Opinião

Da inconstitucionalidade na cobrança de custas para interposição de agravo em execução penal

Autor

  • Luiz Gabriel de Oliveira e Silva Cury

    é advogado criminalista fundador do escritório LG Cury Advogados Associados graduado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) pós-graduado em Criminologia Direito Penal e Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pós-graduado em Criminologia Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (Ucam) e membro da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim) e da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim).

25 de fevereiro de 2024, 11h18

A Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro editou a Portaria CGJ nº 1.946/2022, a qual em seu Anexo III, alínea D, prevê a inconstitucional e ilegal exigência de recolhimento de custas para a interposição do recurso de agravo em execução penal (denominado “agravo em V.E.P.”).

Isso significa dizer que, no ato de interposição do recurso de agravo em execução penal, todo preso custodiado no estado do Rio de Janeiro é obrigado ao recolhimento de custas no mesmo valor das do agravo de instrumento cível, que, no TJ-RJ, tem o de valor de R$ 822,46.

É de conhecimento público e notório a todos que militam no Direito Penal que não existe previsão legal para cobrança de preparo/custas para interposição de qualquer recurso no processo penal [1]. Não é diferente na execução penal, também não havendo disposição nesse sentido no artigo 197 da Lei nº 7.210/84, que assim reza: “Art. 197: Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo”.

Portanto, não pode, de maneira alguma, a Portaria 1.946/2022, editada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, inovar o ordenamento jurídico, com a exigência de novo requisito extrínseco de admissibilidade recursal, pois, evidentemente, viola a lei federal e a Constituição.

Doutrina e jurisprudência
Neste ponto, é preciso frisar que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o recurso de agravo em execução segue as regras e os procedimentos do recurso em sentido estrito (artigos 581 a 592, do Código de Processo Penal) [2], em outras palavras, como não se discute o recolhimento de preparo/custas para interposição do recurso em sentido estrito, da mesma forma, não há como se exigir para interposição de agravo em execução (Artigo 197, da LEP).

Ademais, esse também é o entendimento da doutrina especializada. Nessa senda, a lição do professor, doutrinador e doutor Aury Lopes Junior [3]:

“Não há que se falar em preparo no agravo em execução, não apenas porque inexiste previsão legal sobre custas deste recurso, mas também porque já se esgotou o processo de conhecimento (em que, se iniciado pela ação penal de iniciativa privada, obrigaria ao pagamento das custas). Em sede de execução criminal, não há que se falar em custas ‘processuais’ ou recursais’.”

Violação frontal à Constituição e à lei federal
Além disso, não se pode permitir que, ante a ausência de lei federal, cada estado da Federação normatize o tema, sobretudo por meio de portaria, como fez o TJ-RJ.

Porquanto, tal medida violaria a isonomia e a proporcionalidade, uma vez que os réus que estejam acautelados, provisória ou definitivamente, no estado do RJ teriam que recolher custas ou comprovar hipossuficiência para interpor o devido agravo em execução [4], ao passo que os demais réu/presos, nas mesmas condições em outras unidades da Federação, como por exemplo, com processos de execução penal perante o Tribunal de Justiça de São Paulo [5] ou Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios [6], não teriam que recolher custas, uma vez que há expressa previsão de isenção de cobrança de custas para interposição de agravo em execução.

De mais a mais, até mesmo os réus/presos que cumprem pena, provisória ou definitiva, de forma excepcional nos presídios federais, também são isentos de cobrança de custas/preparo para interposição de agravo em execução.

TJRJ

Deste modo, parece evidente e indiscutível que o “Anexo III, alínea D” da Portaria CGJ nº 1946/2022 do TJ-RJ, viola frontalmente a Constituição da República Federativa do Brasil, bem como a lei federal, em especial a LEP e o CPP.

Todavia, até o momento da publicação deste artigo, não existe qualquer notícia de ajuizamento de ação no controle concentrado de constitucionalidade (pelos legitimados) com o escopo da retirada da ilegal e inconstitucional previsão do referida portaria [7].

Por fim, esclarece que recentemente o Conselho Nacional de Justiça recebeu e jugou o Procedimento de Controle Administrativo – n.º 0005421-92.2023.2.00.0000, entendendo, d.m.v., equivocadamente, pela legalidade da Portaria CGJ nº 1946/2022 e negando provimento ao requerimento da PCA, que contestava a mesma.

Conclusão
Ante o exposto, que pese o julgamento, em sentido diverso, na recente PCA julgada pelo Conselho Nacional de Justiça, e a jurisprudência do próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro [8], os argumentos apresentados neste artigo indicam a manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade da cobrança, na Execução Penal, de custas/preparo para interposição do recurso de Agravo em Execução (art. 197, da LEP), sendo necessária a imediata revogação do “Anexo III, alínea D” da Portaria CGJ nº 1946/2022, nesta parte.

É de se concluir, então, em razão da reserva legal, ampla defesa, contraditório, acesso à Justiça e isonomia, que não pode subsistir a alegação da Portaria do CGJ nº 1946/2022, uma vez que esta criaria diferença entre cidadãos/custodiados, somente pela localização onde cumprem a pena, violando, assim, os princípios/regras da isonomia e da individualização da pena (artigo 5º, c/c artigo 8º e artigo 41, inciso XII, da Lei de Execução Penal, c/c o artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal).

 


[1] Em ações penais de iniciativa pública.

[2] Nesse sentido, o Enunciado de Súmula n.º 700 do Supremo Tribunal Federal.

[3] Junior, Aury Lopes, Direito Processual Penal, Ed. Saraiva, 18ª Edição, 2021, página 1158.

[4] Fundamentado no citada Portaria CGJ de 1946/2022.

[5] Vide o artigo 251 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

[6] https://www.tjdft.jus.br/servicos/custas-judiciais/saiba-sobre/procedimentos-isentos-de-custas

[7] Nada obstante os diversos pedidos de providência deste subscritor junto à OAB-RJ, bem como às associações das quais faz parte – Abracrim e Anacrim, que embora reconheça ilegalidade, ainda não propuseram devida representação de inconstitucionalidade.

[8] 0044136-14.2022.8.19.0000 – HABEAS CORPUS. Des(a). LUIZ ZVEITER – Julgamento: 19/07/2022 -1ª CÂMARA CRIMINAL

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