É ou não é?

Justiça dos Estados Unidos está confusa sobre veredictos conflitantes de júri

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2 de dezembro de 2023, 9h49

Em 2012, o adolescente Damian McElrath matou a facadas sua mãe, Diane, supostamente sob a ilusão psicótica de que ela o estava envenenando. Alguns anos depois, ele foi processado criminalmente no estado da Geórgia. Ao fim do julgamento, o júri chegou à conclusão de que ele era insano — e também “não insano”.

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Caso do estado da Geórgia chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos

Assim, o júri chegou ao veredicto de “não culpado”, por motivo de insanidade, ao deliberar sobre a acusação de malice murder (homicídio doloso), por sua incapacidade mental de distinguir o certo do errado — ou de premeditar o crime —, devido às suas ilusões psicóticas.

E também chegou ao veredicto de “culpado, embora doente mental” em duas outras acusações: aggravated assault (lesão corporal qualificada) e felony murder (homicídio praticado sem premeditação no cometimento de outro crime — no caso, a lesão corporal).

A seu tempo, o processo subiu para o Tribunal Superior da Geórgia. A corte declarou que “os veredictos são ilógicos a ponto de serem repugnantes; não podemos decidir a favor de uma coisa ou outra”. Assim, anulou a sentença e ordenou à Promotoria do estado que levasse Damian McElrath a um segundo julgamento.

A decisão criou, obviamente, uma exceção à cláusula da double jeopardy (dupla punição ou ne bis in idem), estabelecida na Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, segundo a qual o réu não pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime.

E o caso McElrath v. Georgia subiu, desta vez, para a Suprema Corte, onde a maioria dos ministros tem um entendimento diferente dos integrantes do Tribunal Superior da Geórgia sobre veredictos conflitantes do júri. Basicamente, eles pensam que veredictos podem ser conflitantes, mas… E daí? Se o júri decidiu, o caso está encerrado. Ou seja, acreditam na soberania do júri.

De volta à Geórgia
Na audiência de sustentação oral, a maioria dos ministros indicou que agora é a vez de o Tribunal Superior da Geórgia voltar a julgar o caso. O ministro Neil Gorsuch foi o mais eloquente. Ele declarou, entre outras coisas:

“Por 230 anos de história do país, respeitamos absolvições sem examinar suas substâncias e sem examinar como elas se ajustam a outras acusações. A função do júri é fiscalizar os juízes, os promotores e os exageros. Isso faz parte do sistema democrático e nunca discutimos se (os veredictos) fazem sentido para nós. Uma absolvição é uma absolvição desde tempos imemoriais ”.

A ministra Sonia Sotomayor defendeu a mesma tese: “Não há nada (nessa discussão) que não se enquadre em nossa definição de absolvição. Não se pode tolerar a invalidação de uma absolvição”.

A ministra Ketanji Brown Jackson também: “Mesmo que os veredictos sejam inconsistentes, e daí? Já admitimos que veredictos do júri podem ser inconsistentes”

Para a juíza Elena Kagan, o ponto central é o direito básico do júri de buscar uma solução de meio-termo ou de oferecer leniência. “Há uma possibilidade de que o júri tenha cometido um grande erro e outra de que não tenha cometido erro algum. Em vez disso, preferiu uma solução de meio-termo ou decidiu ser leniente”, ela disse.

Porém, o ministro Brett Kavanaugh concordou com o advogado-geral da Geórgia, Stephen Petrany, que argumentou, em defesa de um novo julgamento, que “não houve uma absolvição, porque a lei estadual estabelece que um júri não pode chegar a veredictos que facialmente se contradizem”.

“O estado tem razão nesse ponto. Como uma pessoa pode ser, ao mesmo tempo, sã e insana?”, ele perguntou ao advogado de Damian McElrath, Richard Simpson.

O advogado respondeu que a Suprema Corte sempre examinou tais questões “crime a crime, não cumulativamente”. Ele argumentou que, ao fim do julgamento, ninguém duvidou de que o júri chegou ao veredicto de não culpado em uma das três acusações. E, nesse caso, não importa, para efeitos de dupla punição, o que o júri decidiu sobre as duas outras acusações.

O ministro Samuel Alito, por sua vez, preocupou-se com outra questão: o que o juiz deve fazer se o júri retorna veredictos aparentemente inconsistentes? Para ele, o juiz deve mandar os jurados de volta para mais deliberações, como fazem os juízes de Missouri e de outros estados do Meio-Oeste dos EUA. Com informações de Washington Post e SCOTUS Blog.

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