Opinião

PL 03/2024: falsa promessa de celeridade e eficiência

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11 de abril de 2024, 7h06

Em janeiro deste ano o governo federal enviou ao Congresso, em regime de urgência constitucional, projeto de lei propondo alterações ao processo falimentar previsto na Lei 11.101/2005. Na Câmara dos Deputados, ele passou a tramitar como PL 03/2024. [1]

Se a versão que saiu do Ministério da Fazenda já era digna de muitas críticas [2], a situação ficou ainda mais preocupante após a apresentação, por parte da parlamentar que foi relatora do projeto na Câmara dos Deputados, de um substitutivo.

Além de prever as figuras do gestor fiduciário e do plano de falência, ele mudou significativamente as regras de nomeação e remuneração dos administradores judiciais, ampliou a blindagem prevista na parte final do § 3°, do artigo 49, alterou o quórum da assembleia de credores, dentre muitas outras alterações [3].

Se pensarmos que não houve uma prévia discussão com a comunidade envolvida a respeito dos contornos do anteprojeto — e muito menos do substitutivo apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados em apenas dez dias —, a quantidade e a magnitude das mudanças propostas na Lei 11.101/2005 é tamanha, que é certo dizer que se torna absolutamente incompatível com o regime de urgência [4].

Não há dúvida, portanto, que esta reforma, uma das maiores já feitas no sistema de insolvência brasileiro, está sendo realizada de forma atropelada [5].

mindandi/Freepik

Já há vários textos publicados alertando a respeito dos problemas decorrentes de uma eventual aprovação do projeto, seja pela escassez de profissionais especializados, pela inutilidade da figura do gestor fiduciário na esmagadora maioria dos casos de falência, pelos retrocessos em relação aos avanços realizados pela Lei 14.112/2020 ou pela conflituosidade existente entre os credores. A estes somam-se vários outros artigos que vêm sendo diariamente publicados perante a imprensa especializada.

Um ponto comum entre os fundamentos apresentados na exposição de motivos elaborada pelo Ministério da Fazenda e no parecer da deputada relatora na Câmara dos Deputados é a necessidade de se imprimir maior celeridade e eficiência aos processos falimentares. Mas será mesmo que o PL 03/2024 tem tal aptidão?

Para um projeto de lei com tamanho impacto no sistema jurídico de tutela da crise empresarial, era de se esperar uma exposição de motivos bem elaborada e detalhada, o que não aconteceu, mas do pouco que foi escrito pode-se inferir que o PL 03/2024 se propôs a reduzir a morosidade dos processos falimentares, por meio de mecanismos que pretensamente visam melhorar a “governança do processo falimentar, ampliando a participação dos credores, tornando-os protagonistas do processo, pois são eles os maiores interessados na liquidação eficiente dos ativos.

Não é difícil concluir, portanto, que o PL 3/2024 — seja em sua versão originária, seja em sua versão atual que tramita perante o Congresso — parte da premissa de que os processos de falência são morosos por conta da baixa adesão dos credores. E para que este cenário seja alterado, é preciso que o administrador judicial [6] seja substituído por um agente indicado por estes.

Projeto com falhas

O projeto é repleto de falhas e imprecisões, com alto potencial de gerar dúvidas e insegurança. Ao se analisar, por exemplo, o início do procedimento logo após a sentença de quebra, isso já fica muito claro.

Nos termos da versão originária do PL 03/2024, na sentença de falência, o juiz nomearia o administrador judicial provisório e convocaria a assembleia de credores para eventual substituição deste pelo gestor fiduciário [7].

Se a falência fosse fruto de pedido de autofalência, ou até mesmo de convolação de recuperação judicial em falência, seria de se imaginar que existisse nos autos relação de credores que pudesse embasar uma assembleia de credores, muito embora na hipótese de convolação ela demandaria uma série de ajustes.

Porém, e se o pedido de falência tivesse tramitado à revelia do devedor ou mesmo se o falido ou os seus representantes simplesmente deixassem de cumprir a determinação de levar aos autos a relação de credores? Quem milita na área sabe que ambas as hipóteses não são incomuns, ao contrário.

Nesse caso, como se realizaria a assembleia? E o substitutivo ainda consegue piorar a situação ao exigir que a assembleia se realize dentro de 60 dias da sentença de falência e que se baseie na relação de credores elaborada pelo administrador judicial provisório [8]. Já começa a ficar claro que o administrador judicial provisório não será tão provisório assim.

