Direito Eleitoral

Cassação e/ou inelegibilidade: regra do tudo ou nada tem meio termo

Autor

  • Allan Titonelli Nunes

    é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

5 de fevereiro de 2024, 12h22

Proteger a violação à legislação eleitoral e manter o eleitor blindado contra as práticas ilegais no período eleitoral tem sido um desafio para o legislador, operadores do direito e a Justiça Eleitoral. A cada eleição, repetem-se notícias que candidatos, partidos, coligações e agentes públicos praticaram atos de corrupção e de abuso de poder para conseguirem o sucesso nas urnas.

O mais grave dessa infeliz reincidência é que muitos desses abusos são cometidos com uso do Poder Público. É quase como um jogo de gato e rato, na medida em que a cada ano buscam-se soluções diferentes para burlar a legislação.

Hipóteses
De outro lado, a legislação eleitoral prevê três hipóteses principais de sanções para casos de sua violação: multa, cassação do registro/diploma/mandato e a inelegibilidade.

Há algumas considerações relevantes a serem feitas a respeito da cassação e da inelegibilidade, as quais devem seguir o rito previsto no artigo 22 da Lei Complementar n° 64/90. Isso porque, não se deve confundir as elementares do tipo objetivo do abuso de poder com a responsabilidade subjetiva dos candidatos beneficiados por alguma dessas infrações eleitorais, conforme se extrai da leitura conjugada dos incisos XIV e XVI do artigo 22 da Lei Complementar n° 64/90.

Aplica-se a inelegibilidade para aqueles que “hajam contribuído para a prática do ato” ilegal, bem como a cassação do registro/diploma/mandato do candidato diretamente beneficiado pela interferência do abuso de poder. Logo, se não comprovado que o candidato teve participação direta no ato, ainda assim ele pode ter cassado seu registro/diploma/mandato, se tiver sido beneficiado.

Reponsabilização
A responsabilização pela prática ilícita, com cominação de inelegibilidade, não pode advir, exclusivamente, de elementos como o benefício eleitoreiro auferido em virtude da prática do ilícito, fazendo-se necessária uma análise da responsabilidade individual do candidato.

Mesmo que não comprovada atuação direta do candidato, seja na modalidade culposa, dolosa ou até mesmo o seu prévio conhecimento, a gravidade e reprovabilidade da conduta, que viola a igualdade de condições da disputa, exige a cassação do mandato, como forma de restabelecer a legitimidade do pleito, mesmo que seja por ato de terceiro, conforme fundamentado por Marilda Silveira [1].

Entendimento
Esse é o entendimento reiterado do TSE, conforme Ac.-TSE, de 3.11.2016, no AgR-REspe nº 958 e, de 18.9.2014, no AgR-AI nº 31540: “o abuso de poder prescinde da demonstração de responsabilidade, participação ou anuência do candidato, bastando a comprovação de que se tenha beneficiado”.

Nesse sentido, não há como o candidato alegar desconhecimento, exigindo a participação e o envolvimento direito do candidato em todas as questões da campanha, para evitar ações ou omissões que possam resultar na cassação do seu registro/diploma/mandato.

De outro lado, nos termos da remansosa jurisprudência do TSE, a sanção de inelegibilidade tem natureza personalíssima, por esse motivo incide apenas em face de quem efetivamente praticou ou anuiu com a prática da conduta (Recurso Especial Eleitoral nº 060201031, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação:  DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 41, Data 08/03/2021).

Ou ainda, como fundamentado por Volgane Oliveira Carvalho [2]:

“A condenação do agente em decorrência da realização de condutas abusivas não é suficiente por si só para gerar a inelegibilidade. A restrição ao direito à elegibilidade não pode ser presumida, sendo imprescindível para a sua ocorrência que este comando conste de forma expressa, clara e isenta de dúvidas do dispositivo da sentença que julgou procedente a ação.”

Lindb
De outro lado, após a publicação da Lindb (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), a qual trata de princípios de aplicação de sanções no direito público, exigindo o dolo, o professor Wederson Advincula defende que afastaria completamente a sanção decorrente da culpa.

Inclusive esta é exatamente a mudança recente promovida nas ações de improbidade, que agora exige o dolo específico. Dessa forma, partindo dessas premissas, deveria ser comprovada, no mínimo, uma anuência dolosa com o ato ilícito para declarar o candidato inelegível.

Trazendo esses parâmetros para as ações que discutem o abuso de poder econômico na pré-campanha, tema em debate na Justiça Eleitoral, incluindo a discussão a respeito da desistência de candidaturas e a concorrência para outro cargo, conforme exposto pelo autor no artigo “Gastos excessivos na pré-campanha: estratégia ou benefício?”[3], é preciso fazer alguns apontamentos.

Primeiro, a forma de pagamento dos gastos na pré-campanha. Se o próprio candidato fez gastos com recursos próprios, acaso seja configurado o abuso de poder econômico, com cassação do registro/diploma/mandato, inevitavelmente terá cominada a pena de inelegibilidade.

Se os gastos foram patrocinados por terceiro, como partido político ou outra pessoa, para cominação da inelegibilidade, necessária a demonstração da mera anuência, ou seja, mesmo que não tenha praticado o ato tenha concordado com ele.

Nesse acaso, talvez até mais fácil, pois o “pré-candidato” em geral está envolvido diretamente com o ato patrocinado, pois o que se busca na “pré-campanha” é justamente a alavancagem da imagem do mesmo. Portanto, quase impossível uma iniciativa envolvendo diretamente o pré-candidato em que ele ao menos não tenha anuído, importando nesse caso a aplicação da inelegibilidade também.

Contudo, como argumento de defesa, poderia ser explorada a tese defendida pelo professor Wederson Advincula, exigindo um ato doloso específico em relação a essa anuência. Não cabendo, ao meu sentir, qualquer argumentação referente a boa-fé para tentar afastar a inelegibilidade.

Como o entendimento sobre o abuso de poder econômico na pré-campanha tem muitos contornos ainda não regulamentados, espera-se que o Tribunal Superior Eleitoral estabeleça parâmetros, como já fez em outros casos, até como forma de dar maior segurança jurídica, traçando premissas de caráter geral.

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[1] SILVEIRA, Marilda de P. Conduta Vedada e Abuso de Poder: como lidar com o nexo de causalidade em ato praticado por terceiro. Resenha Eleitoral, Florianopolis, SC, v. 21, n. 1, p. 29–42, 2017. DOI: 10.53323/resenhaeleitoral.v21i1.88. Disponível em: https://revistaresenha.emnuvens.com.br/revista/article/view/88. Acesso em: 15 set. 2023.

[2] CARVALHO, Volgane Oliveira. Manual das inelegibilidades: com comentários à Lei das inelegibilidades e jurisprudência atualizada do TSE e STF. Juruá. 4 ed. rev. e atual. 2022. pág. 348.

[3] NUNES. Allan Titonelli Nunes. Gastos excessivos na pré-campanha: estratégia ou benefício? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-ago-28/direito-eleitoral-gastos-excessivos-pre-campanha-estrategia-ou-beneficio/. Acesso em: 25 jan. 2024.

Autores

  • é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE/RJ, mestre em Administração Pública pela FGV, especialista em Direito Tributário, ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (ABRADEP).

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