Opinião

Das perspectivas do PL 3/24 para devedores e credores

Autores

  • Camila Crespi

    é advogada especialista em restruturação empresarial pela Luchesi Advogados. Pós-Graduada em Direito. Constitucional e Reestruturação Empresarial pela FGV-SP. Membro da Insol International Iwirk Brazil e vice-presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB-SP (triênio 2022/2024).

  • Cybelle Guedes Campos

    é sócia e advogada do Moraes Junior Advogados experiência na área empresarial e de insolvência. Especialista em Insolvência e Recuperação Judicial comparada com ênfase na Legislação Britânica no Corpus Christi College da Oxford University. Especialista em Recuperação Judicial e Direito comparado pela Universidade Tor Vergatá (Itália). Membro efetivo regional da Comissão Especial de Estudos de Recuperação Judicial e Falências da OAB-São Bernardo do Campo.

22 de março de 2024, 6h02

Para os profissionais que atuam no Direito de Insolvência, o primeiro trimestre do ano de 2024 foi tomado por incertezas e obscuridades relacionadas à longevidade dos instrumentos de reestruturação empresarial.

A insegurança jurídica é algo latente e que prejudica nosso sistema, principalmente sob o ponto de vista econômico, seja pela alta inadimplência e uso indevido dos procedimentos de recuperação judicial, seja pelos efeitos econômicos que nosso país têm sentido desde os últimos acontecimentos a nível global, o qual amplia o endividamento das empresas.

Parte da insegurança que a comunidade jurídica e o mercado vêm sentindo em relação à continuidade e segurança jurídica das ferramentas de reestruturação (recuperação extrajudicial, recuperação judicial e falência) se deram em razão do Projeto de Lei 3/2024 proposto pelo governo federal que altera substancialmente o procedimento falimentar previsto na Lei 11.101/05, que inicialmente trazia como objetivo primordial a melhoria do índice de eficiência e celeridade dos procedimentos de falência no Brasil, por meio da criação de uma nova figura, denominada gestor fiduciário, que passaria a ser eleito em assembleia geral pelos credores da massa falida, bem como por meio da apresentação de uma plano de falência.

Proposta

Segundo a proposta, a criação das figuras do “gestor fiduciário” e do “plano de falência de realização dos ativos” permitiria que os credores detenham maior controle e previsibilidade sobre o processo, recebendo seus créditos ou o equivalente a eles no menor tempo possível, o que sabe-se que na prática é algo inviável.

Referido projeto de lei, inicialmente, recebeu críticas por diversos profissionais, dentro os quais destacam-se os integrantes especializados do Poder Judiciário que atuam diariamente com processos dessa natureza.

mindandi/Freepik

Resguardadas às críticas que já foram por nós realizadas em diversos meios ao texto original do Projeto de Lei, o que talvez tenha causado maior impacto na comunidade jurídica fora o regime de urgência instituído em sua tramitação perante a Câmara dos Deputados, pela qual a trava-se a pauta legislativa e leva-se rapidamente à votação das propostas ali realizadas, sem amplo debate sobre os desdobramentos e consequência no mercado econômico.

Diversamente do que fora proposto pelo governo através do PL 3/24, sabe-se que a proposta ali elaborada poderia causar prejuízos muito maiores e sem precedentes a um procedimento já estruturado pela construção doutrinária e jurisprudencial e muito bem-posto quando da reforma da lei, através da de nº 14.112/20. Ou seja, nenhuma reforma ao procedimento falimentar, neste momento seria necessária.

Substitutivo pior

Na Câmara dos Deputados, o projeto teve sua relatoria direcionada à deputada Dani Cunha que, muito embora ciente dos impactos nefastos do projeto sobre todos os institutos de reestruturação das empresas em crise, surpreendeu a todos no último dia 16, apresentando um texto substitutivo, ainda mais prejudicial àquele inicialmente proposto.

Pela leitura do novo texto, justificado sob o pretexto de moralizar os processos desta natureza, é flagrante o ataque a figura dos administradores judiciais, fato este completamente injustificado e que também passou a ser objeto de diversas análises e críticas pela classe ali representada e demais operadores do direito.