Fica novamente o convite para quem milita na área a pensar se o proposto se realizaria no mundo real. Por sinal, nem no mundo irreal e idealizado pelo substitutivo isso é possível. A assembleia de credores tem que ser realizada em até 60 dias da sentença de falência, a mesma sentença que vai determinar ao falido que apresente em cinco dias a relação de credores [9].

Spacca

Somente com a chegada da relação aos autos é que o edital de falência poderá ser publicado [10] e, com ele, o prazo de 15 dias para apresentação de habilitação e/ou divergência se iniciará, sendo que, ao término deste, é que então se abrirá o prazo de 45 dias para que o administrador judicial provisório elabore a relação a que se refere o artigo 7º, § 2º, da Lei 11.101/2005.

Portanto, nem se os prazos previstos em lei fossem rigorosamente cumpridos seria possível realizar uma assembleia de credores, com base na relação de credores do administrador judicial provisório, em 60 dias da sentença de falência.

O descompasso é tamanho que o inciso V, do artigo 83-C, que o substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados propõe seja acrescentado à Lei 11.101/2005, determina que seja apresentado como anexo ao plano de falência a “relação das impugnações de crédito apresentadas tempestivamente e de modo retardatário (!!!), até o momento da elaboração do plano”.

Enquanto a assembleia — que possivelmente não ocorrerá em 60 dias da sentença de quebra — não indicar o substituto do administrador judicial provisório competirá a este uma série de providências como, dentre outras coisas, arrecadar os bens, ultimar os atos do falido, exercer a representação da massa falida nas ações em curso e nas que vierem a ser ajuizadas após a quebra, incluindo aí a contratação de advogado para a defesa da massa[11], enviar correspondências aos credores, confeccionar a relação de credores, presidir a assembleia de credores,  elaborar o plano de falência que vai ser executado pelo gestor fiduciário que virá a substituí-lo no futuro etc.

Ou seja, muito diferente do que o adjetivo provisório poderia supor. Não é difícil perceber que o administrador judicial provisório tenderá a desempenhar uma parte significativa das tarefas de impulsionamento do processo, podendo acabar restando ao gestor fiduciário apenas a alienação dos ativos e o pagamento aos credores.

E nesse ponto reside uma grave distorção, talvez passível até de reconhecimento de inconstitucionalidade, a respeito da distinção no tratamento das remunerações do administrador judicial provisório (que somente poderá ser fixa, nos termos dos §§ 1º-A e § 5º [12], inseridos ao artigo 24, da Lei 11.101/2005, pelo substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados) e do gestor fiduciário, que poderá receber percentual sobre os ativos realizados, por exemplo.

Função do administrador judicial

Após a Lei 14.112/2005, o administrador judicial passou a ter o dever, “salvo por impossibilidade fundamentada, reconhecida por decisão judicial” [13], de realizar o ativo em 180 dias, sob pena de destituição, o que implica perder a remuneração na falência em questão e não poder atuar como administrador judicial nos próximos cinco anos.

O estímulo não é apenas financeiro, mas também é de afastar a possibilidade de vir a sofrer uma penalidade gravíssima como o não exercício da atividade durante um quinquênio.

Nos termos do projeto, o administrador judicial provisório ainda seguirá tendo que realizar uma boa parte das tarefas de condução do processo. No entanto, além de ter que fazer isso em um prazo inexequível, lhe foi retirado o estímulo financeiro, o que praticamente inviabiliza o exercício profissional da atividade e, talvez por isso, não lhe foi imposta qualquer exigência para cumprimento tempestivo dos prazos previstos.

O PL 03/2044 se esquece, porém, que sem um administrador judicial eficiente e comprometido, não haverá relação de credores, nem plano de credores, nem tampouco haverá assembleia de credores para deliberar sobre escolha do gestor fiduciário. Em verdade, a proposta mantém o administrador judicial como a figura principal para impulsionar celeremente a falência.

São descompassos tão flagrantes que fazem com que não cause estranheza tamanha disfuncionalidade do que está em pauta no Congresso. Em síntese, o projeto supõe que em 60 dias da sentença de falência:

  1. o falido ou seus representantes levem aos autos a relação de credores e que seja publicado o edital da quebra, assim como o edital convocatório da assembleia;
  2. a fim de viabilizar a confecção do plano de falência, sejam localizados e arrecadados ao menos os mais relevantes bens do devedor;
  3. seja elaborada a relação de credores prevista no artigo 7º, § 2º, da Lei 11.101/2005;
  4. e seja confeccionado o plano da falência.

