Opinião

Incidência do Imposto Seletivo no plástico e relação com produtos da cesta básica

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8 de maio de 2024, 20h58

Em 25 de abril de 2024, foi apresentado pelo Poder Executivo o Projeto de Lei Complementar (PLP 68/2024) que visa a regulamentar a reforma tributária prevista na Emenda Constitucional 132, promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2023. Na ocasião, foram apresentadas as propostas que irão reger a instituição e funcionamento dos novos impostos, compostos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição  sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto Seletivo (IS).

Agência Télam

Sobre esse último — Imposto Seletivo —, muito se especulou durante e após a tramitação da reforma sobre seu funcionamento, tendo em vista que o Brasil tentará agora instituir um tipo de seletividade que visa a atingir bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio-ambiente.

A seletividade não é uma novidade em nosso sistema tributário, uma vez que, antes da reforma, os artigos 153, §3º, I, e 155, §2º, III, já estabeleciam a seletividade expressa do IPI e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O que é novo agora é que, ao contrário da escolha do constituinte de 1988, que optou pela essencialidade como critério para o IPI e o ICMS, o Imposto Seletivo terá a seletividade como sua característica principal.

O funcionamento, os métodos de cobrança e as listagens de produtos e serviços sujeitos a tratamento diferenciado com base em sua degradação ao meio ambiente e à saúde humana eram algumas das questões a serem resolvidas por meio de lei complementar, cujas disposições parecem ter sido melhor delineadas com a publicação do PLP 68/2024.

Porém, alguns dos receios em relação à incidência indireta do Imposto Seletivo sobre determinados bens e serviços parecem ter sido corroborados, especialmente no que diz respeito à tributação indireta sobre os produtos plásticos, em particular aqueles empregados como embalagens para itens integrantes da cesta básica e os que estão sujeitos à redução da alíquota padrão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em 60% devido ao regime diferenciado.

Nesse sentido, o presente artigo visa a explorar duas questões:

  1. se poderá ocorrer a incidência indireta do Imposto Seletivo sobre produtos plásticos que servem de embalagem para produtos considerados da cesta básica e/ou essenciais
  2. o que poderá se esperar do Imposto Seletivo de acordo com o projeto de lei proposto pelo Executivo.

O Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo é um tributo aplicado a produtos específicos com base em critérios como o tipo de produto, sua finalidade e seus efeitos sociais e econômicos. Ele difere dos impostos gerais — que incidem sobre a maioria dos bens e serviços —, pois se concentra em produtos considerados de luxo, prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, ou que tenham uma função social específica. Dessa forma, ele busca estimular ou dissuadir a prática de diversas condutas.

Nesse contexto, é relevante trazer as considerações de Francisco Sávio Fernandez Mileo Filho[1], que argumenta que a seletividade não é necessariamente associada ao critério da essencialidade, mas sim à necessidade de um critério para diferenciar. Assim, a finalidade da seletividade que o legislador pretende alcançar deve orientar a escolha do melhor critério.

Nesse sentido, a seletividade do imposto pode ser determinada por diferentes critérios, como a conduta que se pretende inibir (por exemplo, bebidas alcoólicas, cigarros), ou seus efeitos sociais (por exemplo, produtos que geram externalidades negativas, como poluição), dentre outros critérios infinitos.

Sobre o que fora decidido acerca do Imposto Seletivo na EC nº 132, ter-se-á que:

§ 6º O imposto previsto no inciso VIII do caput deste artigo:

I – não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações;

II – incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço;

III – não integrará sua própria base de cálculo;

IV – integrará a base de cálculo dos tributos previstos nos arts. 155, II, 156, III, 156-A e 195, V;

V – poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos;

VI – terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas, por unidade de medida adotada, ouad valorem;

VII – na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto.” (NR)

Portanto, em virtude da inclusão do Imposto Seletivo no texto da reforma com o claro propósito de desencorajar o consumo de determinados produtos e de impor uma carga tributária adicional às empresas que oferecem serviços que impactam negativamente o meio ambiente, passou-se a chamar esse imposto de “Sin Taxes”, expressão informal em inglês para o Imposto Seletivo e que significa “Imposto do Pecado”.

Na União Europeia, os principais produtos sujeitos à incidência do imposto seletivo — excise tax — são o álcool e bebidas alcoólicas, assim como o tabaco, a eletricidade e demais produtos relacionais à energia, como combustíveis e gás natural[2].

