Debate de ideias

Seção Criminal do TJ-SP rebate críticas de ministro Schietti, do STJ

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25 de fevereiro de 2023, 16h05

Para o presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Francisco José Galvão Bruno, a independência judicial que os magistrados têm para descumprir as orientações das cortes superiores é sagrada. E a ideia de que a uniformização da jurisprudência contribui para um sistema mais hígido é mera opinião.

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TJ-SP tem histórico de descumprimento de posições criminais das cortes superioresDivulgação

A manifestação foi feita na sexta-feira (25/2), como resposta às recentes críticas do ministro Rogerio Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, ao reformar uma posição do TJ-SP relacionada à possibilidade de um condenado por tráfico de drogas começar a pena no regime semiaberto.

Na decisão monocrática, o ministro apontou que reiterado o descumprimento da jurisprudência pelo TJ-SP traduz menosprezo à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e em nada contribui para a higidez do sistema de justiça criminal.

Para o desembargador Francisco José Galvão Bruno, as considerações do ministro Schietti são incabíveis. A mensagem destaca que o Brasil não segue o sistema da common law, em que os precedentes são praticamente vinculantes, a não ser em casos expressamente previstos, como o dos recursos repetitivos do STJ ou a repercussão geral do STF.

Assim, o fato de o STJ entender que um condenado por tráfico não precisa necessariamente começar a pena em regime fechado é mera orientação.

“O magistrado pode segui-la, é claro, e talvez até deva (como pensa o ministro); porém, sua independência no exercício da função jurisdicional é direito democrático sagrado; direito não do juiz, mas da população, a maior interessada em um Poder Judiciário independente, não sujeito às pressões políticas do momento, sejam elas internas ou externas”, diz o desembargador.

A mensagem aponta que há muitos juízes com bons fundamentos e que pensam diferente do STJ. “Assim, não se justifica o tom professoral e até insultuoso adotado por Sua Excelência — cuja honrosa posição não o transforma em dono da verdade.”

Segundo o desembargador Francisco José Galvão Bruno, a maioria dos juízes pensa que a jurisprudência dos tribunais superiores seria ótima “se vivêssemos na Suíça”. E acrescenta que, nem por isso, eles devem ficar repetindo isso em suas decisões.

“Tempo houve neste país em que o juiz só falava nos autos; e falava nos autos em linguagem jurídica, com respeito também — e até principalmente — pelos colegas de instâncias inferiores. Aparentemente, esse tempo passou, mas não custa esperar que sejam restabelecidas as normas sociais de convivência respeitosa e pacífica, mesmo na divergência”, conclui.

Nelson Jr./STF
Ministro Rogerio Schietti tem feito críticas recorrentes à renitência do TJ-SP em seguir a jurisprudência das cortes superiores
Nelson Jr./SCO/STF

Medição de forças
Maior tribunal do país, no estado com o maior número de processos, o TJ-SP tem um histórico de desrespeito à jurisprudência vinculante das cortes superiores. O Anuário da Justiça São Paulo 2022, por exemplo, aponta câmaras criminais recusam a compensação integral da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, apesar de essa possibilidade estar assentada no Tema 585 dos recursos repetitivos do STJ.

Como o tráfico de drogas é o crime mais julgado pelo TJ-SP, é responsável também por uma considerável quantidade de Habeas Corpus e recursos em Habeas Corpus a aportar no STJ. Com isso, a 3ª Seção da corte superior, responsável pelos casos criminais, é hoje a que mais recebe ações.

A renitência é tamanha que, em setembro de 2020, a mesma 6ª Turma do STJ, em acórdão relatado pelo ministro Schietti, concedeu Habeas Corpus coletivo com a determinação de proibir o TJ-SP de fixar regime inicial fechado para pequenos traficantes – aqueles agraciados com o redutor de pena do artigo 33, parágrafo 4º da Lei de Drogas.

A ordem foi depois suspensa por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião do julgamento, a 6ª Turma foi marcado por críticas à atuação da corte paulista e reverberou outra manifestação da presidência da Seção Criminal do TJ-SP.

Foi o artigo Ainda há juízes em São Paulo, do desembargador Guilherme Strenger, publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico como resposta às críticas feitas por ministros da 6ª Turma do STJ em agosto de 2020. Naquele mesmo ano, o ministro Rogerio Schietti apontou que a corte paulista tentava “medir forças” com tribunais superiores.

E em 2018, o então presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, repreendeu publicamente o TJ-SP pelo fato de a corte paulista desrespeitar sistematicamente súmulas do STJ e não conceder Habeas Corpus. A bronca ocorreu em evento organizado pela ConJur para debater os 30 anos da Constituição.

Clique aqui para ler a manifestação
HC 801.549

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