Preclusão da questão

Justiça dos EUA decide que julgamentos de referência têm efeito vinculante

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25 de novembro de 2023, 9h08

A Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou petição de certiorari da DuPont de Nemours Inc., que perdeu em primeiro e segundo grau uma causa de indenização de US$ 40 milhões — e pode perder muito mais — porque, no entendimento das cortes, o princípio da “preclusão da questão” (collateral estoppel) impede a rediscussão de casos semelhantes a alguns que já foram decididos em “julgamentos de referência” (bellwether trials) — mesmo que os casos tenham diferenças significativas entre si.

A decisão de sete ministros da Suprema Corte, no caso E.I. du Pont de Nemours & Co v. Travis Abbott, tem apenas uma frase: “A petição de writ of certiorari é negada”. O ministro Brett Kavanaugh discordou. O ministro Clarence Thomas também. Mas, mais que isso, escreveu um voto dissidente de 4,5 páginas, em tom de protesto: “Certos casos de litígios multidistritais podem impedir os réus de montar uma defesa em milhares de outros casos”, ele escreveu.

Chris Adams

Segundo o voto de Thomas, cerca de 80 mil pessoas responsabilizam a Dupont, em ações indenizatórias, por contraírem diversos tipos de doença, porque a empresa despejou no rio Ohio substâncias que contêm ácido perfluoroalquil e polifluoroalquil (PFOA). Também conhecidas como “produtos químicos eternos”, porque o corpo humano e o meio ambiente dificilmente conseguem decompô-las, essas substâncias seriam as causadoras de doenças, predominantemente câncer.

De um grande número de ações, muitas foram trancadas porque a Dupont chegou a um acordo com os demandantes. Muitas foram consolidadas em “litígios multidistritais” (MDL — multidistrict litigation), como “mass torts” — ações civis indenizatórias movidas por um grande número de pessoas que sofreram danos causados por atos ilícitos praticados por grandes empresas ou outras organizações.

Os casos mais comuns são de produtos defeituosos que causam danos, como remédios, equipamentos médicos, partes de automóveis e substâncias que contaminam águas. Mas são casos, no entanto, que não se qualificam para formar uma ação coletiva. Para serem autorizadas pela justiça, ações coletivas devem ter, por exemplo, algumas coisas em comum entre os autores da ação, tal como o mesmo tipo de fatos e de dano.  

As ações são movidas individualmente e, a algum tempo, consolidadas em litígios multidistritais, um procedimento da justiça federal que visa acelerar a resolução da questão. Desse conjunto de ações, algumas são selecionadas para servir de “julgamento de referência” (bellwether trials) — uma espécie de amostragem de um grupo maior de processos, que irão ser julgados de antemão para, posteriormente, servir de parâmetro para os juízes decidirem os demais casos de um MDL.

De certa forma, as decisões dos bellwether trials têm efeito vinculante, pois levam os juízes — se constatarem que os casos são semelhantes (fatos similares no mesmo tipo de ação indenizatória contra o mesmo réu, mas movida por autores diferentes) — a decidirem que o caso é de “preclusão da questão” (collateral estoppel ou issue preclusion).

O Dicionário de Direito do Marcílio Moreira de Castro explica: “similar à coisa julgada, o collateral estoppel impede o julgamento de questões já decididas, quando as causas de pedir forem diferentes”. O juiz de primeiro grau explicou, em sua decisão, que a finalidade desse instrumento jurídico “é impedir que os mesmos fatos sejam julgados múltiplas vezes”.

No caso presente, a reclamação é semelhante à dos bellwether trials, mas o autor da ação é diferente: é o cidadão de Ohio Travis Abbott, que pediu a responsabilização civil da DuPont, com a alegação de que contraiu câncer de testículo, por duas vezes, depois de beber, de um poço, água procedente do Rio Ohio, que teria sido contaminada pela empresa com PFOA.

O Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região concordou com a decisão do juiz de primeiro grau, segundo a qual “o comportamento da DuPont impactou os demandantes de maneira virtualmente idênticas, de forma que é apropriado impedir a empresa de rediscutir em juízo uma causa que já perdeu antes”.

O ministro Clarence Thomas discordou. Em vez disso, concordou com o argumento da DuPont de que merecia um julgamento à parte, porque um júri poderia lhe dar ganho de causa depois de ouvir as diferenças entre os casos julgados nos bellwether trials e o caso presente. Para o ministro, certos julgamentos de referência não são representativos de todos os casos – e, portanto, não podem ter efeito vinculante. Impedir a empresa de se defender nesse caso específico é injusto, afirmou.

“Por exemplo, os demandantes de dois dos três julgamentos de referência beberam água de poços que ficam a menos de um terço de milha da fábrica da DuPont; a água bebida por Abbott e sua mulher vieram de um poço a 56 milhas de distância; dois demandantes alegaram que também foram expostos a emissões de ar, além da água contaminada; Abbott alegou que só foi exporto à água contaminada. O júri levaria em conta essas diferenças”, escreveu o ministro.

Com informações adicionais da Newsweek, Reuters e das bancas TorHoerman Law Firm, Wallace & Miller e searcylaw.com

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