Prática Trabalhista

Novos critérios de igualdade salarial entre homens e mulheres

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

30 de novembro de 2023, 8h00

Uma das temáticas mais controvertidas hoje na área trabalhista refere-se à promulgação da Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023 [1], que dispõe acerca da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre as mulheres e homens, de modo que a referida norma então estabelecia que, por meio de ato do Poder Executivo, poderia ser instituído um protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial.

Spacca

Nesse sentido, recentemente foi publicado o Decreto nº 11.795, de 23 de novembro de 2023 [2], que buscou regulamentar a referida lei ordinária. Ato seguinte, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou a Portaria nº 3.714, de 24 de novembro de 2023, que, por sua vez, passou a regulamentar o citado Decreto nº 11.795.

Em síntese, tais regulamentações foram editadas no sentido de dispor sobre a igualdade salarial e os critérios remuneratórios entre mulheres e homens, tudo isso através de novos mecanismos criados pelos atos ministeriais e que foram denominados de “Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios” e “Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios”. Além disso foi também criado um protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, além da disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial [3].

Por certo, o assunto é por demais relevante para toda a sociedade, tanto que foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [4], razão pela qual agradecemos o contato.

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Leandro Bocchi de Moraes tarja

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019, os rendimentos das mulheres representam, em média, 77,7% dos rendimentos pagos aos homens [5]. Já de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatista (IBGE), no final do ano de 2022 houve ainda um aumento significativo de 22% em relação à diferença de remuneração entre homens e mulheres [6].

No mesmo diapasão, os dados divulgados pelo Dieese apontavam que o rendimento médio mensal das mulheres ocupadas era 21% menor em comparação àquele recebido pelos homens, levando em consideração todo tipo de ocupação [7]. Aliás, situação mais sensível se refere às mulheres negras que não só encontram desigualdades de gênero, como também de raça [8].

Nesse desiderato, oportunos são os ensinamentos de Candy Florencio Thome [9] a respeito do princípio da igualdade de gênero:

“O princípio da igualdade de gênero é um desdobramento do princípio da igualdade. O princípio da igualdade, que tem fundamento na dignidade da pessoa humana, é um sustentáculo fundamental do Estado democrático e princípio crucial da estruturação de um sistema político e jurídico.
A ONU estabelece, no artigo 1º (3) de sua Carta, como um dos seus propósitos, o encorajamento ao respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
(…). O princípio da igualdade é reconhecido como um princípio constitucional inerente ao regime democrático, impondo-se a todos os ramos do Estado e não apenas ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou judiciária, mas também ao próprio legislador, pois, ao lado de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria lei. Essa desigualdade da própria lei é editada para regular apenas um caso individual ou quando trata, de modo arbitrário, desigualmente os iguais e igualmente os desiguais.”

Dito isso, o Decreto nº 11.795/2023 abarca os mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios que, com fulcro no seu artigo 1º, parágrafo único, aplicam-se às pessoas jurídicas de direito privado com 100 ou mais empregados que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito.

Nesse diapasão, a norma estabelece que as empresas divulguem em seus sítios eletrônicos, redes sociais ou instrumentos similares o relatório de transparência salarial e critérios remuneratórios, que deverá conter: I – o cargo ou a ocupação contida na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), com as respectivas atribuições; e II – o valor: a) do salário contratual; b) do décimo terceiro salário; c) das gratificações; d) das comissões; e) das horas extras; f) dos adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; g) do terço de férias; h) do aviso prévio trabalhado; i) relativo ao descanso semanal remunerado; j) das gorjetas; e k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador.

A propósito, o MTE, para fins de supervisionamento ou inspeção cadastral, poderá solicitar dados complementares, e, neste cenário, caso seja constatada a desigualdade remuneratória, as empresas deverão elaborar e implementar um plano de ação para mitigação da desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres [10].

Sob esta perspectiva, a Portaria nº 3.714/23 atribui ao MTE a responsabilidade pela elaboração do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios que, nos termos do artigo 3º [11], será composto com as informações dos dados extraídos do eSocial e também dos dados extraídos do Portal Emprega Brasil.