Mas também merece destaque e atenção, o fato de que pela leitura das alterações propostas, implicitamente percebe-se clara tentativa de beneficiamento de uma classe privilegiada de credores, em detrimento de todo microssistema de insolvência brasileiro, em que ‘as regras do jogo’ passariam a ser ditadas em prol de agentes com poderio econômico, e nitidamente interessados em ativos de valores relevantes existentes nos processos de recuperação judicial e falência.

Ocorre que, ao permitir que os credores possam escolher um gestor para administrar a massa falida e criar um plano de falência, agilizando, assim, todo o processo deve-se ter claro que não são todos os credores que poderão participar de tal estratégia no processo falimentar.

Daí dizer-se que há nítido privilégio às classes de credores que são titulares da maioria do crédito, ou seja, o agente escolhido será pelos credores titulares de maior poder econômico, o qual nitidamente fere o princípio da par conditio creditorium, que é latente no processo concursal e falimentar.

Retrocesso legislativo

Apesar do PL 3/24 trazer a possibilidade de os “credores” terem maior poder de gestão dos processos de falência, a bem da verdade é que o grupo formado pelos detentores dos maiores créditos e não a totalidade. Nítido o retrocesso legislativo.

Ainda, quanto ao empreendedorismo no país muito se defende, mas na prática e no Projeto de Lei 3/2024, a figura do empresário é deixada de lado, na hipótese de ser falido toda sua voz é extirpada do processo, como se a este agente se devesse toda morosidade e ineficiência dos processos; assim como é totalmente desconsiderado o papel das empresas na economia do país, na medida, em que a estas não são asseguradas garantias mínimas de utilização dos mecanismos de reestruturação.

Como incentivar o empreendedorismo em um país (que é palco constante de crise econômica e política) em que minimamente não se pode garantir às suas empresas a utilização de ferramentas para auxílio, na hipótese de crise? Como incentivar os empresários a permanecerem com suas empresas em solo nacional; e ainda, como incentivar investimentos externos, quando não se tem um cenário de segurança jurídica?

O aprimoramento da lei será sempre bem-vindo, mas deve vir acompanhamento de amplo debate da sociedade civil e da comunidade jurídica especializada, com a oitiva de todos envolvidos no sistema, e nesse aspecto, identifico que há falha no procedimento que foi adotado, primeiro pelo fato da recente alteração legislativa promovida pela Lei 14.112/2020 na Lei 11.101/2005, cujos seus resultados não foram sequer aferidos;  e segundo, por não ter tido qualquer debate, possibilitando o posicionamento daqueles que realmente fazem parte do dia a dia da insolvência, para que juntos pudessem estabelecer melhores soluções ao processo, sem defesa de um viés ou outro, mas em prol do mercado e do fomento ao empreendedorismo que move o país.

Por fim, tanto o texto originário como o substitutivo ao PL 3/2024, abrem espaço para manipulação de grandes credores (dentre eles o próprio Fisco, ora credor privilegiado no cenário falimentar, tendo em vista a prioridade no pagamento dos tributos), notadamente quanto ao cenário de aprovação do plano de recuperação judicial, levando à quebra, justamente para que se obtenham vantagens na indicação do gestor fiduciário e na aprovação do plano de falência, retirando a possibilidade de outros credores participarem ativamente e receberem os seus créditos a que detém direto.

As disposições do PL, portanto, dão espaço a um procedimento manejado, que representa extremo perigo ao mercado, e por esta razão deveria ser amplamente discutido, sob pena de retirar a credibilidade de todos os mecanismos de reestruturação disponíveis atualmente às empresas em crise, em retrocesso a todas às mudanças positivas atingidas desde a entrada em vigor da Lei 11.101/2005.

Autores

  • é advogada especialista em restruturação empresarial pela Luchesi Advogados. Pós-Graduada em Direito. Constitucional e Reestruturação Empresarial pela FGV-SP. Membro da Insol International, Iwirk Brazil e vice-presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB-SP (triênio 2022/2024).

  • é sócia e advogada do Moraes Junior Advogados, experiência na área empresarial e de insolvência. Especialista em Insolvência e Recuperação Judicial comparada com ênfase na Legislação Britânica no Corpus Christi College da Oxford University. Especialista em Recuperação Judicial e Direito comparado pela Universidade Tor Vergatá (Itália). Membro efetivo regional da Comissão Especial de Estudos de Recuperação Judicial e Falências da OAB-São Bernardo do Campo.

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