Senso Incomum

Juiz diz: se MP requer absolvição, não há mais pretensão; e absolve réu

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22 de fevereiro de 2024, 8h00

1. O papel do Ministério Público no processo penal: além de titular da ação penal, é só um opinador?
Recentemente ingressamos, em nome da Anacrim, com ADPF para ver a declaração de não recepção do artigo 385 do Código de Processo Penal. A inicial pode ser vista aqui anexa à matéria do ConJur.

Logo veio uma polêmica. MP só opina, não requer, dizem alguns. Outros se assustam e dizem: o que vamos colocar no lugar? Quem controlará o MP? Ainda há os que se contentam com o que já vem sendo decidido, pavimentando cada vez mais a estrada do realismo jurídico, tão ao gosto da comunidade jurídica brasileira: o Direito é o que os tribunais dizem que é.

Os subscritores da ADPF somos mais otimistas. Apenas pedimos o cumprimento da Constituição. Poderíamos ter pedido soluções alternativas como interpretação conforme ou apelo ao legislador. Preferimos, no entanto, de forma ortodoxa, apostar na jurisdição constitucional: se é inconstitucional, tem de tirar do ordenamento. E, convenhamos, não parece adequado à Constituição a permanência de um dispositivo que diz que o papel do MP é meramente de opinador do processo. Como integrante do MP por 29 anos, fico aborrecido quando se tenta rebaixar o papel do Ministério Público. MP é agente político do Estado. É uma magistratura. Tem as mesmas garantias. Logo, se o próprio STF já reconheceu que o sistema é acusatório, qual é o sentido de um dispositivo inquisitorial que vem das profundezas do Estado Novo da década de 40 do século passado? Eis um bom tema para seminários nas faculdades e cursos de pós.

2. E o juiz de Porto Alegre aplica a Constituição corretamente
Pois nesta coluna quero mostrar que ninguém deve se assustar com a novidade. Que nem é tão novidade. A 5ª Câmara do TJ-RS, aos tempos de Amilton Bueno de Carvalho, quando eu era procurador de Justiça, já a praticava. Há duas décadas.

Em Porto Alegre, recentemente, o juiz Roberto Coutinho Borba proferiu uma decisão adequada à Constituição, ao considerar não recepcionado o artigo 385 do CPP. Em uma ação penal, o Ministério Público requereu a absolvição do acusado. Disse o promotor que da análise do conjunto probatório não era possível concluir pela prática delitiva, razão pela qual requeria a absolvição forte no artigo 386, inciso VII, do CPP.

Spacca

O juiz Roberto mostrou na sentença que a inércia do magistrado é a garantia da sua imparcialidade. E isso é nada mais nada menos que o sistema acusatório, já reconhecido pelo STF. A formulação de pedido de absolvição implica evidente desistência da pretensão acusatória, diz o juiz Roberto, citando Paulo Rangel e Aury Lopes Jr, para quem a base indispensável do processo não é a lide ou o conflito de interesses, mas sim o exercício de uma pretensão (logo, se o acusador deixar de exercê-la, o processo perde a sua sustentação).

Eis uma sentença modelo de sistema acusatório. E vejam: o Ministério Público sai fortalecido. E a magistratura também. Por qual razão o juiz poderia condenar se já não há pretensão acusatória?

É essa a pergunta que levamos na ADPF 1.022 para a Suprema Corte responder.

Do mesmo modo, se Ministério Público é contra, juiz não pode decretar preventiva em audiência de custódia, conforme já escrevi há alguns dias aqui no ConJur.

 

 

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