Spacca

Nesse contexto, a proposta do Imposto Seletivo brasileiro de tributar bens minerais extraídos, conforme será examinado no contexto do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, não destoaria dos esforços legislativos da União Europeia, que busca se adaptar a uma abordagem mais sustentável. Isso ocorre em resposta aos compromissos ambientais estabelecidos nos acordos climáticos recentes, dos quais o Brasil também é signatário.

O Projeto de Lei 68/2024

O legislador previu, no projeto de lei apresentado para regulamentar o Imposto Seletivo, que este incidiria sobre bens classificados como prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, incluindo veículos, embarcações e aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e bens minerais extraídos.

Sobre o momento de incidência, o artigo 394 do mencionado projeto estabeleceu que o Imposto Seletivo incidirá apenas uma vez sobre o bem, sendo proibido qualquer forma de utilização de créditos do imposto com operações anteriores ou geração de créditos para operações subsequentes.

Por último, no que concerne à análise deste artigo, o artigo 398 disciplinou a imunidade do Imposto Seletivo, enfatizando que não haveria incidência sobre bens e serviços com redução de 60% na alíquota padrão do IBS e da CBS nos regimes diferenciados.

Considerando as peculiaridades do Imposto Seletivo e as proposições apresentadas pelo Poder Executivo, surge a perspectiva de incidência do referido imposto sobre embalagens plásticas utilizadas para acondicionar produtos essenciais e/ou da cesta básica. Assim, como conciliar sua aplicação a produtos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde sem, ao mesmo tempo, impor encargos a produtos e serviços considerados essenciais pelo legislador da reforma?

A incidência indireta sobre produtos plásticos

Seguindo os objetivos que foram definidos no âmbito da reforma tributária, foi posto que o Sistema Tributário Nacional deverá observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. É baseando-se nesses conceitos que o Imposto Seletivo foi criado, visando a desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Tendo o teor da redação do artigo 153, § 6º, inciso VII, da CF/88 (alterada pela Emenda Constitucional nº 132) que estipulou que “o imposto seletivo incidirá na extração independentemente da destinação do produto, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto” começou a se questionar se o Imposto Seletivo poderia querer incidir sobre o petróleo e outras formas de recursos não renováveis, em atenção à proteção do meio-ambiente.

O artigo 155, § 3º da mesma emenda, apesar de dispor que nenhum outro imposto poderia incidir sobre operações relativas a derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País, deixa claro que o Imposto Seletivo é a exceção à essa regra, permitindo que derivados de petróleo poderão sofrer sim a incidência desse imposto.

Assim, o fato de ser previsto que o Imposto Seletivo incida no início da cadeia produtiva, bem como na extração, independentemente da destinação (EC 132), e com a publicação do PLP 68/2024 que confirma essa incidência ao prever o Imposto Seletivo sobre bens minerais extraídos, abre-se a possibilidade de incidência indireta desse novo imposto em produtos que poderão compor a cesta básica e aqueles abrangidos pela redução de 60% da alíquota de IBS e CBS.

Ainda, salienta-se que, apesar do legislador ter tentado poupar os bens e serviços dos regimes diferenciados da incidência do Imposto Seletivo, nada previu em relação aos produtos que compõem a cesta básica, os quais foram deixados de fora na aplicação da imunidade do Imposto Seletivo.

De qualquer forma, a simples incidência de Imposto Seletivo sobre os bens minerais extraídos, independentemente de sua finalidade, resultará na incidência indireta desse imposto sobre os materiais plásticos, uma vez que sua matéria-prima é derivada do petróleo.

Observa-se que, atualmente, apesar do plástico ter um amplo uso nas mais variadas formas e funções — atendendo ao setor da saúde e construção, só para citar dois grandes setores —, ele também é um dos artigos que mais causa preocupação aos ambientalistas, pois é um dos maiores poluidores do meio ambiente, principalmente na forma mais comum em que se encontra, servindo de embalagem a produtos comuns e que serão rapidamente descartados.