A pergunta que fica aos que atuam na área: é crível imaginar que isso seja minimamente realizável? Lembrando que o administrador judicial provisório ainda terá que trabalhar com o desestímulo de saber que sua atuação é provisória e que será oportunamente substituído pelo gestor fiduciário, o qual não apenas ficará com os louros, mas também com o resultado financeiro de seu trabalho.

Só para se ter uma ideia, quando há necessidade de expedição de ofícios para localização de bens (oficial de registro de imóveis, comissão de valores mobiliários, Banco Central, Detrans etc.) muitas vezes 60 dias não são suficientes sequer para envio e retorno de tais ofícios.

Aliás, como visto acima, quando ainda não há uma relação de credores nos autos — nos casos de autofalência ou convolação de recuperação judicial em falência —, esse prazo não é suficiente nem para que seja publicado o edital de quebra, previsto no artigo 99, § 1º, da Lei 11.101/2005, cuja relação de credores é parte integrante.

Se já é irreal imaginar que em menos de 60 dias seja possível ter a relação de credores elaborada pelo administrador judicial provisório nos autos, o projeto consegue ir além, pois ele prevê que, também em 60 dias, o próprio plano de falência seja apresentado, olvidando-se que é parte integrante deste, como anexo, a relação de credores do artigo 7º, § 2º, da Lei 11.101/2005!

E nem poderia ser diferente, pois não faz sentido imaginar o plano de falência, que também funcionará como um plano de pagamentos, ser elaborado sem a relação de credores.

Plano de falência

O plano de falência é peça fundamental dentro da dinâmica criada pelo PL 03/2024. Nos termos do artigo 82-C, V e § 1º, III, que o substitutivo aprovado na Câmara [14] propõe seja acrescentado, o plano pode impor desconto aos credores, os quais só podem apresentar oposição se representarem “no mínimo, dez por cento do total de créditos” (conforme artigo 82-D) [15].

No entanto, apesar de sua grande importância, será tal peça elaborada por quem está de saída, já que o administrador judicial será figura provisória. Não bastasse esse grande elemento de desestímulo ao autor do plano, ainda se soma o fato de que ele possivelmente venha a ser elaborado com deficiência de informações, pois, pelo projeto, a avaliação não será mais exigida quando da arrecadação [16], fora a já citada situação de que, em muitos casos, em 60 dias é muito provável que não esteja nos autos a relação de credores do administrador judicial nem tampouco tenha ocorrido a arrecadação de todos os ativos do devedor.

Isso tudo que foi dito acima é apenas uma pequena parte das muitas imprecisões, equívocos e campos de dúvida potencialmente geradores de insegurança. Fica claro que, decretada a quebra do devedor, ao invés de encetar um procedimento lógico e racional, se abrirá caminho para uma confusão generalizada, pois os prazos não são exequíveis e as atribuições ao administrador judicial provisoriamente nomeado serão inúmeras, tudo na contramão das promessas feitas tanto na exposição de motivos do projeto quanto no parecer da relatora que acompanhou o substitutivo apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados.

Da forma proposta, nem nas grandes falências que, talvez, possam ter sido o maior fator de motivação para tamanha mudança, funcionem as medidas propostas pelo projeto, já que, mesmo nestes casos — ou, especialmente neles! —, a busca por ativos é ainda mais complexa. As falências do Banco Santos e da Varig são emblemáticos exemplos disso.

O projeto se coloca na condição de remédio para os problemas envolvendo a morosidade e a ineficiência das falências, mas, como visto, não tem a menor capacidade para tanto, uma vez que celeridade e eficiência exigem clareza, transparência, precisão e segurança.

Além disso, dizer que o problema das falências brasileiras é a baixa proatividade dos credores, e que isso se resolveria com um plano de falência elaborado por um administrador judicial provisório e executado por um gestor fiduciário indicado pelos credores, é um completo sem sentido.

Essa afirmação faz parecer que não é dado aos credores participarem dos feitos falimentares, o que é falso. Eles podem tanto constituir comitê como, em assembleia, interferir ativamente nos mecanismos de alienação dos ativos.

Se a premissa de que o problema das falências é a baixa participação dos credores fosse verdadeira, as execuções individuais, que são patrocinadas unicamente pelos seus respectivos credores, deveriam ser céleres e eficientes, o que não é verdade.

