Cadê o distanciamento?

Detentos são punidos por entrar no banheiro com visitas durante Covid-19

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28 de setembro de 2022, 7h52

A integral observância e obediência às regras impostas pela Lei de Execução Penal e por instrumentos normativos complementares, por todas as pessoas reclusas nos estabelecimentos prisionais, é fundamental para o satisfatório alcance dos objetivos da pena em caráter individual ou coletivo, retributivo e de ressocialização.

Tigristiara/Freepik
Tigristiara/FreepikDetentos são punidos por entrar no banheiro com visitas durante crise da Covid-19

Com esse entendimento, a 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a prática de falta disciplinar de natureza grave, com determinação de interrupção de prazo para fins de progressão e perda de 1/3 dos dias remidos, de um detento que desrespeitou medidas sanitárias de distanciamento contra a Covid-19 e foi ao banheiro do presídio junto com a esposa. 

De acordo com o relator, desembargador Jayme Walmer de Freitas, é fundamental a disciplina dentro das unidades prisionais, pela qual todos (presos e funcionários) devem "efetiva e ativamente colaborar", mantendo a ordem e um ambiente de convivência minimamente seguro, saudável e estável, "com salvaguarda da incolumidade física e psicológica de todos os detentos, visitantes e corpo funcional".

"A par da manutenção de todos os direitos não atingidos pelo édito condenatório, dentre eles o respeito à integridade física e moral, a condenação penal impõe ao executado uma série de limitações, especialmente em sua liberdade, em sentido stricto, caracterizada por sua manutenção dentro de um estabelecimento reclusivo, e lato, verificada na imposição de regras internas para cumprimento da pena e que pelo detento devem ser suportadas", afirmou.

O magistrado não verificou ofensa aos princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade no processo administrativo instaurado contra o detento. "A prática de desrespeito às regras e aos servidores configura conduta grave, evidenciando imaturidade e dificuldade de contenção dos impulsos primitivos, além de submissão a regras e à condição refratária de assimilação da terapêutica reeducacional."

Além disso, para o relator, se a prática não for punida "severa e exemplarmente", tal conduta pode desestabilizar a segurança e a disciplina do estabelecimento prisional, "pondo em risco a incolumidade física dos demais detentos, bem como 'autorizar' a instituição da anarquia dentro das unidades correcionais".

Casos semelhantes
Em dois julgamentos semelhantes, a 8ª Câmara de Direito Criminal e a 10ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP também reconheceram a prática de falta disciplinar de natureza grave por detentos que não respeitaram as normas de distanciamento no período da Covid-19 e entraram nos banheiros dos presídios com suas visitantes.

No primeiro caso, o preso foi punido com a perda de 1/6 dos dias remidos, se houver, e a interrupção dos cálculos para a progressão de regime. O relator, desembargador Marco Antônio Cogan, explicou que, para evitar o contágio pela Covid-19 dentro do presídio, o preso e sua esposa deveriam ter ido ao banheiro separadamente, respeitando o distanciamento social, "vez que todos os encarcerados tiveram ciência das normas a serem obedecidas durante as visitas".

"O que basta para comprovar que, ao contrário do quanto alegado, o agravante tinha ciência de seu conteúdo, porque após longo período sem contato familiar, ao ser agraciado com a possibilidade de fazê-lo, deveria se portar com respeito e responsabilidade, diante da gravidade da doença que se alastra, para preservar sua saúde, a dos funcionários, dos demais presos, e mesmo de sua visitante", disse.

Para Cogan, a conduta do detento caracteriza desobediência, pois ele deveria "cumprir rigorosamente suas obrigações", o que faz parte do processo de ressocialização: "E uma vez caracterizada a falta grave, como se deu na espécie, de rigor que haja a interrupção da contagem do lapso para benefícios, posto que sua forma de proceder foi grave".

No julgamento da 10ª Câmara, sob relatoria do desembargador Ulysses Gonçalves Júnior, foi declarada a perda de 1/6 dos dias remidos do detento, além do reinício da contagem do prazo de cumprimento da pena para efeito de progressão de regime. Neste caso, segundo os autos, o preso teria se recusado a sair do banheiro, onde estava com a esposa, mesmo com ordens dos agentes penitenciários.

"Ora, o sistema prisional exige de seus sentenciados rígido e irrestrito respeito às normas de disciplina e segurança. Sendo assim, qualquer conduta que tenha potencialidade de gerar instabilidade no cumprimento da pena pelo condenado, como na hipótese em apreço, evidentemente que não pode ser minimizada", afirmou o relator. 

Processo 0000141-78.2022.8.26.0509
Processo 0000222-27.2022.8.26.0509
Processo 0000736-41.2022.8.26.0521

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