Opinião

Competência originária na execução penal de condenações

Autor

  • José Gomes Sobrinho Júnior

    é graduado em Direito pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium (Araçatuba-SP) pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio e analista jurídico do Ministério Público.

5 de abril de 2024, 16h16

O artigo 668, parágrafo único, do Código de Processo Penal estabelece que “Se a decisão for de tribunal superior, nos casos de sua competência originária, caberá ao respectivo presidente prover-lhe a execução”. A interpretação do citado dispositivo conduz à conclusão no sentido de que existe competência originária para a execução de penas e medidas de segurança. Nesse sentido, o presente estudo propõe-se a analisar a plena aplicabilidade da mencionada norma processual diante da regra de competência instituída pela Lei de Execução Penal.

Em relação à competência para a execução penal das condenações impostas pelos tribunais superiores no exercício de sua competência originária, compete ao Supremo Tribunal Federal a execução da sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais (artigo 102, I, “m”, da CF). Segundo o artigo 340 do RISTF, a execução e o cumprimento das decisões do tribunal observarão o disposto nos artigos 13, VI, e 21, II, do regimento interno e, no que couber, à legislação processual.

Sendo assim, compete ao presidente do STF executar e fazer cumprir os seus despachos, suas decisões monocráticas, suas resoluções, suas ordens e os acórdãos transitados em julgado e por ele relatados (artigo 13, VI, do RISTF). Igualmente, é atribuição do relator executar e fazer cumprir os seus despachos, suas decisões monocráticas, suas ordens e seus acórdãos transitados em julgado, bem como determinar às autoridades judiciárias e administrativas providências relativas ao andamento e à instrução dos processos de sua competência (artigo 21, II, do RISTF).

Na visão de Juliotti, o mencionado artigo 21 do regimento interno do STF “não pode se sobrepor à lei especial federal que determina a execução da pena pelo juiz especializado, ou seja, o juiz da execução criminal” [1]. Além disso, em rigor, a norma regimental não disciplina especificamente a competência do STF para a execução de penas impostas pela corte no exercício de sua competência originária.

Ocorre que, na realidade, a competência do STF para a execução de seus julgados em matéria de competência penal originária é ditada pelo Texto Magno, razão pela qual a regra do artigo 102, I, “m”, da CF, prevalece sobre o disposto no artigo 65 da LEP. Nos dizeres de Celso Ribeiro Bastos:

“Compete ao Supremo Tribunal Federal a execução de sentença nas causas de sua competência originária, ou seja, naquelas elencadas no artigo 102, I, a a q. Somente nestas hipóteses. Como a qualquer outro Tribunal, ao Supremo não é atribuída competência para execução de acórdãos proferidos em instância superior. É dizer, não tem competência para executar seus próprios acórdãos proferidos em grau de recurso”[2].

A esse propósito, na execução do acórdão condenatório proferido no julgamento do alcunhado “mensalão”, após o trânsito em julgado da decisão, o STF delegou os atos da execução penal ao juízo das execuções penais do Distrito Federal, por intermédio da extração de carta de sentença na forma da Resolução-CNJ nº 113/10. Veja-se:

“(…) Delegação dos atos da execução penal ao juízo das execuções penais do Distrito Federal, com as limitações definidas nesta questão de ordem. (…) c) expedidos os mandados de prisão, para fins de cumprimento da pena privativa de liberdade, no regime inicial legalmente correspondente ao quantum da pena transitada em julgado, nos termos do art. 33, § 2º, do Código Penal; d) informado, via ofício, o TSE e o Congresso Nacional, para os fins do artigo 15, III, da CF; e) extraída carta de sentença, na forma da Resolução 113/2010 do CNJ e o seu subsequente encaminhamento e distribuição ao Juízo de Execuções Penais do Distrito Federal, ao qual fica delegada a competência para a prática dos atos executórios (inclusive emissão da guia de recolhimento), excluindo-se da delegação a apreciação de eventuais pedidos de reconhecimento do direito ao indulto, à anistia, à graça, ao livramento condicional ou questões referentes à mudança de regime de cumprimento de pena, por qualquer motivo, os quais deverão ser dirigidos diretamente a esta Corte, assim como outros pedidos de natureza excepcional, em que o juízo entenda conveniente ou necessário o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal” (AP 470 QO-décima primeira, j. em 13/11/2013, DJe de 19/2/2014)

Conquanto o Superior Tribunal de Justiça também detenha competência originária na seara penal (artigo 105, I, “a”, da CF),  inexiste previsão constitucional lhe atribuindo competência para a execução de seus julgados nas ações penais originárias. O mesmo vácuo legislativo se observa em relação aos Tribunais Regionais Federais (artigo 108 da CF) e Tibunais de Justiça (artigo 125, §1º, da CF). A Lei nº 8.038/90, que regula o processo de competência originária, igualmente, sequer tangencia aspectos relacionados à execução da pena.

