Opinião

Créditos presumidos de ICMS e subvenção: eterna indefinição?

Autores

  • José Luis Ribeiro Brazuna

    é advogado em São Paulo e Brasília sócio fundador do Bratax (Brazuna Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados) professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

  • Tatiana Caroline de Mesquita

    é advogada associada ao Bratax – Brazuna Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados. e especialista em Direito Tributário e Direito Tributário Internacional.

8 de novembro de 2023, 17h23

A relação entre os benefícios fiscais de ICMS e a tributação federal (IRPJ/CSLL) tem sido objeto de indefinição e disputa no Brasil há décadas, ocupando os “holofotes”, com maior intensidade, desde o julgamento do Tema Repetitivo nº 1.182, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

​Antes mesmo da publicação do respectivo acórdão, a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) divulgou nota pública [1] defendendo que a tese do governo federal teria sido acatada pelo STJ.  O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, referiu-se a uma “vitória acachapante” na disputa. A Receita Federal passou a enviar alertas [2] aos contribuintes que, na sua visão, teriam reduzido indevidamente o IRPJ e a CSLL pela exclusão dos benefícios fiscal de ICMS, convidando-os à autoregularização.

Uma verdadeira blitz fiscal.

Após a publicação do acórdão (que ocorreu em 12/06/2023), editou-se a Medida Provisória (MP) nº 1.185/2023, revogando a legislação que autorizava a exclusão das subvenções estaduais na determinação do lucro real.  No seu lugar, criou-se um crédito fiscal, o que tem sido muito criticado, por fazer renascer discussões que teriam sido superadas com a edição da Lei Complementar nº 160/2017.

O breve histórico demonstra que novos capítulos virão no contencioso administrativo e judicial, assegurando que, infelizmente, a disputa entre governo e contribuintes permanecerá viva nos tribunais.

Não nos parece ter recebido a mesma atenção, no entanto, o fato de a ministra Assusete Magalhães ter sugerido nova submissão do tema ao rito dos recursos repetitivos [3], para que o STJ possa definir a “possibilidade de inclusão de crédito presumido de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas bases de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)”.

Após o julgamento dos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR e do tema repetitivo nº 1.182, parecia ter ficado isento de dúvida que os créditos presumidos de ICMS deveriam ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente do cumprimento de quaisquer requisitos legais, tendo em vista o entendimento da Corte Especial de que a incidência daqueles tributos da União entraria em choque com o pacto federativo.

Assim, a não ser que o novo julgamento repetitivo tenha o propósito de reforçar o quanto se decidiu nos precedentes anteriores, a rediscussão da matéria parece descabida, trazendo intranquilidade e incerteza com relação à exclusão dos créditos presumidos de ICMS da tributação federal, o qual já se encontra à sombra da MP nº 1.185, pendente de conversão pelo Congresso Nacional.

A tributação ou não dos benefícios fiscais de ICMS está relacionada aos requisitos estabelecidos no artigo 30 da Lei 12.973/2014, que permite que esses benefícios sejam tratados como “subvenção para investimento”.  Historicamente, a Receita Federal diferenciava subvenções para custeio e subvenções para investimento, com base na intenção do ente federativo subvencionador, na qualidade do beneficiário e na aplicação efetiva da subvenção, permitindo tão somente a não tributação das subvenções para investimento (Parecer Normativo CST nº 112/1978).

Com a edição da Lei Complementar 160/2017, adicionou-se um parágrafo ao referido artigo 30, afirmando expressamente que os incentivos de ICMS concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal seriam considerados subvenções para investimento.  A partir daí, o fisco federal passou a admitir que os benefícios de ICMS fossem qualificados como subvenção para investimento, mas manteve o posicionamento de que a exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL estaria condicionada à demonstração de que o auxílio estatal teria como objetivo o estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (Soluções de Consulta Cosit nºs 145/2020 e 12/2022).

O posicionamento atual da jurisprudência do STJ, por sua vez, afasta a demonstração da concessão do benefício de ICMS com o objetivo de implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e, inclusive, dispensa o contribuinte beneficiado por créditos presumidos de ICMS do cumprimento dos demais requisitos listados no artigo 30 da Lei 12.973/2014.

