Licitações e Contratos

Licitação em conselho de classe profissional tem maior liberdade de forma

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

2 de fevereiro de 2024, 10h12

O artigo 1º da Lei nº 14.133/2021 noticia que tal diploma “estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Assim sendo, considerando a induvidosa premissa de que os conselhos de classe profissional são considerados autarquias especiais e têm personalidade jurídica de Direito Público, por igual devem sofrer as inflexões da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.

Ocorre que os ditos conselhos de classe, apesar de serem qualificados como autarquias especiais, possuem uma atipicidade que lhes promove uma distinção, teoricamente simbólica, mas que, na prática, deve ser interpretada com uma certa margem de maleabilidade.

Entendimento do STF
Quanto a esse ponto, deve-se levar em consideração que o Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacífico — no julgamento conjunto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 36, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.367 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 367 — no sentido de que os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista.

Logo se vê que as ditas autarquias especiais possuem todos os diferenciais denotados à administração direta, autárquica e fundacional, havendo, porém, uma minúcia que retira de tais entidades a caracterização, por completo, de uma administração mais rígida: o regime trabalhista.

Para o que importa, se a jurisprudência da Corte Suprema entende que pode existir uma zona tangente para os conselhos de classe profissional, ao menos na relação trabalhista, sendo, inexoravelmente, uma contunde exceção prejudicial à natureza jurídica que é conferida às autarquias, por outro lado é plenamente possível conjecturar a aplicação mais individualizada da Lei nº 14.133/2021.

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Mais liberdade
Cada entidade de classe possui especificidades sugestivas, as quais não necessariamente podem impor um mesmíssimo regime de contratação. Assim como ocorre nas estatais — empresas públicas e sociedades de economia mista (e suas subsidiárias) prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica —, cujo regime de contratação pública é mais flexível do que o da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, nos conselhos de classe profissional poderia ser adotado um regime mais ajustável, com maior liberdade de formas, sem que reste caracterizada qualquer afronta aos princípios que regem a administração pública.

Há, por certo, um maior paralelismo entre as estatais e as ditas autarquias especiais do que entre estas e a administração autárquica. Notoriamente, a incidência de um regime celetista causa mais aproximação às estatais do que à administração pública direta, autárquica e fundacional, cujo vínculo laboral é extremamente diverso, porquanto fincado na estabilidade típica de um regime estatutário.

A liberdade de formas que é conferida às estatais pela Lei nº 13.303/2016 — especialmente no artigo 68, que aplica, prioritariamente, regras de Direito Privado aos contratos regidos pela alusiva lei — pode ser aplicada aos conselhos de classe profissional sem desnaturar o pleno exercício de suas atividades, sobretudo porque já existe flexibilidade, como mencionado, em relação ao regime de emprego.

Às estatais, com maior ou menor rigor, também incidem controles pelos órgãos de controle externo, regime de contratação pública (regido por outra legislação, mas que, ao final, não desabona a isonomia e demais princípios), bem assim, concretizando o tripé da reserva constitucional de Direito Administrativo, a necessária realização de concurso público para os empregados públicos, que, tal qual as autarquias especiais, são regidos por regime celetista.

Identidade dos conselhos de classe
É inimaginável considerar que um conselho de classe profissional possui plena identidade com uma autarquia, fundação pública de Direito Público ou com a administração direta se se submete às raias de outra jurisdição, a trabalhista, fator que afasta, inclusive, a natural estabilidade para o pleno desempenho de funções essenciais, como aquelas exercidas no curso de um processo de contratação pública.

Exemplificativamente, se é certo que um conselho de classe profissional detém um órgão de assessoramento jurídico, jamais este órgão pode ser encartado dentro do rol da advocacia pública, organizada, no âmbito da União, nas estruturas da Advocacia-Geral da União. No mesmo sentido, o controle interno dessas autarquias especiais é um tanto diverso do controle praticado no seio da administração mais rígida (direta, autárquica e fundacional).

O próprio processo de demissão é completamente dessemelhante, porque, aos empregados dos Conselhos de Classe Profissional, não se aplica a Lei nº 8.112/1990, atraindo uma demissão mais flexível.

Assim que, se há plasticidade em relação às mais diversas perspectivas, não se deve interpretar como desvio normativo franquear, às referidas autarquias especiais, uma conformidade mais próxima às estatais, conferindo-lhes uma instrumentalidade de formas incipientemente encontrada nas pessoas jurídicas de Direito Privado, integrantes, por igual, da estrutura da administração pública indireta.

Talvez, seja um bom caminho a ser perfilhado, insinuando experiências mais promissoras, as quais, por certo, podem, em um futuro próximo, estender-se a toda administração pública, cuja eficiência gerencial deve, necessariamente, ter mais prevalência do que meros arroubos burocráticos formais.

 

 

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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