Direito Civil Atual

Diferenças entre o representante comercial e o agente (parte 3)

Autores

  • William Galle Dietrich

    é advogado doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) como bolsista Capes/Proex membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDpro) e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

  • Abrahan Lincoln Dorea Silva

    é advogado e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP (Largo de São Francisco) com dupla graduação em Direito pela USP e pela Université de Lyon ex-bolsista da Fapesp e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

29 de janeiro de 2024, 14h31

Nas duas últimas colunas, abordou-se o problema da diferença entre a figura do representante comercial e do agente no Direito brasileiro (ver aqui e aqui). Foi possível notar que, apesar dos fatores históricos que apontam para a identidade entre a representação comercial e o agenciamento, há uma divergência na Dogmática que, ainda hoje, mantém posições favoráveis a uma distinção entre os institutos.

Nesta terceira e última parte, tratar-se-á de analisar como a jurisprudência contemporânea tem entendido o tema para, ao fim, apresentar a conclusão sobre os problemas envolvendo a diferenciação de ambos os tipos contratuais.

 

4. A jurisprudência
Em decisão muito recente, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou caso que tratava exatamente do problema tratado nestas colunas: um agente que buscava a incidência da Lei 4.886/1965 em sua relação, especialmente para buscar indenização oriunda de prática del credere, além do pagamento de 1/12 previsto no artigo 27, “j” da Lei 4.886/1965 [1].

No referido julgamento, o TJ-RS demonstrou uma adesão à ideia de diferenciação de ambos os tipos. Utilizou-se centralmente o argumento de Sílvio de Salvo Venosa, que já foi referenciado na coluna anterior (de que o representante tem o poder de concluir o negócio; o agente não), além de passagens de outras obras de civilistas que apenas mencionavam que existe uma diferença entre os tipos contratuais sem, contudo, explicar no que consistiria essa diferença.

ConJur

Além disso, o TJ-RS demonstrou em sua fundamentação que esse entendimento já havia sido aplicado em outros casos julgados pelo tribunal.

O julgamento do TJ-RS fez referência ao REsp 1.897.114/PA, de relatoria da ministra Nancy Andrighi [2]. Esse Recurso Especial discutia a validade de uma cláusula de eleição de foro em um contrato de representação de seguro, especialmente pelo teor do artigo 39 da Lei 4.886/1965 [3].

A discussão que se colocou, portanto, é se o contrato, no qual “o representante de seguros assume a obrigação de promover, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a realização de contratos de seguro à conta e em nome da sociedade seguradora” reivindicava a incidência do Código Civil ou da lei 4.886/1965.

A 3ª Turma, à unanimidade, entendeu que, sim, haveria uma diferença entre o agenciamento e a representação comercial, fazendo uso da distinção extraída de Pontes de Miranda, a qual já foi abordada em coluna pretérita [4]. Disse que “não há que se confundir o contrato de representação de seguro, que é espécie de contrato de agência, com o contrato de representação comercial regulado pela Lei n. 4.886/65”. O referido entendimento também é corroborado pelo REsp 1.559.595/MG, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze [5].

Os referidos acórdãos (REsp 1.897.114/PA e REsp 1.559.595/MG) referenciam uma distinção fundada no REsp 1.761.045/DF, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino [6]. Neste acórdão, a 3ª Turma não estava discutindo propriamente a existência de diferenças entre representação comercial e agenciamento, mas se a lei de 4.886/1965 aplicava-se aos contratos de representação de seguro.

O resultado do julgamento foi que o contrato de representação de seguro deveria observar não a lei de representação, mas a regulamentação da Susep. Embora o acórdão não conclua isso de forma expressa, a jurisprudência da 3ª Turma tem reiteradamente utilizado esse entendimento para considerar a representação de seguros como uma espécie de agência, com o intuito de reforçar a distinção entre agência e representação comercial.

Assim, através de razões distintas, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça tem mantido um entendimento de que existe uma diferenciação entre representação comercial e agenciamento.

Conclusão
Ao fechar esta terceira coluna sobre o tema, percebe-se que a diferenciação entre representação comercial e agência é um tema complexo, que comporta posições bem fundamentadas independente do lado que venha a se aderir na discussão. A Dogmática é bastante dividida; a jurisprudência aponta mais fortemente para a posição de que existe uma diferenciação entre os contratos. Não se trata de um problema de fácil resolução, portanto.

Dito isso, existem razões mais convincentes para considerar correta a tese de que não existe diferença entre os tipos contratuais da representação comercial e do agenciamento, razões essas que seguem agora listadas:

(1) a exposição de motivos do CC/02 deixa expresso que o agenciamento pretende corrigir um “nome impróprio” que foi utilizado pela lei 4.886/1965;

(2) sob a perspectiva sistemática, e considerando a unificação das obrigações civis e comercias proposta pelo CC/02, a explicação para a alteração da nomenclatura é logicamente convincente;

(3) os artigos do agenciamento, em mais de uma oportunidade, fazem referência a uma “lei especial”, dando indícios da continuidade da lei da representação comercial naquilo que é cabível (art. 718 e 721, CC);

(4) há uma identidade no objeto e nas características dos tipos contratuais descritos no art. 1º da lei 4.886/1965 e no art. 710 do CC;

(5) as tentativas de diferenciação, seja pela Dogmática, seja pela jurisprudência, apoiam-se sobretudo em critérios que não estão expressos na legislação como, por exemplo, o frequente argumento de que entre agenciamento e representação haveria uma diferença no que se refere aos poderes de conclusão do negócio.

 

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

[1] TJRS, ApCív 5000797-38.2019.8.21.0009, rel. Dra. Giovana Farenzena, 15.ª C. Cív., j. 11.10.2023, DJe 31.10.2023.

[2] STJ, REsp 1.897.114/PA, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 10.08.2021, Dje 16.08.2021.

[3] Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas.

[4] Nesse sentido, a seguinte passagem do acórdão: “O referido tipo contratual, ademais, é espécie de contrato de agência, que, nas palavras de Pontes de Miranda, é o negócio jurídico por meio do qual o agente ‘se vincula, perante alguma emprêsa, ou algumas emprêsas, a promover em determinada região, ou praça, os negócios com aquela, ou com aquelas, e de transmitir à emprêsa, ou às emprêsas, as ofertas ou invitações à oferta que obtiverem (…) O agente, rigorosamente, não medeia, nem intermedeia, nem comissiona, nem representa: promove conclusões de contrato. Não é mediador, pôsto que seja possível que leve até aí a sua função. Não é corretor, porque não declara a conclusão dos negócios jurídicos. Não é mandatário, nem procurador. Donde a expressão ‘agente’ ter, no contrato de agência, senso estrito’” (STJ, REsp 1.897.114/PA, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 10.08.2021, Dje 16.08.2021).

[5] STJ, REsp 1.559.595/MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. em 10.12.2019, Dje 13.12.2019.

[6] STJ, REsp 1.761.045/DF, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. em 05.11.2019, Dje 11.11.2019.

Autores

  • é advogado, professor na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp), doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDpro) e da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

  • é advogado e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), com dupla graduação em Direito pela USP e pela Université de Lyon, ex-bolsista da Fapesp e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

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