de investigações envolvendo pessoas presas e em liberdade. A corrente de Fachin e Gilmar entendeu pela obrigatoriedade em todos os casos. E uma corrente liderada por Dino sustentou que o juiz deveria ser comunicado apenas nos casos envolvendo pessoas soltas. 

Seguiram Fachin e Gilmar os ministros André Mendonça, Dias Toffoli, Nunes Marques, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Dino foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e Alexandre de Moraes.

O tribunal estabeleceu a seguinte tese:

1. O Ministério Público dispõe de atribuição concorrente para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição (Tema 184).
2. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público tem por exigência: (i) comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição; (ii) observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para conclusão de inquéritos policiais; (iii) necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas; iv) distribuição por dependência ao Juízo que primeiro conhecer de PIC ou inquérito policial a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidade de investigações; v) aplicação do artigo 18 do Código de Processo Penal ao PIC (Procedimento Investigatório Criminal) instaurado pelo Ministério Público.
3.1. Deve ser assegurado o cumprimento da determinação contida nos itens 18 e 189 da Sentença no Caso Honorato e Outros versus Brasil, de 27 de novembro de 2023, da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, no sentido de reconhecer que o Estado deve garantir ao Ministério Público, para o fim de exercer a função de controle externo da polícia, recursos econômicos e humanos necessários para investigar as mortes de civis cometidas por policiais civis ou militares.
3.2. A instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá ser motivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes ou ferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes. Havendo representação ao Ministério Público, a não instauração do procedimento investigatório deverá ser sempre motivada.
4. Nas investigações de natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos.

Comunicação e prazo

O caso começou a ser julgado no Plenário Virtual do Supremo, mas foi reiniciado presencialmente após pedido de destaque. Inicialmente, na análise virtual, Fachin e Gilmar divergiram.

O julgamento foi retomado em 24 de abril com um voto conjunto formulado pelos dois ministros. Segundo o posicionamento, fica estabelecido que, apesar da competência do MP para promover investigações de natureza penal, o juiz deve ser informado sobre a instauração e o encerramento dos procedimentos investigatórios.

O mesmo entendimento já havia sido fixado quando a corte decidiu pela validade do juiz das garantias. Na ocasião, ficou decidido que o MP deve informar o juiz sobre a existência de todo tipo de investigação criminal, inclusive as preliminares.

A discussão sobre o tema, no entanto, foi aprofundada. O voto de Fachin e Gilmar estabelece, por exemplo, que a investigação deve respeitar o mesmo prazo e os mesmos regramentos dos inquéritos policiais. A investigação só pode ser prorrogada em prazo proporcional e com a devida motivação.

O inquérito policial tem prazo de dez dias em caso de indiciado preso e de 30 dias quando o investigado estiver em liberdade. 

O voto conjunto também propôs a modulação de efeitos para que a necessidade de informar juízes comece a valer a partir da decisão. Já nos casos em que há investigação em andamento, mas não denúncia, o MP deve informar o juiz competente sobre a existência da apuração em até 60 dias a partir da publicação do acórdão do julgamento.

Voto conjunto

Ao defender a competência do MP, Fachin afirmou no voto com Gilmar que a polícia judiciária não tem o monopólio das investigações criminais.

“O monopólio de poderes é convite ao abuso de poder. É uma premissa que aqui se leva em conta. A atribuição para investigação criminal pelo MP deflui de sua atribuição própria e imprescindível de zelar pelo respeito aos direitos fundamentais”, disse o relator da matéria.

O ministro ressaltou, no entanto, que o reconhecimento da competência do MP não autoriza o desrespeito aos direitos fundamentais do investigado durante as apurações.

“A garantia (de direitos) depende da tutela jurisdicional, seja para produção de provas submetidas à reserva de jurisdição, seja para que a fase preliminar tenha desfecho no prazo mais breve possível.”

Divergência

Para Flávio Dino, a prorrogação das investigações só precisa ocorrer em caso de investigado preso. O ministro ficou vencido no ponto.

Ele também se manifestou contra a obrigação de o MP investigar crimes cometidos por agentes de segurança pública. Esse ponto foi incluído no voto conjunto de Fachin e Gilmar.

O julgamento tratou de três ações diretas de inconstitucionalidade. Na primeira (ADI 2.943), o Partido Liberal (PL) questionou dispositivos de leis que regem os MPs estaduais e o Ministério Público da União. A legenda afirmou que o artigo 25 da Lei Orgânica do MP é inconstitucional por permitir inquéritos civis e procedimentos administrativos.

Já as ADIs 3.309 e 3.318 foram ajuizadas pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil contra incisos do artigo 8 da Resolução 77/04. O diploma dispõe sobre organização, atribuições e estatuto do MP. E também permite a instauração e tramitação de procedimento investigatório criminal.

ADI 2.943
ADI 3.309
ADI 3.318

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