De mais a mais, complementando o Decreto nº 11.795/2023, a Portaria nº 3.714/2023 determina que, em sendo constatada a desigualdade salarial, os empregadores serão notificados para desenvolverem o plano de ação para mitigação da desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, no prazo de 90 dias, após a publicação do relatório de transparência.

Frise-se que deverá ser apresentada uma cópia do referido plano de ação para a entidade sindical representativa da categoria profissional. Além disso, caberá a Secretaria de Inspeção do Trabalho a fiscalização em face da discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, sendo que as denúncias deverão ser noticiadas através de um canal específico, disponível no aplicativo da carteira de trabalho digital.

Ponto certamente de grande discussão futura se dará em torno da efetiva aplicação de referidas regulamentações ministeriais em confronto com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), pois, conquanto as comunicações devam adotar dados anonimizados, haverá por certo a divulgação pública de informações que podem comprometer a imagem institucional da empresa.

Afinal, caso venha a ser configurada a desigualdade remuneratória sem justificativa, decerto se estará diante de evidente prática discriminatória de gênero, o que criará um abalo reputacional e financeiro da empresa frente a terceiros (clientes, consumidores, parceiros e, inclusive, investidores).

Em arremate, é forçoso lembrar que um dos princípios fundamentais esculpidos em nossa Constituição Federal é a proteção da dignidade da pessoa humana e dentre os seus objetivos encontra-se a promoção do bem de todos, sem que exista qualquer forma de preconceito ou discriminação. Portanto, é dever do Estado e da própria sociedade combater o preconceito e a diferenciação dos critérios remuneratórios entre homens e mulheres que ocupam a mesma posição.


[1] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14611.htm. Acesso em 28.11.2023.

[2] Disponível em https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/11/decreto-regulamenta-lei-da-igualdade-salarial-entre-mulheres-e-homens. Acesso em 28.11.2023.

[3] Disponível em https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-mte-n-3.714-de-24-de-novembro-de-2023-525914843. Acesso em 28.11.2023.

[4] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[5] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/desigualdade-salarial-entre-homens-e-mulheres-evidencia-discrimina%C3%A7%C3%A3o-de-g%C3%AAnero-no-mercado-de-trabalho#:~:text=Uma%20dos%20dados%20que%20evidencia,Cont%C3%ADnua%20(Pnad)%20de%202019. Acesso em 28.11.2023.

[6] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-vai-a-22-diz-ibge/. Acesso em 28.11.2023.

[7] Disponível em https://www.diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91276-as-desigualdades-salariais-e-as-suas-multiplas-expressoes#:~:text=Em%20torno%20de%2043%25%20das,de%20sistema%20de%20prote%C3%A7%C3%A3o%20social. Acesso em 28.11.2023.

[8] Disponível em https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2023/conscienciaNegra2023.html. Acesso em 28.11.2023.

[9] O princípio da igualdade de gênero e a participação das mulheres nas organizações sindicais de trabalhadores. São Paulo: LTr, 2012. Página 51 e 52.

[10] Artigo 3º Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer: I – as medidas a serem adotadas, as metas e os prazos; e II – a criação de programas relacionados à: a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho; b) promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

[11] Artigo 3º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será composto por duas seções, contendo cada uma, as seguintes informações: I – Seção I – dados extraídos do eSocial: a) dados cadastrais do empregador; b) número total de trabalhadores empregados da empresa e por estabelecimento; c ) número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal; e d) cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); e II – Seção II – dados extraídos do Portal Emprega Brasil: a) existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários; b) critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados; c) existência de incentivo à contratação de mulheres; d) identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e e) existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares. Parágrafo único. O valor da remuneração de que trata a alínea “c”, do inciso I do caput, deverá conter: I- salário contratual; II- décimo terceiro salário; III- gratificações; IV- comissões; V- horas extras; VI- adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; VII- terço de férias; VIII- aviso prévio trabalhado; IX- descanso semanal remunerado; X- gorjetas; e XI- demais parcelas que, por força de lei ou de norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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