Trabalho

O MPT entre dois mundos

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10 de dezembro de 2023, 9h00

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça do Trabalho 2024, lançado na última quinta-feira (30/11). A versão online é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui ).

O Ministério Público do Trabalho vive hoje em dois mundos com extremos contrastantes e opostos. De um lado, a realidade dos trabalhadores que cumprem horas e mais horas de jornada sem receber quase nada por isso, no trabalho análogo à escravidão. Do outro, o futuro bem presente que se apresenta na prática da discriminação algorítmica e do cybervetting, a vigilância digital exercida pelo empregador tanto para contratar quanto para demitir um trabalhador – dois exemplos das muitas expressões do trabalho na sociedade da informação sob o comando de algoritmos e inteligência artificial.

“À medida que o tempo passa, novos desafios surgem e nos colocam em encruzilhadas e problemas difíceis se desenham pela combinação devastadora de antigos hábitos e costumes ultrapassados com tecnologias modernas e capacidade de desconfigurar o direito do trabalho por meio da criação de relações laborais precárias”, analisa José de Lima Ramos Pereira, procurador-geral do Trabalho reconduzido ao cargo em agosto de 2023, em prefácio do livro O Uso de Dados Pessoais e a Inteligência Artificial na Relação de Trabalho, lançado pelo MPT em 2022.

A estrutura administrativa do MPT é formada pela Procuradoria-Geral do Trabalho, 24 Procuradorias Regionais do Trabalho e 100 unidades nos municípios. Tem autonomia financeira e seus membros independência funcional, consagradas na Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar 75/1993. Faz parte da estrutura do Ministério Público da União desde 1951.

O número de servidores do MPT cresceu de 3.035 em 2020 para 3.728 em 2022. No mesmo ano, o número de procuradores do Trabalho, chegou a 768. Outros 15, selecionados em concurso público em junho de 2023, tomaram posse no cargo, enquanto 17 aguardam a convocação.

Dados do Conselho Nacional do Ministério Público mostram que, em 2022, a PGT e as PRTs de todo o país receberam 380 mil processos judiciais, que resultaram em 321 mil manifestações em primeira e segunda instâncias da Justiça especializada, no Tribunal Superior do Trabalho e no Supremo Tribunal Federal. Havia, ainda, 340 mil procedimentos administrativos em andamento.

Os temas mais discutidos nas ações judiciais recebidas foram a duração do trabalho (23,8% da demanda), remuneração e benefícios (19,4%), extinção do contrato (19%), o ambiente do trabalho (14,2%) e fraudes trabalhistas (6,8%).

“Há na sociedade a cultura do litígio em que o cumprimento voluntário do ordenamento jurídico é exceção. Assim, o descumprimento das obrigações laborais implica o ajuizamento de ações”, analisou o PGT em entrevista ao Anuário da Justiça do Trabalho 2024. Segundo ele, “para o sistema funcionar, é preciso existir trabalhadores com capacidade efetiva de consumo e isso somente ocorre com emprego de qualidade, com proteção dos direitos trabalhistas”.

Divulgação/MPT

O MPT tem em sua estrutura organizacional nove coordenadorias divididas por área de atuação: integração do primeiro e segundo grau; administração pública; criança e adolescente; fraudes trabalhistas; ambiente do trabalho; liberdade sindical; trabalho escravo; trabalho portuário e aquaviário; e, promoção da igualdade. Cada uma delas com coordenações nacionais e regionais.

A atuação da Coordigualdade acontece em torno de três eixos temáticos: promoção da igualdade de oportunidades, enfrentamento à discriminação, violência e assédio, além da proteção da privacidade de trabalhadores tendo como lastro jurídico a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018.

Segundo o PGT, a coordenadoria possui quatro projetos estratégicos nacionais: Acessibilidade e Inclusão no Trabalho de Pessoas com Deficiência e Beneficiários Reabilitados; Inclusão Social de Jovens Negras e Negros no Mercado de Trabalho; Empregabilidade LGBTQI+; e, Empregabilidade de Mulheres Vítimas de Violência.

De acordo com José de Lima, o número de denúncias relativas à discriminação na relação de trabalho tem crescido desde 2020 e substancialmente de 2021 para 2022, quando saltaram de 1.616 para 5.126. Segundo o procurador-geral, “reflexo das situações envolvendo discriminação por orientação política, que foi uma das formas pelas quais se praticou o assédio eleitoral, que demandou uma forte atuação do MPT para o seu combate”. De janeiro a setembro de 2023, o MPT recebeu 2.879 denúncias de discriminação.

O crescimento de denúncias relacionadas à discriminação não demonstra necessariamente um aumento do número de casos. “Os dados podem ser interpretados como resultado da atuação do MPT no combate a toda forma de discriminação e da promoção da igualdade de oportunidades”, ressalta José de Lima. Entre os processos judiciais recebidos em 2022 por todo o MPT, havia 16 mil casos relacionados a igualdade de oportunidades e discriminação, representando 2,3% do total de casos.

No cenário do velho trabalho, entre muitas metas, o MPT persegue a erradicação do trabalho em condições análogas à de escravo, que submete homens, mulheres e crianças a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes e restrição de locomoção. A escravidão contemporânea é caracterizada no ordenamento jurídico brasileiro com base no artigo 149 do Código Penal de 1940.

“A abolição total, embora pareça uma utopia quando analisamos os números mais recentes, só será possível quando somados os esforços preventivos e repressivos, diminuindo a desigualdade social e aumentando a atuação repressiva por parte do MPT e outros agentes estatais como o Ministério do Trabalho, Polícia Federal, MPF e Defensoria Pública da União”, afirmou o PGT.

O MPT tem constatado um crescimento nas denúncias de trabalho em condições análogas à escravidão e ao tráfico de pessoas para o trabalho escravo. No período entre 2018 e 2023 houve, segundo o procurador-geral do Trabalho, um aumento de quase 125% na quantidade de denúncias recebidas pelo órgão. Em oito meses de 2023, foram resgatados 2.810 trabalhadores por meio de 195 forças-tarefas.

Algumas das práticas do velho trabalho já se reproduzem com o uso da tecnologia. No mesmo texto do livro O Uso de Dados Pessoais e a Inteligência Artificial na Relação de Trabalho, José de Lima afirma que “o tratamento da temática ‘uberização’ surge para manter viva a discussão sobre a precarização do trabalho quando da contratação de prestação de serviços por meio das plataformas digitais”.

Em outubro de 2023, o coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, Renan Bernardi Kalil, em audiência pública na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, defendeu o reconhecimento do vínculo de emprego entre os profissionais e as plataformas digitais. “O mito da jornada de trabalho flexível funciona até o momento em que o trabalhador liga o aplicativo, porque assim que ele liga está sujeito a uma série de regras que, se ele não obedecer, recebe menos, tem menos trabalho, é punido ou não recebe promoções”.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2024
4ª edição
Número de Páginas: 260
Editora: ConJur
Versão impressa: Livraria ConJur, clique aqui para saber mais
Versão digital: disponível gratuitamente no site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br), acesse

Anunciaram nesta edição:
BFBM – Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Corrêa da Veiga Advogados
Décio Freire Advogados
Didier, Sodré & Rosa Advocacia e Consultoria
Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Advogados
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
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Moro e Scalamandré Advocacia
Original 123 Assessoria de Imprensa
Sergio Bermudes Advogados
Warde Advogados

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