Retrospectiva 2023

Decisões eleitorais refletiram período de intenso debate democrático e judicial

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18 de dezembro de 2023, 15h19

O ano de 2023 no cenário jurídico-eleitoral brasileiro foi marcado por decisões significativas, refletindo um período de intenso debate democrático e judicial. Especialmente notável foi a repercussão do 8 de janeiro, um dia emblemático para a história do país, que reforçou a importância das posições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em diversos aspectos do direito político. Essas deliberações abordaram temas multifacetados, desde elegibilidade, passando pela afirmação da relevância das candidaturas femininas, até a influência do poder econômico nas eleições.

Em fevereiro, o TSE entendeu que vice-governadores que presidem conselhos deliberativos de autarquias estaduais não são obrigados a se desvincular desses cargos para concorrerem a mandatos eletivos. Essa decisão, tomada por 4 votos a 3, permitiu que a candidata Eliane Aquino (PT-SE) permanecesse elegível a deputada federal, apesar de presidir conselhos de autarquias estaduais. Tal julgamento reforçou uma interpretação restritiva das causas de inelegibilidade (RO 0600674-55.2022.6.25.0000).

O STF assinalou que “a exceção à exigência de votação nominal mínima, prevista para a posse de suplentes, constante do artigo 112, parágrafo único, do Código Eleitoral, não ofende a Constituição” (ADI 6.657).

Em março, o TSE flexibilizou o seu entendimento acerca da incidência do artigo 57-D da Lei 9.504/97, que pune manifestações anônimas em contexto eleitoral na internet, para manter a multa de R$ 30 mil aplicada ao deputado Nikolas Ferreira, que não estava sob anonimato quando publicou conteúdo desinformativo durante as eleições presidenciais do ano passado (RP 0601754-50.2022.6.00.0000).

Em abril, um caso inusitado: o TSE multou, por litigância de má-fé, um advogado que peticionou usando material preparado pelo ChatGPT, mas descontextualizado do debate da causa. A decisão introduziu a relevância da discussão sobre o uso da inteligência artificial no preparo de peças judiciais (Aije 0600814-85.2022.6.00.0000).

O STF fixou a seguinte tese: “Em atenção aos princípios democráticos, da soberania popular e da centralidade dos partidos políticos no sistema proporcional, o parágrafo único do artigo 16-A da Lei nº 9.504/1997 deve ser interpretado no sentido de excluir do cômputo para o respectivo partido apenas os votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja indeferido sub judice no dia da eleição, não se aplicando no caso de candidatos com pedido de registro deferido ou não apreciado” (ADIs 4.513 e 4.542 e da ADPF 223).

O STF rejeitou a interpretação do artigo 10, § 3º, da Lei 9.504/1997, que permitiria aliviar as consequências de fraudes à cota de gênero em candidaturas. A decisão manteve as sanções severas para os envolvidos em fraudes, incluindo a cassação de registro ou diploma de candidatos que se beneficiassem dessas práticas  (ADI 6.338).

Em maio, o TSE estabeleceu um marco importante ao definir que o uso da força empresarial em campanhas eleitorais configura abuso de poder econômico. Essa decisão ocorreu no contexto da cassação dos mandatos do prefeito e vice-prefeito de Brusque (SC), José Ari Vequi e Gilmar Doerner, além da declaração de inelegibilidade de Luciano Hang, proprietário da Havan, por abusar de sua influência empresarial para favorecer a campanha de Vequi, com o uso da estrutura de suas lojas. Este precedente realça a fronteira entre a liberdade de expressão legítima e o abuso econômico nas eleições (AREspe 0600427-08.2020.6.24.0086).

Ainda em maio, ocorreu a cassação do registro de candidatura de Deltan Dallagnol, eleito deputado federal pelo Podemos, representando o povo do Paraná. O acórdão, da relatoria do ministro Benedito Gonçalves, foi alcançado por unanimidade, após análise de recursos apresentados pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) e pela Federação Brasil da Esperança. Eles entenderam que Dallagnol estava inelegível, pois havia pedido exoneração do cargo de procurador da República enquanto pendiam análises de reclamações disciplinares e outros procedimentos administrativos contra ele (RO 0601407-70.2022.6.16.0000).

No mesmo mês, o TSE impôs uma multa de R$ 10.000 ao titular de um perfil em rede social por divulgação de fake news e discurso de ódio sobre o então pré-candidato Lula. O perfil associou o petista ao demônio em uma publicação, violando as regras eleitorais que proíbem propaganda negativa antecipada (RP 0600037-03.2022.6.00.0000).

Um dos julgamentos mais notáveis do ano aconteceu em junho. O TSE julgou uma AIJE procedente e declarou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, até 2030, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. A decisão, tomada por 5 votos a 2, baseou-se em uma reunião organizada por Bolsonaro com embaixadores no Palácio da Alvorada, na qual ele atacou o sistema eletrônico de votação visando ganhos eleitorais. O relator, Ministro Benedito Gonçalves, e outros ministros votaram pela condenação, enquanto os Ministros Nunes Marques e Raul Araújo foram vencidos (Aije 0600814-85.2022.6.00.0000).