E isso porque, como referido acima, no julgamento dos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR, em 2017, a 1ª Seção do STJ considerou inválida a cobrança do IRPJ e da CSLL sobre benefícios concedidos sob a forma de crédito presumido de ICMS, pois isso violaria o pacto federativo.

Em decisão por maioria — vencidos os ministros OG Fernandes e Assussete Magalhães — o tribunal decidiu que a União não estaria autorizada a exigir tributos sobre um benefício concedido por um Estado da Federação como instrumento de política fiscal, planificação estratégia e promoção do interesse público.

Apesar de não se ter analisado a validade ou não da aplicação das condições previstas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, nem os impactos da Lei Complementar nº 160/2017 sobre os créditos presumidos de ICMS, o posicionamento do STJ foi reforçado no julgamento do tema repetitivo nº 1.182 quando, aí sim por unanimidade, a 1ª Seção do STJ decidiu que o entendimento firmado nos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR não se estenderia aos benefícios fiscais de ICMS diferentes do crédito presumido.

Em outras palavras, o STJ firmou a tese de que, para a exclusão dos benefícios diferentes do crédito presumido das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, seria exigível o atendimento aos requisitos previstos em lei (artigo 10, da Lei Complementar nº 160/2017, e artigo 30, da Lei nº 12.973/2014), menos a demonstração de que a concessão teria como propósito o estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. 

E, ao distinguir o tratamento dado aos benefícios fiscais de ICMS em geral e ao crédito presumido, a contrario sensu, o STJ implicitamente confirmou a eficácia vinculante, pelo regime dos recursos repetitivos, daquilo que decidira nos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR com relação aos créditos presumidos de ICMS.

Essa confirmação foi de extrema relevância porque, até aquele momento, havia uma divisão de entendimentos na 1ª Seção.

A 2ª Turma distinguia o tratamento dado aos créditos presumidos e demais benefícios de ICMS, afastando a aplicação dos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR nas discussões envolvendo benefícios fiscais distintos do crédito presumido e determinando o retorno dos autos à origem, para o exame do preenchimento dos requisitos elencados no artigo 30 da Lei 12.973/2014.  De outro lado, a 1ª Turma aplicava o precedente a todos os benefícios de ICMS, indistintamente.

Não restam dúvidas, portanto, que o entendimento da 2ª Turma acabou prevalecendo no julgamento do tema nº 1.182, ao se reconhecer expressamente a manutenção do quanto decidido nos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR  Consagrou-se que, diante das alterações trazidas pela Lei Complementar nº 160/2017, a distinção entre subvenção para custeio e subvenção para investimento teria se tornado irrelevante para os créditos presumidos de ICMS, “já que o referido benefício / incentivo fiscal foi excluído do próprio conceito de Receita Bruta Operacional previsto no artigo 44, da Lei nº 4.506/64” [4].

Exatamente por isso é que causa estranheza, diante dessa firme jurisprudência, que a ministra Assusete Magalhães tenha sugerido uma nova submissão do tema ao rito dos recursos repetitivos, em especial porque a própria ministra reformou o seu entendimento inicial e se dobrou ao princípio da colegialidade para, no julgamento do tema repetitivo nº 1.182, aderir àquilo que se decidira nos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR.

Espera-se, portanto, que a proposição da ministra pretenda, pela primazia da segurança jurídica, apenas e tão somente reiterar o entendimento firmado expressamente no julgamento dos Embargos de Divergência nº 1.517.492-PR — e, implicitamente, no julgamento do tema nº 1.182 —, para ratificar a exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL sem a imposição de quaisquer tipos de condições por parte do legislador federal.

Que não venham novas surpresas…


[1] Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2023/pgfn-divulga-nota-sobre-acordao-do-stj-de-12-6-2023. Acesso em 26/09/2023.

[2] Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/receita-federal-oferece-oportunidade-para-contribuinte-regularizar-irpj-e-csll-antes-do-inicio-dos-procedimentos-de-fiscalizacao. Acesso em 26/09/2023.

[3] Recursos Especiais nº 2091208 / RS (antigo AREsp 2.415.180/RS), 2091200 / RS (antigo AREsp 2.415.185/SC) e 2091206 / RS (antigo AREsp 2.407.433/PR).

[4] Recurso Especial nº 1.605.245-RS, julgado em 18/06/2019.

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