A ineficiência das execuções, individuais ou coletivas, não tem a ver unicamente com problemas ou limitações processuais, mas também se relaciona com a escassez de bens expropriáveis. Basta ver, por exemplo, os números envolvendo a taxa de recuperação de crédito no Brasil, tanto envolvendo créditos particulares quanto aqueles cobrados nas execuções fiscais.

A julgar pelo que pretensa e declaradamente motiva a alteração do procedimento falimentar brasileiro, poderíamos dizer que está faltando proatividade aos credores, incluindo aí as fazendas públicas, no patrocínio de suas execuções individuais, eis que têm elas baixas taxas de eficiência.

Aquilo que se propõe no projeto tende a piorar esse cenário, pois, muitas vezes, a busca de ativos do falido depende do manuseio de medidas judiciais, por vezes envolvendo, inclusive, cooperação internacional, como na repatriação de ativos. Pelo que se propõe, não haveria tempo nem estímulo para tanto.

Aliás, em uma leitura inicial, pode-se dizer que o próprio plano de falência pode contribuir para a demora. Além de todo o desarranjo acima mencionado envolvendo sua confecção, tem-se ainda o potencial de litigiosidade em torno dele.

Sim, é verdade que tanto a redação originária quanto a do substitutivo preveem que a alienação dos ativos se realize “independentemente de autorização judicial” [17]. Em tese, se o plano for dotado de absoluta clareza a ponto de não ser passível de levantar nenhum tipo de dúvida no momento de sua execução, sim, seria possível realizá-lo “independentemente de autorização judicial”.

No entanto, não se pode esquecer que o resultado da assembleia que, porventura aprovar o plano, vai depender de homologação judicial. Ante dela, porém, deverá ser oportunizada aos credores e ao falido (e por que não ao Ministério Público?) a apresentação de oposição [18].

O projeto silencia-se a respeito, mas parece ser uma exigência do contraditório e ampla defesa que se dê a chance para que o gestor fiduciário e/ou os credores que anuíram ao plano falem a respeito da oposição apresentada. É bastante razoável, ainda, que após isso o magistrado abra vista ao promotor de justiça.

Somente após isso é que, eventualmente, se teria uma decisão homologatória a qual, evidentemente, desafiará os recursos inerentes, em relação aos quais ainda poderá ser atribuído efeito suspensivo. Quem conhece o ambiente das recuperações judiciais sabe que entre o ato convocatório da assembleia e a preclusão da decisão homologatória concessiva da recuperação judicial há, muitas vezes, um longo caminho.

Alguém poderia dizer: “ah, mas depois disso o gestor judicial poderá alienar os bens ‘independentemente de autorização judicial, pois a situação estará, enfim, estabilizada”. A este sugere-se a leitura do artigo 82-F [19], que prevê a possibilidade de o gestor fiduciário ou credores que representem, no mínimo, 25% do total dos créditos, poderem requerer a convocação de assembleia de credores para deliberar sobre proposta de atualização ou modificação do plano e, com isso, se reinicia tudo aquilo que acima foi dito.

Ou seja, aquela ideia simplista prevista na exposição de motivos apresentada pelo Ministério da Fazenda na qual, “para acelerar o processo falimentar, a proposta dispensa a aprovação judicial para os atos relativos ao plano de venda de ativos e aos pagamentos dos passivos após o plano de falência ter sido aprovado pela assembleia geral dos credores e homologado pelo juiz”, está longe de representar um mecanismo que efetivamente contribua para a celeridade processual.

É claro que celeridade e eficiência são atributos mais do que desejáveis ao sistema de justiça, não apenas envolvendo a falência. Vale lembrar que celeridade foi alçada à condição de garantia fundamental pela Emenda Constitucional 45/2004.

Que país não quer e que economia relevante não necessite de execuções, coletivas ou não, rápidas e que garantam o recebimento do crédito por parte do credor? É óbvio, também, que ideias como a de um administrador judicial nomeado pelos credores, ou mesmo de um plano de falência executado independentemente de autorização judicial, podem ser interessantes a depender de sua formatação.

No entanto, quando se ingressa no texto do PL 03/2024, seja em sua versão originária seja naquela que foi piorada e aprovada na Câmara dos Deputados, percebe-se que ele está muito distante de entregar um ambiente que possa propiciar celeridade e eficiência, ao contrário.

Agora, nos cabe aguardar e torcer para que o Senado evite que se realize o desmonte do sistema falimentar brasileiro.

