Arma de guerra

Prática de lawfare não se restringe apenas ao processo penal, apontam especialistas

 

29 de novembro de 2023, 9h33

Uso do sistema jurídico como arma para perseguir e destruir adversários, o lawfare foi tema de painel especial nesta terça-feira (28/11), no segundo dia da 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, evento que o Conselho Federal da OAB e a seccional mineira da Ordem promovem no Expominas, em Belo Horizonte.

Moisés Silva
Debate abordou uso do lawfare no Brasil e em outros países

A mediação do debate ficou com a vice-presidente da Comissão Especial de Estudo e Combate ao Lawfare da OAB-DF, Isabel Gomes. Já a palestra principal foi proferida pelo membro honorário vitalício do Conselho Federal da OAB Cezar Britto. Em sua exposição, Britto pontuou que o lawfare não se restringe apenas ao processo penal.

“Atualmente, vemos um grande ataque para esvaziar a competência da Justiça do Trabalho através de decisões judiciais”, afirmou. Presidente da OAB Nacional entre 2007 e 2010, ele relembrou os abusos promovidos por autoridades policiais e do Poder Judiciário.

“À época, tentamos aprovar a lei que garantia a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, contudo, em razão do cenário político, acabou não sendo possível. Por pressão dos atores políticos e da imprensa, o Executivo não aprovou”, disse ele sobre o texto, que foi aprovado apenas no ano passado.

Secretário-geral da OAB-RJ, Álvaro Quintão observou que o fenômeno do lawfare não se restringe ao Brasil. “Acabamos de ver o primeiro-ministro de Portugal cair em razão de uma denúncia mal formulada pelo Ministério Público. Simplesmente não verificaram que o alvo da denúncia se tratava do assessor, homônimo do primeiro-ministro”, disse.

Na visão de Álvaro, os casos de lawfare são muito similares. “Se pegarmos os conceitos clássicos de lawfare, se aplicam em todos os casos”, majoritariamente, “o Judiciário é utilizado para acabar com reputações”, afirmou. E as vítimas nem sempre são políticos ou grandes empresas. “Há muito tempo o Judiciário atende demandas direcionadas. Quantas vezes vimos a guarda de uma criança ser tirada de uma mãe em razão do endereço em favor do pai que reside em um lugar melhor?”, questionou.

Já o secretário-geral da OAB-DF, Paulo Maurício, destacou que “utilização da máquina e da imprensa, influenciando resultados, até mesmo para objetivos pessoais” destruiu a paridade de armas no processo penal. Segundo ele, operações como a “lava jato” acabam por macular o combate à corrupção. Assim, para que tais práticas não se repitam, ele defende que “deveria ser ensinado na formação dos advogados a devida utilização dos meios legais”. “É uma questão ética. Precisamos ter isso aplicado nos bancos das faculdades e dos tribunais”, defendeu.

Conselheira e presidente da Comissão Especial de Estudo e Combate ao Lawfare da OAB-RJ, Valéria Pinheiro falou sobre a criação e atuação da comissão. “A comissão não tem como objetivo criar uma doutrina, a academia já faz isso. A comissão tem como objetivo criar uma lembrança”, ressaltou. Valéria explicou que a comissão trabalha com quatro eixos temáticos: a questão das estatais, abrangendo além das empresas e servidores vítimas de perseguições, as entidades como os Tribunais de Contas; o Judiciário; a advocacia e a imprensa. “Na hipótese de o caso em análise se preencher os pressupostos, será analisado pela Comissão”, afirmou a presidente.

Avanços
O presidente da Comissão Especial de Estudo e Combate ao Lawfare da OAB-DF, José Sousa de Lima, abordou os avanços obtidos no combate ao lawfare. “Embora o Brasil já tenha melhorado com avanços legislativos, ainda cabe melhorias”. Sousa de Lima destacou a implementação do juiz de garantias para a garantia do devido processo penal.

Em sua opinião, contudo, ainda estamos atrasados em comparação com outros países da própria América Latina. “O Chile, por exemplo, já tem um sistema mais sofisticado. O magistrado que instaurou o inquérito não participa do julgamento. Inclusive, quem julga não é um único juiz, mas um conselho de sentença”. Embora reconheça que o exemplo chileno tenha obtido bons resultados no controle do lawfare, o presidente da comissão não defende a cópia do modelo.

“A aplicação do mesmo sistema jurídico sempre é problemática, mas podemos pegar essa essência para não ver o que o que ocorreu no nosso país se repetir”, disse.

Panorama do evento
Nesta edição, a Conferência Nacional da Advocacia Brasileira tem como tema “Constituição, Democracia e Liberdades”. De segunda (27/11) até esta quarta-feira (29/11), serão 50 painéis com temas variados, especialmente sobre questões atuais do país. Ao longo do evento, a OAB espera receber cerca de 400 palestrantes e 20 mil profissionais.

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