Em julho, uma decisão do TSE declarou que o uso de links patrocinados no Google para defender um candidato durante as eleições é lícito. Especificamente, a ação julgada referia-se à campanha do presidente Lula, que usou a ferramenta Google Ads para divulgar informações positivas em resposta a buscas associadas a palavras como “condenação” e “corrupção”. O TSE concluiu que essa prática não constitui abuso de poder econômico ou uso indevido dos meios de comunicação e a ação foi julgada improcedente (Aije 0601312-84.2022.6.00.0000).

Em agosto, o STF declarou a mora legislativa do Congresso na revisão periódica do número de deputados federais, conforme exigido pelo §1º do artigo 45 da Constituição. O STF estipulou o prazo até 30 de junho de 2025 para a correção dessa omissão. Caso o Congresso não atue, o TSE deverá determinar, até 1º de outubro de 2025, o número de deputados federais para cada Estado e Distrito Federal, baseando-se nos dados do Censo 2022 do IBGE e na metodologia da Resolução-TSE 23.389/2013 (ADO 38).

Em novembro, o TSE decidiu que Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto cometeram abuso de poder político e econômico ao misturar eventos oficiais do 7 de Setembro de 2022 com comícios eleitorais. O Tribunal declarou a inelegibilidade de ambos e aplicou multas, baseando-se em ações movidas pelo PDT e pela senadora Soraya Thronicke. A maioria dos ministros viu gravidade nas condutas, enquanto os Ministros Raul Araújo e Nunes Marques ficaram vencidos. O julgamento destacou o uso de eventos oficiais para promover a reeleição de Bolsonaro e estabeleceu parâmetros de reprovação dessas condutas (Aije 0600972-43.2022.6.00.0000, Aije 0600986-27.2022.6.00.0000 e RP 0600984-57.2022.6.00.0000).

Nesse mesmo mês, o TSE estabeleceu que parlamentares não podem trocar de partido livremente se a cláusula de barreira for cumprida após a fusão ou incorporação de outro partido. No caso do deputado federal Marcelo Lima, sua tentativa de mudança do Solidariedade para o PSB foi negada porque o Solidariedade cumpriu a cláusula de barreira após incorporar o PROS. A incorporação do PROS pelo Solidariedade ocorreu após Lima comunicar sua desfiliação, mas antes de informar o juiz zonal, resultando na impossibilidade de mudança partidária sem perda de mandato. Compreendeu-se que a manutenção do mandato está condicionada à situação partidária no momento da comunicação da desfiliação ao juiz eleitoral, não na data da comunicação de desfiliação ao partido (AJDesCargEle 0600118-15.2023.6.00.0000).

Em novembro, o STF considerou constitucional a regra de aferição das condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade no momento do pedido de registro da candidatura. As alterações fáticas ou jurídicas que ocorram após o registro e até as eleições, que afastem a inelegibilidade, são ressalvadas. A decisão enfatiza que o prazo integral de inelegibilidade não amplia indevidamente a restrição ao direito de ser eleito. A ADI foi julgada improcedente, mantendo a validade das regras eleitorais vigentes (ADI 7197).

Em dezembro, um julgamento curioso. O TSE entendeu que um filho vereador, presidente da Câmara Municipal e já no exercício interino da chefia do executivo, pode suceder seu pai cassado no cargo de prefeito. A corte julgou o caso de Guto Volpi, vereador de Ribeirão Pires (SP), que foi eleito prefeito nas eleições suplementares após a cassação de seu pai, Clovis Volpi. O TSE afastou a alegação de inelegibilidade baseada na Constituição, que visa impedir a perpetuação de famílias no poder político, entendendo que a candidatura de Guto não representou uma extensão indevida do poder familiar (REspe 0600081-32.2022.6.26.0183).

O TSE também determinou a realização de novas eleições para a renovação integral da Câmara Municipal de Gilbués, no Piauí. A decisão veio após constatação de fraude na cota de gênero nas eleições de 2020. As irregularidades envolveram a inclusão de candidatas femininas de forma fictícia, apenas para atender à exigência legal da cota de gênero, sem uma participação efetiva no pleito. A cassação dos vereadores foi uma medida para corrigir as violações à legislação sobre representatividade de gênero. A determinação de novas eleições, no entanto, revela uma inovação em termos de precedentes, já que a regra do artigo 224 do Código Eleitoral é rotineiramente aplicada tomando por referência cargos eletivos pelo sistema majoritário (Questão de Ordem no Respe 0600001.83.2021.6.18.0035).

Esses julgamentos ilustram a diversidade e a complexidade dos feitos analisados pelo TSE, refletindo o papel crucial do Tribunal na manutenção da ordem e legalidade do sistema eleitoral brasileiro.

No momento, o Judiciário, ao julgar casos difíceis e impor medidas punitivas, exerce um papel capital frente a desafios à estabilidade institucional. Contudo, isso não é simples. Existe um espaço da política legítima que pode estar sendo colateralmente afetado. Há, para diversos atores, uma incerteza sobre o impacto dessas medidas no ambiente político-institucional, quando fundadas em interpretações mais amplas. Isso levanta uma interrogação essencial: o constante aumento do rigor das punições impostas nos julgamentos e das restrições eleitorais vai mitigar a radicalização que ameaça a democracia, ou, paradoxalmente, vai acirrá-la, colocando o sistema jurídico no epicentro das disputas políticas? Talvez 2024 responda a essas dúvidas.

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