Opinião

Quantas vidas humanas vale uma vida de cão?

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12 de maio de 2024, 13h32

No último dia 6 de maio, a Defensoria Pública de Mato Grosso ajuizou ação coletiva contra a Gol Linhas Aéreas, pela qual são pedidos R$ 10 milhões de indenização por supostos danos morais coletivos, em função da morte do cachorro chamado Joca durante transporte aéreo. A situação foi bastante divulgada por diferentes mídias na última semana, gerando enorme engajamento.

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O valor da demanda é astronômico, e traduz com perfeição os abusos cometidos pelos autores de ações coletivas, blindados pela isenção de risco de sucumbência, os quais — principalmente em casos midiáticos —formulam pedidos irreais e abusivos e colocam sobre os réus o pesadíssimo ônus de responder — não raro por vários anos — por demandas multimilionárias, comumente fundamentadas apenas em notícias de jornal.

De fato, não sei dizer quanto vale uma vida de cão. Quanto à vida humana, embora também não saiba lhe atribuir um valor exato (não há preço!), posso ao menos descrever quanto os tribunais têm fixado a esse respeito, quando demandados por indenização em favor de familiares afetados pelo evento morte, em decorrência de crimes, acidentes de trabalho, erro médico, acidentes de trânsito ou outros infortúnios decorrentes da vida civil.

O valor dos danos por morte humana

Ao Judiciário cabe arbitrar um preço. Em parte, para indenizar aqueles eventuais dependentes do falecido, pelo suporte que haveriam de receber caso a pessoa houvesse sobrevivido (dano material). Em outra parte, para indenizar o sofrimento dos familiares mais próximos (dano moral).

O dano material tem referências objetivas para ser fixado, levando em consideração a renda do falecido, o potencial de contribuir com os dependentes mensalmente e a estimativa de prazo dessa contribuição. O dano moral, diferentemente, não tem parâmetros objetivos, e é fixado pelo juiz com uma certa liberdade: o juiz tem a difícil missão de fixar um valor pela perda da vida.

O Superior Tribunal de Justiça fixa a indenização por danos morais em decorrência da morte entre as quantias de 300 e 500 salários-mínimos em favor de toda a entidade familiar afetada (AgInt no REsp: 1.895.036 PE). Não é raro, todavia, encontrar julgados fixando indenizações em montantes inferiores, tal como a fixação de indenização no valor de R$ 70 mil para morte ocorrida em função de erro médico em atendimento no pronto-socorro (AgInt no AREsp: 1.876.297 RJ).

A Justiça do Trabalho não foge, tampouco, a essa oscilação, tendo a indenização decorrente da morte em acidentes de trabalho se estabelecido em quantias como R$ 300 mil a R$ 90 mil para a reparação de toda a entidade familiar (TST – Ag-ARR: 8012120155090322 e TST – AIRR: 00009677620205170121).

O quadro geral das indenizações por morte humana, embora apresente certas distorções pontuais, é tal como delineado acima, em valores que chegam a uma, duas ou três centenas de milhares de reais para a toda a família.

Mais do que isso, salvo nos casos em que se almeja responsabilizar o Estado ou as forças policiais, a morte de uma pessoa não gera danos morais a toda a coletividade. Não se tem conhecimento de ação coletiva ajuizada contra criminoso comum, porque assassinou alguém, culposa ou dolosamente.

Todos os anos são registradas aproximadamente 40 mil mortes por crimes violentos e pouco mais de 30 mil mortes no trânsito. Não se vê as respectivas ações coletivas, pedindo danos morais coletivos.

Duas conclusões

Outra história diz respeito à vida de cão. A morte do cãozinho Joca, por desídia ou não da empresa aérea (não sabemos!) na visão do autor da ação coletiva, gera danos morais a toda a coletividade, em quantia que, na melhor das hipóteses, seria 30 vezes maior que a indenização máxima para os danos morais decorrentes da morte de uma pessoa.

Isso nos diz duas coisas. A primeira, é que nosso sistema de indenizações por dano moral coletivo, ou mesmo de demandas coletivas, sem risco de sucumbência, deve ser reavaliado, para conter os reiterados abusos. A segunda é: precisamos revisitar o valor da vida humana, em nossa sociedade. E não estou falando do aumento do valor das indenizações.

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