Diário de Classe

Retrospectiva Dasein 2023: 'Como sobrevivem as democracias?'

Autor

  • Luísa Giuliani Bernsts

    é doutoranda e mestre em Direito Público (Unisinos) bolsista Capes/Proex membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos (Unisinos) e do grupo de pesquisa Bildung — Direito e Humanidades (Unesa) e professora da Faculdade São Judas Tadeu (SJT-RS).

30 de dezembro de 2023, 10h42

No ano passado, inspirados pelo filme 1985 e diante de uma mudança do cenário político brasileiro, eu e o Luã Jung publicamos uma coluna [1] que, apesar de retrospectiva — afinal apresentamos a produção do nosso grupo de estudos —, era cheia de esperança no futuro da democracia. Naquele ano (2022), a relevância do constitucionalismo contemporâneo e do papel da jurisdição para a efetivação e defesa dos princípios democráticos foram basicamente o enfoque dos projetos desenvolvidos pelo Dasein, grupo de estudos que carinhosamente é chamado de “gabinete” pelos pesquisadores que compartilham reflexões e produções sob a orientação do professor Lenio Streck [2].

A perspectiva de esperança em um futuro mais democrático no Brasil se constituía diante da imensa alegria de ter visto a derrota nas urnas — nada mais democrático do que o voto popular — da extrema direita negacionista que corroía cada vez mais as nossas instituições. Compartilhávamos um grande alívio de, ainda que por pouco, afastar da nossa história um líder com grande representatividade política (pasmem!), sem nenhum grande feito na economia (seu carro chefe) e cujo grande legado do governo foi o descaso com a pior crise sanitária mundial da nossa época [3], o que implicou a morte de mais de 700 mil brasileiros.

Esse sentimento de otimismo, no entanto, não perdurou. Vimos o ano de 2023 já se iniciar com um ataque institucional generalizado, no 8 de janeiro, em que cidadãos, movidos por um patriotismo torto, com a intenção de instigar um golpe militar que restabelecesse o antigo presidente do Brasil, invadiram e depredaram os maiores símbolos dos Três Poderes da República.

Foi em razão desse “clima” que passamos a centrar nossas pesquisas que se desenvolveriam no decorrer do ano no eixo de “Como sobrevivem as democracias?” e qual o papel desempenhado pelo Direito nesse sentido. Tema muito bem apresentado na justificativa do 6º Colóquio de Crítica Hermenêutica do Direito escrita pelos colegas Luã Jung e Vinicius Quarelli:

“Pode-se afirmar que a democracia é um conceito essencialmente contestado cujas distintas concepções fundamentam-se em princípios, perspectivas institucionais e leituras sociais ora complementares, ora conflitantes entre si. Apesar de sua ínsita plurivocidade, potencializada pela disseminação das redes sociais e da própria internet, observa-se nesta quadra da história o crescimento de movimentos sociais e políticos que utilizam os instrumentos contemporâneos de divergência democrática para o enfraquecimento de consensos civilizatórios. Se, de um lado, o uso da institucionalidade democrática como ferramenta de derrocada da própria democracia já não é novidade a todos que vivem sob a égide do Constitucionalismo Contemporâneo, por outro lado, é inegável que as novas técnicas de disseminação de discursos autoritários apresentam novos desafios ao pensamento, às ações institucionais e, assim, ao próprio Direito. Nesse sentido, questionamos: Como as democracias sobrevivem? Quando falamos em Constitucionalismo Contemporâneo, pressupomos o horizonte no qual a normatividade de princípios político-jurídicos transpassa o desenvolvimento de todas as dimensões sociais. Em outras palavras, isso significa dizer que o Direito é uma condição de possibilidade da própria democracia. Mas, se assim o é, como o Direito pode salvar a democracia hoje, se de fato o pode? Estas são algumas das perguntas que motivarão as exposições e os diálogos do VI Colóquio de Crítica Hermenêutica do Direito, promovido pelo Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.”

O evento, promovido em outubro, contou com a presença, dentre tantos professores ilustres, do ministro Alexandre de Moraes, personagem central no combate aos atos golpistas de janeiro, e teve mais de 400 inscrições de ouvintes e 30 trabalhos para a apresentação. Os temas abordados pelos palestrantes podem ser conhecidos no texto “Afinal de contas, como sobrevivem as democracias?”, publicado no aqui na ConJur [4] pelos colegas Francisco Campis e Victor Rebelo.