A título de ilustração, considerando a aplicação do Imposto Seletivo na fase inicial da cadeia produtiva do petróleo durante a sua extração, haveria a incidência de até 1% de IS após a etapa de refino do petróleo, que marca o início da produção de diesel, lubrificantes, gás e nafta (insumo fundamental na produção de plásticos). Dessa forma, como a emenda constitucional afirma que o imposto incidirá independente da destinação, é possível afirmar que o Imposto Seletivo incidiria na nafta, o que acabaria gerando a incidência de forma indireta sobre os plásticos que condicionam os alimentos que compõem a cesta básica, tendo em vista que muito provavelmente essa tributação será repassada.

O que se espera do Imposto Seletivo

Dispôs o PLP 68/2024 no artigo 394 que será vedado a qualquer tipo de aproveitamento de crédito do imposto com operações anteriores ou geração de créditos para operações posteriores. Isso aponta para uma vedação clara na tomada de créditos para aqueles produtos da cesta básica ou considerados essenciais que sofram a incidência indireta do Imposto Seletivo em suas embalagens plásticas.

Em outras palavras, não poderão tomar créditos os fabricantes de plásticos, tampouco os fabricantes de alimentos que utilizem das embalagens plásticas e que sofrerão a incidência indireta do Imposto Seletivo em função da sua matéria prima — nafta —, que poderá ser tributada a partir da extração do petróleo.

A escolha do legislador em vedar a tomada de créditos tanto em operações anteriores quanto para operações posteriores parece ir de encontro a alguns precedentes do STF em relação à tomada de créditos de produtos isentos ou com alíquota zero referentes ao IPI.

No Recurso Extraordinário 606.314/RE, questionou-se o direito à alíquota zero às embalagens que se destinavam ao acondicionamento de água mineral. No acórdão, os ministros decidiram que o princípio da seletividade não implicaria imunidade ou completa desoneração de determinado bem, ainda que esse fosse essencial ao ser humano, pontuando-se que a observância à seletividade a atribuição de alíquota zero aos produtos essenciais são fenômenos que não se confundem. Assim, entendeu-se que, ainda que um determinado produto faça parte da cesta básica, o princípio da seletividade não é transgredido quando um de seus componentes não fizer jus à isenção ou alíquota zero.

Tal conclusão por parte do STF, apesar de não ser unânime, criou um precedente para o julgamento de outros casos que trataram da mesma matéria, o que pode ter influenciado o legislador do PLP68/2024, que guiado pelos princípios que regeram a reforma tributária, vedou qualquer forma de tomada de crédito de Imposto Seletivo.

Em relação ao fato gerador do Imposto Seletivo, dispôs o artigo 397 do referido projeto de lei que, o fato gerador do Imposto Seletivo será, respectivamente:

  1. a primeira comercialização do bem
  2. a arrematação em hasta pública
  3. a transferência não onerosa de bem mineral extraído ou produzido
  4. a incorporação do bem ao ativo imobilizado
  5. a exportação de bem material extraído ou produzido
  6. o consumo do bem pelo produtor-extrativista ou fabricante.
  7. No caso do petróleo, o momento do fato gerador ocorrerá durante a extração, uma vez que o imposto deve incidir apenas uma vez no início da cadeia produtiva, com uma alíquota de até 1%. Considerando a cadeia produtiva e de industrialização do petróleo, que fornece insumos para diversos outros produtos, há o risco de essa tributação ser repassada para outros setores, incluindo os fabricantes de plástico que utilizam a nafta obtida a partir do refinamento do petróleo.

Portanto, pode-se inferir que ocorrerá uma incidência indireta do Imposto Seletivo sobre produtos da cesta básica e sobre aqueles que terão uma redução de 60% na alíquota de IBS e CBS, sendo que tal imposto poderá ser repassado ao consumidor final, uma vez que será vedada a tomada de crédito do Imposto Seletivo.

Cabe ressaltar que, caso o PLP 68/2024 seja aprovado, as alíquotas que serão definidas para os produtos tributados pelo Imposto Seletivo serão definidas através de regulamento que deverá ser editado pelo chefe do Poder Executivo da União.


[1] MILEO FILHO, Francisco Sávio Fernandez. A seletividade na tributação sobre o consumo e o critério da essencialidade: fundamentos, limites normativos e escopo constitucional. 2021. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Financeiro) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.

[2] Products subject to excise duties. EuropeanUnion, 2022. Disponível em: https://europa.eu/youreurope/business/taxation/excise-duties-eu/product-excise-duties/index_en.htm

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