Opinião

Lavagem de dinheiro, advocacia e a crítica do Gafi

Autor

  • André Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor nos cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) do IDP/Brasília e sócio do Callegari Advocacia Criminal.

17 de janeiro de 2024, 7h18

Novamente vem à tona a criminalização da advocacia, agora capitaneada por um órgão internacional, como noticiado no Metrópoles [1]. O argumento é o de que a OAB tem uma postura “conservadora” quando a investigação aponta participação de um advogado na lavagem de dinheiro ou no crime antecedente e que a entidade de classe jamais cassou a licença de um profissional envolvido nesse tipo delitivo.

Sobre o primeiro argumento de investigação, já tivemos oportunidade de escrever sobre o tema quando tratamos dos honorários maculados, ou seja, quando o advogado recebe valores de seu cliente e ditos valores tem origem suspeita. Nossa posição é a de que quando o advogado se mantém no seu rol (papel) de defensor e atua dentro de sua conduta de defensor (conduta neutra) ele não é garante do Estado e não tem a obrigação de reportar. Assim, as atividades quotidianas que realizam condutas dentro dos padrões da lex artis não se inserem no marco criminal [2].

Spacca

Segundo Blanco Cordero, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) decidiu que os advogados tem obrigação de reportar quando, no curso de seu trabalho, realizam em nome e por conta de seu cliente uma transação financeira ou de bens, ou participam no assessoramento a seus clientes na preparação ou execução de certos tipos de operações (compra e venda de bens imóveis ou ativos da empresa, gestão de fundos, valores ou outros ativos pertencentes ao cliente, abertura de contas bancárias, de poupança ou valores, organizando os investimentos necessários para a criação de empresas e a criação ou administração de fideicomissos regidos por normativa estrangeira ou similar). Não estão sujeitos à obrigação de comunicação quando exercer uma atividade de assessoramento jurídico ou quando a sua atividade está relacionada com os procedimentos jurisdicionais da defesa do cliente [3].

Portanto, nessa linha de argumentação é equivocada a postura do Gafi quando quer antecipar como suspeito o trabalho profissional do advogado que se mantém dentro de seu papel de defensor, ou seja, exercendo uma atividade inerente ao exercício que lhe é conferido por sua entidade e previsto como garantia constitucional por exercer uma função essencial à administração da justiça.

Diante desses argumentos iniciais, por que a OAB deveria relatar ou permitir alguma investigação do Gafi no exercício da profissão? Parece-me, salvo melhor juízo, que a OAB não deve dar qualquer explicação aos órgãos de controle internacionais. O controle se dará pelo judiciário, que, ao processar e julgar um advogado que supostamente praticou um ato de lavagem terá a garantia constitucional de provar a sua inocência. Após o trânsito em julgado da sentença, o Gafi terá a estatística que precisa.

Sobre o segundo argumento, da ausência de punição pela OAB dos seus profissionais, o Gafi desconhece totalmente o sistema e nosso estatuto (EOAB). A OAB pune sim os advogados, desde que ocorra um processo justo e dentro das regras que permitem a ampla defesa e o contraditório. A mera suspeita por si só não permite a punição de ninguém. Não estamos mais no tempo da inquisição para informar “suspeitas” de participação na lavagem de dinheiro.

De outro lado, existe, e talvez o Gafi desconheça, o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, justamente para apurar as condutas infracionais dos advogados que cometem infrações, dentre as quais os crimes praticados na legislação vigente. Sou testemunha, como conselheiro distrital, que excluímos colegas dos quadros quando há prática de infrações que são julgadas pelo Tribunal de Ética e revisadas pelo conselho.

Dito tudo isso, correta a manifestação do presidente da OAB ao afirmar que o advogado atua sob o sigilo profissional e que os advogados não devem ser tratados automaticamente como suspeitos de crime. Isso é regra basilar da presunção de inocência prevista em nossa Constituição Federal.

 


[1] https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/grupo-antilavagem-da-ocde-critica-postura-da-oab-em-investigacoes

[2] CALLEGARI, André Luís; LINHARES, Raul Marques. Lavagem de Dinheiro (com a jurisprudência do STF e do STJ). Rio de Janeiro: Marcial Pons, 2022, p. 123.

[3] BLANCO CORDERO, Isidoro. Secreto profesional del abogado y prevención del blanqueo de capitales. ADPE 3, 2015, p. 263.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor de Direito Penal no IDP-Brasília, sócio fundador do Callegari Advocacia Criminal e coordenador do Grupo Criminalistas.

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