Opinião

Para que e para quem o projeto de lei sobre insolvência é voltado?

Autor

  • Rubens Lobato Pinheiro Neto

    é sócio e advogado do escritório Pinheiro e Marcondes Machado Sociedade de Advogados graduado na Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado na Escola Paulista de Direito nas áreas de Direito Civil e Direito Processual Civil administrador judicial atuante nas Varas Especializadas de Falência e de Recuperação Judicial das Comarcas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluinte de diversos cursos de especialização como administrador judicial nas associações e institutos de insolvência mais renomados do país (TMA Ibajud Ibde entre outros).

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26 de março de 2024, 13h18

Recentemente o mundo da insolvência recebeu a notícia de que um novo projeto de lei estava sendo enviado à Câmara dos Deputados para “aprimorar o instituto da falência do empresário e da sociedade empresária”. Tratava-se do PL nº 3/2024 que inseria alterações na Lei nº 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência.

De acordo com a justificativa do projeto de lei, um dos principais propósitos da reforma seria o aprimoramento da governança do processo falimentar, ampliando a participação dos credores, “tornando-os protagonistas do processo”.

Lei nº 14.112/2020 x garrancho de lei

O primeiro questionamento que já levanto se refere ao propósito dessa “nova mudança”. Isto porque, há pouco mais de três anos, a Lei nº 11.101/2005 [1] passou por uma significativa alteração, introduzida pela Lei nº 14.112/2020 [2], após amplo debate feito pela comunidade jurídica, notadamente, na área que compreende os profissionais atuantes, entre eles, magistrados, promotores, advogados, administradores judiciais e o Congresso Nacional.

A Lei nº 14.112/2020, de fato, aprimorou o procedimento recuperacional e falimentar, introduzindo, por exemplo, e aqui falando de falência, o artigo 114-A [3] que possibilitou ao juiz, por meio de informação do administrador judicial e após inexistência de manifestação dos credores, o encerramento da falência, caso não houvesse bens a serem arrecadados na devedora ou se os bens fossem insuficientes para as despesas do processo.

Esse artigo de lei, na opinião deste subscritor, foi um verdadeiro revolucionário, pois criou alternativa para o encerramento daquelas falências intermináveis e que há muito não tinham qualquer interesse de credores em sua mantença.

Em se tratando de protagonismo, esse mesmo artigo, deixa claro, que qualquer credor poderá se manifestar em relação ao andamento do processo falimentar, frisando a importância de sua posição no processo e sua relevância quanto à eventual continuidade na busca de ativos.

Spacca

Já na recuperação judicial, por exemplo, os credores, em caso de desaprovação do plano de recuperação judicial do devedor, passaram a ter legitimidade para apresentar um plano alternativo, visando, impedir a convolação em falência e, claro, receber o que lhes é de direito. Outro protagonismo antes inexistente.

Vejam! Foram alguns exemplos que citei e que não apareceram do “dia para a noite”. Diferentemente deste “garrancho de lei”, digo, projeto de lei que quer alterar toda a sistemática da legislação falimentar e recuperacional sob a pecha de acelerar o processo.

Gestor fiduciário

Apenas para se ter ideia da inépcia do projeto, somente na semana passada, quando se esperava sua votação, que só não ocorreu por força de muita luta da comunidade jurídica especializada que tanto trabalhou durante estes anos para melhorar o processo de insolvência no país, a relatora do projeto apresentou dois relatórios substitutivos, alterando diversos pontos do texto inicial vindo do Executivo.

Em resumo, em menos de sete dias, tínhamos três versões da malfadada ideia de “revolucionar” o sistema de insolvência do país [4]. E aí aparecem mais questionamentos. Será que isso é lógico? Será que isso é razoável? Será que isso pode dar certo? É óbvio que não!

Não será a figura do gestor fiduciário, inserida e tão aclamada no projeto, que salvará as falências da duração prolongada. Não será o mandato do administrador judicial (limitado a três anos no projeto) que impedirá que o processo falimentar tenha solução instantânea.

