A lei do mais fraco

Ato infracional não afasta aplicação de tráfico privilegiado, diz Fachin

 

9 de maio de 2024, 21h45

A menção a atos infracionais praticados pelo condenado quando era menor de idade não é considerada fundamentação válida para afastar a aplicação do benefício do tráfico privilegiado.

Jovens infratores são vítimas da criminalidade, explicou Fachin

Esse foi o entendimento adotado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, para reduzir a pena de um homem condenado por tráfico de drogas.

O fato que resultou na condenação ocorreu em julho de 2018. Na ocasião, policiais faziam um patrulhamento de rotina quando notaram que o homem mudou de direção ao avistar a viatura.

Nada de ilícito foi encontrado no momento da abordagem. Posteriormente, porém, os agentes acharam drogas em uma casa que seria de propriedade do homem — que acabou condenado a cinco anos de reclusão, no regime inicial semiaberto.

A defesa recorreu da sentença. Em apelação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o advogado Guilherme Fernandes Van Lopes Ferreira alegou que o juízo de primeiro grau deixou de aplicar o tráfico privilegiado ao calcular a pena.

Previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, o tráfico privilegiado é a diminuição de pena concedida aos condenados que são primários, têm bons antecedentes e não integram organização criminosa. No caso em questão, o juiz negou o benefício por entender que o homem havia cometido atos infracionais quando era menor de idade.

Ao julgar a apelação, o TJ-MG manteve a decisão com base no mesmo fundamento. A defesa, então, interpôs recurso especial, que foi negado pela corte estadual. Na sequência, o advogado entrou com agravo em recurso especial, e o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça — que também negou a aplicação do tráfico privilegiado. Isso porque, no entendimento da corte, os atos infracionais são aptos a impedir a redução da pena com base em tal dispositivo.

Por fim, o caso alcançou o STF na forma de um agravo em recurso extraordinário. O pedido, porém, foi rejeitado sem apreciação do mérito, e a ação penal transitou em julgado.

Diante disso, a defesa resolveu impetrar um Habeas Corpus sustentando que as decisões anteriores representavam ofensa à liberdade e a princípios constitucionais — como o da proteção integral ao menor — e insistindo na aplicação do redutor de pena (e, por consequência, a modificação do regime para aberto).

Passado de vulnerabilidade

Fachin não conheceu do HC, mas concordou com a tese da defesa e decidiu, de ofício, aplicar o tráfico privilegiado. Ao analisar o caso, ele observou que as instâncias anteriores consideraram que os atos infracionais demonstram a “reiteração” do recorrente em atividade criminosa. Tal entendimento, porém, não se alinha à jurisprudência do STF.

Para a corte, a referência a atos infracionais não representa “fundamentação idônea” para afastar a minorante, já que as medidas aplicadas aos menores infratores têm natureza socioeducativa, e não punitiva, e visam a proteger esses jovens.

“Sem dúvida, crianças e adolescentes envolvidos na atividade de tráfico de drogas são, em verdade, vítimas da criminalidade e da ineficiência do Estado, da família e da sociedade em protegê-los e assegurar-lhes os seus direitos fundamentais”, disse Fachin.

Assim, o fato de essas pessoas continuarem agindo de forma ilícita durante a vida adulta mostra a incapacidade das instituições e seu passado de vulnerabilidade.

“Desse modo, repiso que a prática de atos infracionais pretéritos não deve repercutir na dosimetria da reprimenda do agente, sob pena de subverter o sistema de proteção integral ao estigmatizar o adolescente como criminoso habitual”, concluiu o ministro ao reduzir a condenação para um ano e oito meses de reclusão, estabelecer o regime aberto e substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

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HC 240.139

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