Opinião

Participação do vereador denunciado na cassação de mandato parlamentar

Autores

  • Daniel Santos de Freitas

    é pós-graduando em Direito Administrativo pelo Damásio e especialista em Improbidade Administrativa do escritório Vilela Miranda & Aguiar Fernandes Advogados.

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  • Gabriel Silva Pereira

    é bacharel em Direito pós-graduado em Direito Administrativo pela PUC-MG especialista na Lei de Improbidade Administrativa e associado do escritório Vilela Miranda & Aguiar Fernandes Advogados.

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30 de abril de 2024, 15h24

Afinal, é possível que um vereador denunciado participe do processo de cassação de seu mandato parlamentar?

Com frequência, parlamentares são alvos de denúncias perante as câmaras municipais pela prática de infrações político-administrativas. Nesses procedimentos, desde o recebimento da denúncia até a submissão do relatório final para votação, surgem dúvidas sobre o cumprimento, ou não, das molduras legais aplicáveis.

Em que pese sua natureza eminentemente política, o processo de cassação de mandato parlamentar se submete a um rito específico, via de regra, disciplinado pelo Regimento Interno da Casa de Leis ou resolução própria.

Na ausência de norma local, aplica-se, no que couber, ao caso dos vereadores, a Legislação Federal — Decreto Lei n° 201/67, que dispõe sobre processos de impeachment do chefe do Poder Executivo Municipal (prefeito).

Nesse sentido, é comum que as câmaras municipais usem de espelho a norma federal para criar a lei local sobre processo de cassação de mandato de vereadores, sem estipular regras que tenham em conta as peculiaridades devidas ao processo declaratório de perda de mandato parlamentar.

Influência do Decreto-Lei n° 201/67 na cassação de vereadores

O Decreto Lei n° 201/67 estipula, em seu artigo 5º, inciso I, que se o denunciante for vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação [1].

Por se tratar de norma atinente ao processo de cassação do chefe do Poder Executivo local, a norma federal não estipula hipóteses de impedimento de atuação do denunciado no feito administrativo, quando o mesmo for vereador.

Daí advém a pergunta que introduziu o presente artigo: é lícita, ou não, a participação do vereador denunciado na votação do recebimento da denúncia ofertada contra si, além da respectiva instrução e do julgamento do processo de cassação?

Muito embora muitas câmaras municipais não estipulem vedação nesse sentido — o que nos leva a concluir, a priori, que a vedação inexiste —, a jurisprudência tem desempenhado um papel importante na interpretação e aplicação dos princípios constitucionais relacionados a tal questionamento.

Precedentes pertinentes sobre o tema

Em consonância com os princípios constitucionais de imparcialidade, impessoalidade e isenção, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem produzido precedentes reconhecendo a necessidade de afastamento do vereador denunciado de atuação em processo de cassação de seu mandato.

Um exemplo elucidativo é o Recurso de Agravo de Instrumento n° 2108643-18.2023.8.26.0000, de relatoria do Desembargador Antonio Carlos Villen [2], cujo acórdão ressaltou a importância de interpretar a lei municipal em harmonia com o Decreto-Lei nº 201/67, estabelecendo impedimento do vereador denunciado de participar do procedimento disciplinar que lhe diz respeito.

André Bueno/CMSP

Quanto ao impedimento dos agravantes para participarem da sessão que deliberará sobre a procedência ou arquivamento da denúncia, a decisão agravada pautou-se por evidente razoabilidade. O artigo 5º, do Decreto-Lei nº 201/67, que versa sobre o procedimento de cassação de prefeitos, e que se aplica aos vereadores por força do artigo 7º, §2º, dispõe apenas sobre o afastamento do vereador denunciante, pois, como é evidente, o denunciado (prefeito) não integra o Poder Legislativo. No entanto, o dispositivo deve ser interpretado no sentido de que fica o vereador impedido de participar também do procedimento disciplinar em que ele próprio é denunciado

Outro caso emblemático é a Apelação Cível 0000332-32.2010.8.26.0449, relatado pelo desembargador Carlos Eduardo Pachi [3], na qual se determinou o voto do suplente em razão do impedimento do vereador denunciado, conforme estabelecido pelo artigo 5º, inciso I, do Decreto-Lei 201/67.

Não é outro o entendimento doutrinário: “Pelo fato de o vereador não poder votar sobre a denúncia apresentada e nem participar da comissão processante e para que não haja redução do número de vereadores, o suplente que, também, não poderá integrar a Comissão processante, poderá votar sobre a denúncia” (Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, 5ª ed., pg. 151, Wolgran Junqueira Ferreira).

Problemática: questão não é pacífica

É certo que a questão aqui apresentada não é pacificada, já que o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo tem precedentes assegurando plena liberdade às Câmaras Municipais para estipularem regras de procedimento, afastando-se da análise profunda dessas regras por se tratar de matéria interna corporis (TJ-SP – AI: 20733144720208260000 SP 2073314-47.2020.8.26.0000, relator: Fernão Borba Franco, Data de Julgamento: 22/10/2020, 7ª Câmara de Direito Público, data de publicação: 22/10/2020).

Porém, é plausível o entendimento de que tanto o denunciante (se for vereador), quanto o denunciado (se for vereador) deverão se abster de votar acerca do recebimento ou não da denúncia formulada, bem como de participar das Comissões relacionadas ao processo, de modo a garantir a observância do quórum exigido no Regimento Interno.

Conclusão

É certo que, tal como defende jurisprudência há muito pacificada, os processos de cassação de mandato (de prefeito ou vereadores) ostentam natureza política, sujeita ao entendimento pessoal de cada vereador, de análise restrita ao judiciário apenas quanto a aspectos processuais de justa causa, vide doutrina de Augusto Caliman [4].

No entanto, é fundamental que as Câmaras Municipais adotem uma abordagem cautelosa e criteriosa na condução dos processos de cassação de mandato parlamentar, garantindo a plena observância dos princípios constitucionais da imparcialidade, impessoalidade e isenção.

Assim, a convocação dos suplentes dos vereadores denunciados torna-se não apenas uma medida necessária para preservar a integridade do quórum de votação, mas também um imperativo jurídico para assegurar a imparcialidade e isenção que um procedimento dessa natureza requer.

 


[1] Art. 5º. O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo:

I – A denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão processante.

[2] TJ-SP;  Agravo de Instrumento 2108643-18.2023.8.26.0000; Relator (a): Antonio Carlos Villen; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Buritama – 2ª Vara; Data do Julgamento: 26/05/2023; Data de Registro: 26/05/2023

[3] TJ-SP;  Apelação Cível 0000332-32.2010.8.26.0449; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Piquete – Vara Única; Data do Julgamento: 07/02/2011; Data de Registro: 16/02/2011

[4] Auro Augusto Caliman. Mandato Parlamentar. Aquisição e Perda Antecipada. Ed. Atlas, 2005, pp. 182/183

Autores

  • é bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Administrativo pelo Damásio, especialista na Lei de Improbidade Administrativa e associado do escritório Vilela, Miranda & Aguiar Fernandes Advogados.

  • é bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Administrativo pela PUC-MG, especialista na Lei de Improbidade Administrativa e associado do escritório Vilela, Miranda & Aguiar Fernandes Advogados.

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