Não será a diminuição da remuneração do administrador judicial (cuja nomeação ocorre a uma pessoa jurídica composta de uma equipe técnica multidisciplinar de advogados, contabilistas, administradores, peritos, entre outros – o que provavelmente não é de conhecimento dos “interessados pelo projeto”) que trará menos custos ao processo, já que, estranhamente a diminuição da remuneração (e aqui mais uma crítica) não é englobada ao gestor fiduciário.

Falando mais um pouco do gestor fiduciário. Observa-se que no projeto há o apontamento que deve ser ele, como ocorre com o administrador judicial, profissional idôneo. Mas esta idoneidade será apurada por quem? De acordo com o “apanhado legislativo”, pelos credores. Mas como isso ocorrerá? O Judiciário teria poder para intervir nesta eleição do gestor?

Pois bem. Atualmente, os administradores judiciais devem demonstrar a capacidade profissional e a idoneidade para assumirem os processos falimentares, ficando esta avaliação com o Poder Judiciário.

Tal Poder, antes mesmo de legitimar eventual administrador judicial, de pronto, demanda cadastro antecedente em portais próprios nos “sites” dos tribunais, apresentação de diversas certidões cíveis e criminais dos responsáveis pelas empresas pretendentes, entre outras atribuições e responsabilidades, para, então, possibilitar que um juiz o nomeie em um processo.

No caso do gestor, fica claro que este filtro não será mais do Judiciário. O §5º do artigo 21-A [5] criado no projeto, determina que, “em caso de decisão dos credores pela designação do gestor fiduciário, este será eleito no mesmo ato e substituirá o administrador judicial em todas as suas funções”. Ou seja, escolhido pelos credores, está eleito e ponto final. E outro detalhe, sua substituição se dará apenas pela assembleia geral de credores (§ 10º do artigo 21-A proposto).

Resumindo. Ainda que o profissional “idôneo” tenha sido destituído de seu encargo em processos falimentares em determinada Vara por falta de cumprimento de seus deveres, pode ele, se assim quiserem os credores, assumir a mesma função em outros processos da mesma Vara, ainda que o magistrado saiba que aquele profissional não tenha a expertise desejada. Seria este um processo efetivo? Evidente que não!

O que funciona. E isto a prática mostra é o que o Poder Judiciário tem feito nos últimos anos. Especialização! Das varas, dos magistrados, dos servidores, dos auxiliares. Isto dinamiza o processo, isto acelera a conclusão dos feitos, isto traz resultado!

A propósito, toda essa especialização será necessária caso o projeto seja aprovado? Se o juiz, como dito acima, passará a ser um espectador e não terá poderes para vetar a escolha de determinado gestor fiduciário no processo de falência, compensará aos tribunais estaduais manter a política do pioneirismo na área empresarial?

As indagações ficam. A insegurança jurídica aparece. E a conclusão a que chego é exposta em um último questionamento: Para que e pra quem esse projeto de lei é voltado?

 

 


[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14112.htm

[3] “Art. 114-A. Se não forem encontrados bens para serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo, o administrador judicial informará imediatamente esse fato ao juiz, que, ouvido o representante do Ministério Público, fixará, por meio de edital, o prazo de 10 (dez) dias para os interessados se manifestarem”.

[4] https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2416826

[5] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2398441&filename=Tramitacao-PL%203/2024

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  • é sócio e advogado do escritório Pinheiro e Marcondes Machado Sociedade de Advogados, graduado na Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado na Escola Paulista de Direito nas áreas de Direito Civil e Direito Processual Civil, administrador judicial atuante nas Varas Especializadas de Falência e de Recuperação Judicial das Comarcas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, concluinte de diversos cursos de especialização como administrador judicial nas associações e institutos de insolvência mais renomados do país (TMA, Ibajud, Ibde, entre outros).

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