Spacca

Em São Paulo, a Constituição estadual também é omissa quanto à competência do Tribunal de Justiça para a execução de pena decorrente de condenação imposta no julgamento de ação penal originária (artigo 74). Silente ainda o código judiciário paulista (artigo 57 do Decreto-lei complementar nº 3/69). Na visão de Roberto Luís Luchi Demo: “O silêncio da Constituição em relação a esses tribunais não é eloquente, é dizer, não tem significância jurídica nem maiores implicações, seja por força da simetria, bem assim pela regra do artigo 668, parágrafo único, CPP” [3]

No caso de sanção penal imposta pelo Superior Tribunal de Justiça, no exercício de sua competência originária, a execução far-se-á por meio de carta de sentença, perante o juízo da execução do local de cumprimento da pena, nos termos do artigo 306, do RISTJ, cujo inciso XIV prevê que a carta de sentença deverá conter, dentre outras peças e informações, cópias de outras peças do processo reputadas indispensáveis à adequada execução da penal. Reforça o artigo 302-A do RISTJ:

“Art. 302-A. Nas ações penais originárias, os atos de execução e de cumprimento das decisões e acórdãos transitados em julgado serão requisitados diretamente ao Ministro que funcionou como relator do processo na fase de conhecimento.”

Competência para execuções penais

Assim, observa-se que a Constituição de 1988 não outorgou ao STJ, aos TJs e aos TRFs competência para proceder à execução de sanções penais impostas no desempenho de competência originária, em função da garantia do foro por prerrogativa de função (artigo 84 do CPP). Por via de consequência, nesses casos, aplica-se a regra prevista no artigo 65 da LEP, conforme a qual a execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença. Como refere Rogerio Lauria Tucci:

“(…) dois são os requisitos da determinação da competência jurisdicional para a execução penal disciplinada no indicado Diploma legal: 1.º) existência de norma que a estabeleça, qual seja, in casu, o art. 65 em referência (requisito jurídico); e, 2.º) recolhimento, ou internamento, do condenado a estabelecimento penal ‘sujeito à jurisdição ordinária’ (requisito fático)” [4].

Portanto, ressalvada a competência constitucionalmente atribuída ao STF para a execução de suas decisões em matéria de competência penal originária, não há falar em competência originária do STJ e dos tribunais locais para a satisfação do “ius punitionis”. Nesse aspecto, pode-se dizer que o artigo 668, parágrafo único, do CPP, está derrogado pelo artigo 65, da LEP. Em conformidade com o mencionado dispositivo da LEP, em São Paulo, o Provimento CG nº 38/2017 (TJ-SP) preceitua que “a competência do juízo da execução penal é estabelecida pelo local do cumprimento da pena imposta”, independentemente da autoridade judicial da qual emanou o título executório.

Além disso, não se deve perder de vista que a execução da pena consubstancia um outro processo autônomo, que não se confunde com mera fase do processo de conhecimento condenatório, de modo que as regras de competência para julgamento não se estendem à execução da sanção penal ao final imposta [5]. Acrescente-se que as hipóteses constitucionais de foro privilegiado, enquanto exceção aos princípios republicano e da igualdade, são de interpretação restritiva, ou seja, não podem ser ampliadas [6].

Outrossim, ao tratar do chamado foro privilegiado, o legislador constituinte teve o cuidado de não baralhar as acepções de “notio” e “iudicium” com à de “coercitio”, fazendo expressa alusão apenas a processar e julgar atividade limitada à cognição, instrução e julgamento, sequer cogitando de execução de sentença penal. Daí se conclui não existir competência especializada para a execução penal, quer seja no âmbito do STJ, quer seja em segundo grau de jurisdição.

 


[1] JULIOTTI, Pedro de Jesus. Juiz especial deve executar penas do mensalão. CONJUR. Disponível em:  <https://www.conjur.com.br/2013-fev-16/pedro-juliotti-juiz-especial-executar-penas-mensalao/>. Acesso em: 31.03.2024.

[2] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. – São Paulo: Saraiva, 1997, v. 4, tomo 3, p. 194.

[3] DEMO, Roberto Luís Luchi. Competência originária para a execução penal. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 95, n. 850, p. 462-476, ago.2006.

[4] TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 115.

[5] O processo de execução penal não é mera fase do processo penal de conhecimento, mas, ao contrário, é novo processo, que se constitui para a praticização do título executório”. Cf. BENETI, Sidnei Agostinho. Execução penal. – São Paulo: Saraiva, 1996, p. 48.

[6] STF. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, j. em 03.05.2018.

Autores

  • é graduado em Direito pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium (Araçatuba-SP), pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio e analista jurídico do Ministério Público.

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