Opinião

Sistema financeiro ensaia mudanças impostas pela Resolução CMN 4.966

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  • Ana Cristina Mantoanelli

    é advogada pós-graduada em Processo Civil pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e MBA com ênfase em Inteligência de Mercado pela FIA. Atuou no contencioso de grandes escritórios de advocacia e atualmente é diretora do departamento jurídico da MGC Holding.

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6 de maio de 2024, 20h56

O avanço do ano aciona um sinal de alerta para os bancos e demais instituições do sistema financeiro nacional: começam os testes das mudanças impostas pela Resolução CMN 4.966, do Banco Central, destinadas a enquadrar seus métodos e demonstrações financeiras nos padrões reconhecidos por investidores, órgãos reguladores e agentes de mercado internacionais.

Anunciada pelo Banco Central em dezembro de 2022, para aplicação plena a partir de janeiro de 2025, o objetivo das mudanças é fazer convergir a regulação contábil aplicável no Brasil com as práticas reconhecidas internacionalmente.

Voltada aos bancos e demais instituições sob a alçada do Bacen, exceto corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários e corretoras de câmbio, a resolução traz uma série de mudanças que exigem desses players uma intensa movimentação para se adaptarem às novas regras. No entanto, segundo levantamento da consultoria KPMG divulgado no portal E-investidor, do Estadão, apenas 1/3 dos players do setor iniciou os trabalhos com esse objetivo.

Três estágios de risco

As principais diretrizes da resolução — com objetivo principal de aprimorar a governança, a gestão de riscos e a transparência nas instituições financeiras —  estão relacionadas à classificação dos ativos financeiros e à avaliação da perda esperada associada ao risco de crédito. A partir de janeiro de 2025, os instrumentos financeiros dessas instituições passarão a ser alocados em três estágios de risco, algo que implicará em significativo aumento de rigor na avaliação de risco.

No primeiro estágio, a perda esperada considera a possibilidade de inadimplemento dos instrumentos financeiros em 12 meses; no segundo, a probabilidade de inadimplemento durante todo o prazo da operação prevista no instrumento: e no terceiro, os inadimplidos.

Outra exigência diz respeito à análise prospectiva dos requisitos de efetividade e das fontes de inefetividade de Hedge, com vistas a aproximar ainda mais o registro contábil do controle gerencial de risco mantido pelas instituições financeiras.

EBC
Banco Central sede

A nova norma, portanto, tem impacto sobre o modo como as instituições financeiras contabilizam suas perdas por redução no valor recuperável. Entre as adaptações necessárias, as instituições terão de implementar o modelo de “três linhas de defesa”, o que implica em uma divisão clara de responsabilidades entre a alta administração, as áreas de gestão de riscos e o setor de auditoria interna. Essa nova abordagem visa fortalecer a supervisão e minimizar riscos operacionais.

Em outras palavras, a contabilização se baseará na “perda esperada”, considerando (1) a probabilidade de default, que é a probabilidade de um instrumento se tornar um ativo com problema de recuperação de crédito, e (2) a perda, dado o default, ou seja, já com base na expectativa de recuperação em caso de default. De forma sucinta, significa dizer que os bancos deverão antecipar perdas esperadas com base em uma análise mais detalhada do risco de crédito, em vez de esperar que as perdas ocorram efetivamente. Isso torna as provisões mais realistas e alinhadas com a verdadeira exposição ao risco de crédito.

Mais oferta de oportunidades

Entre outros impactos, a aplicação da nova regra deve contribuir para ampliar a oferta de oportunidades no mercado de distressed assets, na medida em que os bancos, ao gerenciarem melhor seus ativos problemáticos e fazerem provisões mais precoces e precisas quanto à perspectiva de perda, perceberão aumento nos ativos considerados problemáticos e ficarão cada vez mais propensos a vendê-los ao mercado secundário.

Isso deve levar as instituições a buscarem maneiras de reduzir a retenção de créditos inadimplidos ou com alto potencial de inadimplência, seja por meio de vendas ao mercado secundário, ou pela otimização de suas estratégias de recuperação. Espera-se também que a melhora na categorização contábil dos créditos apresente reflexos positivos na avaliação do crédito e, consequentemente, na qualidade dos créditos concedidos.

Tal cenário cria uma oportunidade para que empresas do segmento de recuperação de crédito adquiram um maior número de carteiras de créditos estressados no mercado, aplicando uma precificação mais assertiva e expandindo suas operações. Também amplia as oportunidades para que os serviços de recuperação de créditos, em observância às novas políticas dos credores, adotem práticas baseadas em uma análise mais sofisticada quanto ao momento, a tendência comportamental e o potencial de pagamento do devedor.

Embora a resolução só entre em vigor em janeiro próximo, as instituições financeiras devem iniciar o quanto antes a implementação e os testes para os novos cálculos, uma vez que precisarão apresentar neste ano relatórios e avaliações para efeitos de comparação entre os últimos resultados de provisão e os novos.

Até o momento, os impactos diretos da resolução no mercado financeiro em geral, inclusive no segmento de recuperação de créditos, se concentram nos trabalhos de adaptação, simulação de resultados, alteração de procedimentos, relatórios e regras internas, pois a resolução ainda não entrou em vigor. Mas, a médio prazo, as mudanças trazidas quanto ao reconhecimento de “perdas esperadas” devem conduzir a alterações estratégicas para o segmento. No ambiente da recuperação de ativos, por exemplo, esperam-se alterações nas políticas aplicáveis às renegociações: descontos oferecidos, número de parcelas e prazos para pagamento. Deve ocorrer um aumento gradual na oferta de ativos e, por consequência, uma sensibilização dos preços a esse aumento.

Mais credibilidade

Ao introduzir os novos critérios de análise dos instrumentos financeiros, a resolução alinha-se às melhores práticas internacionais, agregando transparência, consistência e qualidade às informações contábeis e promovendo o aumento da credibilidade aos investidores e mercado financeiro em geral. Pode-se antever um setor financeiro brasileiro mais competitivo globalmente, mais atraente aos investimentos estrangeiros, além da possível expansão das instituições financeiras brasileiras no exterior.

Reflexo da crescente complexidade e competitividade no cenário econômico global, o ambiente regulatório vem assumindo crucial importância para a estabilidade e integridade do sistema financeiro nacional. Em última análise, a Resolução CMN 4.966/21 representa importante avanço para o seu fortalecimento. As instituições, ao abraçarem tais mudanças, não apenas cumprirão suas obrigações, mas também se posicionarão para prosperar em um ambiente de negócios cada vez mais desafiador. É fundamental que todos os envolvidos no setor financeiro abracem a mudança como oportunidade de aprimoramento e garantam uma confiança sempre crescente no sistema financeiro nacional.

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  • é advogada, pós-graduada em Processo Civil pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e MBA com ênfase em Inteligência de Mercado pela FIA. Atuou no contencioso de grandes escritórios de advocacia e atualmente é diretora do departamento jurídico da MGC Holding.

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