 


[1] Desde o início, as significativas alterações propostas foram objeto de certa desconfiança perante especialistas, especialmente por conta do regime de urgência que lhe foi atribuído. Aqui mesmo na Conjur, foram veiculados alguns textos, dos quais podem ser destacados:

Gestor fiduciário: um retrocesso necessário?

Governo propõe nova figura nas falências, mas ideia não agrada a especialistas

A profunda alteração ao procedimento falimentar proposta pelo PL 3/2024

PL 03/2024: a caminho do naufrágio dos princípios gerais de direito

Gestor fiduciário e conflito de interesses no PL 03/2024: tergiversando a boa-fé objetiva

Falências: qual a urgência na sua modificação?

[2] Cássio Cavalli no www.agendarecuperacional.com.br foi um dos primeiros autores a alertar os muitos problemas e defeitos apresentados na versão originária do PL 3/2024.

[3] Como destacado por Pedro Rebello Bortolini, o Substitutivo proposto, e posteriormente aprovado pela Câmara dos Deputados, implicará em uma mudança ainda maior do que aquela imposta pela Lei 14.112/2020, daí a afirmação do autor, de que é preciso prudência ao se realizar alterações em tamanha escala: “O DL 7.661/1945, que disciplinou o direito falimentar brasileiro por sessenta anos, foi alvo de seis reformas legislativas (1960, 1966, 1973, 1977, 1984 e 1990). Numa conta simples, chegamos à média de uma reforma a cada dez anos. Além disso, dos cerca de 800 dispositivos daquela lei (contando as cabeças dos artigos, parágrafos, incisos, alíneas, etc.), foram objeto de alteração aproximadamente 90 deles. Ou seja, em 60 anos, cerca de 12% da lei foram alterados. E a Lei 11.101/2005? Ela ainda não completou 20 anos, mas também já foi modicada por seis leis diferentes (2005, 2013, 2014, 2019 e 2020). Ou seja, em média, temos uma reforma mais ou menos a cada três anos. Além disso, ao tempo da sua edição, a Lei 11.101/2005 tinha aproximadamente 700 dispositivos. Atualmente, tem mais de 1.100. Até hoje, 104 dispositivos da lei tiveram a sua redação alterada, 400 dispositivos foram acrescentados e 27 foram revogados, o que signica uma mudança da ordem de 70% da lei. […] A título de comparação, analisei como se comportou, nos últimos 20 anos, o Direito Falimentar norte-americano, frequentemente apontado como paradigma de eficiência. Coincidentemente, a reforma legislativa mais relevante do Bankruptcy Code ocorreu justamente em 2005, com o Bankruptcy Abuse Prevention and Consumer Protection Act. Desde então, não houve nenhuma grande reforma. Houve, sim, alterações pontuais importantes, além de medidas emergenciais por conta da pandemia, mas nada que alterasse radicalmente o sistema. Ora, se a velocidade das mudanças econômicas realmente impusesse frequentes alterações legislativas radicais, então era de se esperar que a principal economia do mundo tivesse seguido esse mesmo caminho. Mas não foi isso o que ocorreu nos Estados Unidos. E por um motivo bastante simples: o direito requer segurança, depende de estabilidade. Segurança jurídica não demanda apenas a previsibilidade das decisões. Também requer a estabilidade do próprio ordenamento jurídico. É prejudicial aos contratantes a insegurança sobre a norma que vai valer amanhã.

[4] A preocupação em relação à tramitação sob o regime de urgência foi objeto de manifestação de diversas entidades, sendo oportuna a leitura do texto de Eronides Santos, “Urgência, debate e democracia: o dilema do Projeto de Lei 03/2024 sobre falências empresariais”.

[5] Os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, Alexandre Lazzarini, Maurício Pessoa e Jorge Tosta, somaram-se a um extenso coro de especialistas que manifestaram preocupação a respeito da proposta. Para Alexandre Lazzarini “Nem o PL que redundou na lei de 2020 (Lei 14.112), que trouxe profundas mudanças em todo o sistema de falências, foi feito em regime de urgência. Me parece que não há razoabilidade nesse regime […] O que está sendo proposto é a introdução de um novo personagem no processo de falências, sob o argumento de que os credores terão maior participação. Nunca foi negada a participação dos credores no processo falimentar, pelo contrário. Tanto na falência quanto na recuperação judicial eles têm a oportunidade de instituir, por vontade deles, sem depender do juiz ou do administrador judicial, o comitê de credores”, Maurício Pessoa, por sua vez, menciona que “Recebi a notícia com surpresa e espanto, ante a absoluta inconveniência de se pensar em um projeto de lei sobre a matéria, considerando que recentemente (em 2020) houve uma reforma e que, dada a exiguidade do tempo, nem se tem como aferir a necessidade dessa revisão.” Segundo Jorge Tosta “Esse projeto de lei não veio no momento certo, veio de maneira açodada. Houve uma reforma recente da Lei de Recuperação Judicial e Falências, a qual nem discutimos ainda no âmbito do Poder Judiciário”.