Também foi um tema debatido por nossos pesquisadores durante o ano a questão da inteligência artificial no imaginário jurídico. Encontramo-nos no Rio de Janeiro para o evento 2º Seminário Internacional de Direito e Literatura da Unesa: o Discurso Jurídico entre Dados e Narrativas, coordenado pelos professores Luã Jung, Eduardo Val e Lenio Streck, realizado na Unesa em parceria com o Dasein.

Ainda, não posso deixar de mencionar o ano movimentado em relação às defesas de trabalhos realizadas pelos pesquisadores do Dasein. No âmbito do doutorado, foi defendida brilhante tese do amigo Gilberto Morbach, intitulada “As dimensões normativas do conceito de direito à luz do império da lei”. Já no mestrado, foram defendidas as dissertações “O que é isto – a Crítica Hermenêutica do Direito?”, de Vinicius Quarelli; “A Pena É uma Poderosa Espada: O contextualismo linguístico de Quentin Skinner e a questão do método na historiografia (jurídica)”, de Victor Rebelo e “Onde o Direito e a Moral se encontram: O Positivismo Inclusivo de Matthew Krammer”, de Francisco Campis. Além das defesas, foram qualificados os projetos de tese “Fundamentos para (re)fundação do ensino jurídico no Brasil: Por que o Direito precisa das Humanidades?”, por Bianca Roso e de dissertação, “A Fazenda Pública em Juízo: Da fundamentação do agir à busca por uma atuação adequada à Constituição”, por Óliver Vedana.

Finalmente, parabenizo os colegas que entraram no gabinete neste ano, no primeiro semestre, no doutorado Bianca Roso, Marco Antonio da Silva e, mestrado, os bolsistas Frederico Pessoa e Matheus Alves da Rocha e, para reforçar o time em 2024, no mestrado, o parceiro Josenilson Rodrigues, que esteve conosco nos grupos de estudos que organizamos, especialmente neste ano o “Postivismo Jurídico: uma introdução”; e, no doutorado, os já colegas Francisco Campis e Vinicius Quarelli, bolsistas que dividirão a coordenação e gestão dos trabalhos do nosso gabinete, tarefa realizada por mim desde que entrei no curso de doutorado sob orientação do prof. Lenio, ainda em 2020.

Na minha formal despedida da “gerência” do Dasein, divido com vocês [5] algumas inquietações. Afinal, não são fáceis os tempos que vivemos. Se no ano passado o que motivou a discussão da retrospectiva do Dasein foi um sentimento de otimismo diante da realidade posta, hoje encerro o ano de produção do grupo com a sensação de que não há nada garantido e que, portanto, os pesquisadores na área da Teoria do Direito deverão encarar reflexivamente as imposições da facticidade.

Vivemos em um período no qual parece cada vez mais iminente a ruptura de paradigmas que sustentam nosso modelo de organização social. Seja pela crise da forma de produção/consumo em que se erigiu o capitalismo até aqui e que se manifesta, por exemplo, na questão ambiental/climática; seja pelo crescente questionamento agressivo das instituições que sustentam o ideal de democracia, assimilado pelo constitucionalismo contemporâneo, e tido como organizador da própria concepção de Estado. Este é um momento histórico de rupturas. E, ano que vem, teremos muito trabalho!


[1] https://www.conjur.com.br/2022-dez-24/diario-classe-retrospectiva-dasein-2022-fascismo-nunca/

[2] Ainda que em nota de rodapé, menciono os livros publicados pelo prof Lenio em 2023. São eles: a 4ª ed. do Precedentes judiciais e hermenêutica, a 3ª ed. do Comentários à Constituição do Brasil, o Dicionário Senso Incomum: mapeando as perplexidades do Direito, além do Superinterpretação no Direito e Um Tributo a Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, de Lenio Streck: 25 anos depois.

O que é fazer a coisa certa no Direito.

[3] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/03/16/oms-considera-coronavirus-maior-crise-sanitaria-mundial-da-nossa-epoca.htm

[4] https://www.conjur.com.br/2023-out-21/diario-classe-afinal-contas-sobrevivem-democracias/

[5] Agradeço ao Luã pela disposição em debater comigo (durante os preparativos para a nossa virada de ano) os elementos que compõe esse texto.

 

Autores

  • é doutoranda e mestre em Direito Público pela Unisinos, bolsista Capes/Proex, membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos e professora da Faculdade São Judas Tadeu.

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