contrasenso jurisprudencial

TSE discute se faz sentido fraude à cota de gênero eliminar eleição de mulheres

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8 de maio de 2024, 9h46

O Tribunal Superior Eleitoral vai decidir se, em casos excepcionais, é possível manter a eleição de mulheres para cargos proporcionais mesmo quando a chapa composta por elas teve candidaturas femininas fictícias.

Floriano de Azevedo Marques propôs manter válidos os votos da única vereadora eleita, apesar da fraude na chapa dela

A proposta foi feita pelo ministro Floriano de Azevedo Marques, em voto-vista sobre um caso registrado na cidade de Granjeiro (CE). O julgamento foi interrompido por novo pedido de vista, desta vez da ministra Cármen Lúcia.

A ideia apresentada vai de encontro à jurisprudência pacífica do TSE, no sentido de que a ocorrência da fraude à cota de gênero deve levar à cassação de toda a chapa, com a anulação dos votos das legendas envolvidas e recálculo do quociente eleitoral.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, essa orientação prevaleceu inclusive nos casos em que a cassação da chapa teve com consequência a perda de mandato de mulheres muito bem votadas.

Relator, o ministro Andre Ramos Tavares votou de acordo com a jurisprudência. O distinguishing (distinção) proposto decorre do fato de que, em Granjeiro, isso vai derrubar a única mulher eleita para a Câmara de Vereadores. E ela será substituída por um homem.

Uma eleita

Em Granjeiro, apenas dois partidos tiveram candidatos para vereador em 2020. O PSDB cumpriu a cota de gênero e destinou 30% de sua lista para mulheres, mas não elegeu nenhuma.

Já o Republicanos usou duas candidatas-laranja, que tiveram votação zerada. Por outro lado, elegeu uma mulher: a segunda mais bem votada, a única a integrar a Câmara dos Vereadores, Renagila Viana.

Sozinha, ela recebeu 400 votos, que representam 64,6% de todos os votos dados a mulheres na pequena cidade cearense em 2020. Desde então, ela vem atuando ao lado de oito outros homens eleitos.

No voto-vista, o ministro Floriano de Azevedo Marques observou que não há qualquer indício de que Renagila tenha se envolvido na fraude à cota de gênero. Para ele, não faz sentido ela perder o mandato.

Assim, cassar o registro de sua candidatura significará decidir contra o objetivo da cota de gênero instituída na lei eleitoral. “Em suma, se estará incrementando um maior desequilíbrio na representação feminina”, disse.

Para Alexandre de Moraes, relativizar jurisprudência terá consequências perigosas para 2024

Modulação

A proposta do ministro Floriano é de modular os efeitos do julgamento do TSE, de modo a anular apenas parcialmente os votos da legenda.

Nesse caso, os votos destinados aos homens do Republicanos são anulados. Já os votos das mulheres seguem válidos. Isso é possível porque nenhuma das candidatas laranjas obteve sequer um voto — nem delas próprias.

Com a anulação parcial, o quociente eleitoral precisará ser recalculado, o que não será suficiente para afastar a eleição de Renaglia Viana.

Reflexão

A ministra Cármen Lúcia pediu vista, já destacando que, em outros casos, foi absolutamente contra relativizar a aplicação da lei. O ministro Alexandre de Moraes pediu a palavra para sugerir uma reflexão dos colegas.

Para ele, não há por que se falar em cota de gênero se o TSE vai permitir qualquer tipo de relativização das fraudes que acabam deturpando e prejudicando o entendimento global que existe sobre cota de gênero.

“Se nós formos permitir que os fins justifiquem os meios, vamos retornar ao que era antes, em que tínhamos 30% de mulheres, mas só 5% do fundo partidário destinado para uma única mulher, geralmente parente do dirigente, mulher do deputado, filha do senador”, disse.

“Não podemos dar o recado de que basta apostar em uma mulher: se ela for eleita, todas as outras podem nem participar da eleição”, continuou. E deu o exemplo de São Paulo, onde os partidos podem lançar até 71 candidatos para a Câmara.

Assim, para cumprir a cota, seriam preciso 22 mulheres. Se essa posição prevalecer, bastará escolher uma e despejar nela todo o dinheiro destinado às mulheres. Ela vai se eleger. As outras 21 candidaturas poderão ser fictícias, sem consequências. “Aí não precisa respeitar a cota nunca mais.”

Respe 0600003-05.2021.6.06.0062

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