[6] Atividade sobre a qual, com o pretexto de se moralizar, será operado um dos maiores retrocessos dos muitos propostos, pois as mudanças realizadas pelo Substitutivo vão na contramão da profissionalização da atividade ocorrida após a edição da Lei 11.101/2005, a qual implicou em reconhecido ganho de eficiência aos processos falimentares e recuperacionais.

[7] No Substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados prevê-se distinta redação ao artigo 99, IX, da Lei 11.101/2005: “IX – nomeará o administrador judicial, com mandato de até 3 (três) anos, para exercer provisoriamente as atribuições previstas nesta Lei e convocará, para até sessenta dias, a assembleia de credores para deliberação sobre a designação de gestor fiduciário que, se eleito, substituirá no mesmo ato o administrador e será imediatamente compromissado pelo juiz;”. O mandado de 3 anos e o prazo de 60 dias para a convocação da assembleia de credores foram inovações trazidas pelo Substitutivo em relação à versão enviada pelo Ministério da Fazenda.

[8]§ 1º Na hipótese prevista na alínea ‘d’ do inciso II do caput deste artigo, a assembleia geral deliberará a partir da relação de credores a que se refere o § 2º do art. 7º desta Lei ou de relação elaborada posteriormente, conforme estabelecido pelo juiz, observado o disposto nos arts. 38 a 42 desta Lei.”

[9]Artigo 99. […]

III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência;”

[10] Nos termos do § 1º, do artigo 99, da Lei 11.101/2005, tanto na redação em vigor quanto nas propostas de alteração realizadas pela versão do projeto do Ministério da Fazenda e do Substitutivo apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados.

[11] Imagine a hipótese de serem ajuizadas 1000 ações trabalhistas ou de consumidores contra a massa. De acordo com o Substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados a remuneração do escritório de advocacia que vier a realizar a defesa teria que se liminar ao “limite constitucional do serviço público federal”, conforme a nova redação proposta pelo Substitutivo ao § 1º do artigo 22, da Lei 11.101/2005. Para evitar a incidência de tal teto e viabilizar a prestação do serviço à massa poderia o administrador judicial provisório contratar vários escritórios para tal tarefa?

[12]§ 1º-A. Para remunerações fixas eventualmente pagas à pessoa natural de administrador judicial, deverá ser observado o limite máximo mensal equivalente ao teto limite constitucional do serviço público federal.”

§ 5º Para o administrador judicial provisório na falência, que não permaneça na função em razão da eventual eleição de gestor fiduciário pela assembleia geral de credores, será devida apenas remuneração mensal fixa e pelos meses em que efetivamente nomeado, nos termos e limites desta Lei, sem que lhe seja devida participação na remuneração variável, independentemente dos atos praticados.”

[13] Conforme artigo 22, III, j, da Lei 11.101/2005, com a redação que lhe foi dada pela Lei 14.112/2020.

[14] A redação abaixo é a do Substitutivo, similar àquela apresentada no projeto enviado ao Congresso Nacional pelo Ministério da Fazenda:

Art. 82-C. […]

V – plano detalhado para o pagamento dos passivos; e

[…]

§ 1º O plano de falência de que trata o caput deste artigo poderá contemplar, entre outros:

[…]

III – a obtenção de descontos em relação às classes de credores, observado o disposto no § 2º deste artigo e respeitados os arts. 82-G e 82-H desta Lei.”

[15] Na  versão enviada pelo Ministério da Fazenda exigia-se o mínimo de quinze por cento. Esse é outro ponto sensível e potencialmente gerador de conflituosidade e judicialização.

[16] O Projeto, em ambas as versões, prevê a mudança na redação do caput do artigo 108, da Lei 11.101/2005.

[17] Conforme artigo 82-E, de ambos.

[18] Conforme § 8°, do artigo 82-D, de ambas as versões.

[19] De ambas as versões do projeto.

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