Mentira repetida mil vezes

Para atacar fake news, TSE veta uso de entrevista com menção a "kit gay"

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22 de setembro de 2022, 13h39

A divulgação de uma entrevista antiga em que Jair Bolsonaro, de forma homofóbica e preconceituosa, taxa um programa de governo como "kit gay", gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Ministro Alexandre de Moraes criticou deturpação da verdade para impulsionar discurso homofóbico no debate eleitoral
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Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral determinou, nesta quinta-feira (22/9), que o TikTok exclua postagem de um usuário com o conteúdo da entrevista de Bolsonaro. O tema, relacionado à liberdade de expressão, dividiu o colegiado.

O caso julgou tratou de representação feita pela coligação Brasil Feliz de Novo, que tem Lula como candidato, contra postagens feitas no Instagram — uma delas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) — e no TikTok, com referências ao "kit gay".

Trata-se de fake news antiga, segundo a qual o governo estaria distribuindo o livro Aparelho Sexual e Cia. na rede pública de ensino, com o objetivo de difundir a homossexualidade entre as crianças. Tal material nunca fez parte de qualquer programa governamental.

O Ministério da Educação combate esse boato desde, pelo menos, 2013. A mentira ganhou especial relevância em 2018, quando, em eleições marcadas pela difusão de desinformação, o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, foi derrotado por Bolsonaro na disputa pela presidência.

Relator original da representação, o então ministro substituto do TSE, Raul Araújo, negou pedido liminar de exclusão dos conteúdos por dois motivos. No caso das postagens do Instagram, a própria rede teria suprimido o conteúdo. E na do TikTok, houve mera reprodução de uma entrevista antiga de Jair Bolsonaro sobre o tema.

Nesta terça-feira, o sucessor na cadeira, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, votou por confirmar a liminar. Citou que a entrevista de Bolsonaro, reproduzida no TikTok, encontra amparo na liberdade de expressão.

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"Temos erradicar totalmente essa postagem do ambiente virtual", defendeu o ministro Ricardo Lewandowski
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Mentira e preconceito
Abriu a divergência vencedora o ministro Alexandre de Moraes, para quem todas as postagens devem ser excluídas. No caso do Instagram, destacou que o conteúdo continua disponível, embora marcado com uma tag que avisa se tratar de informação fraudulenta.

Já no caso do TikTok, afirmou que trata de entrevista cujo próprio TSE já reconheceu tratar de uma mentira, já que o livro Aparelho Sexual e Cia nunca foi distribuído pelo governo. Para ele, há um ilícito duplo: além de a notícia ser falsa, ela tem tom discriminatório.

"É uma narrativa fraudulenta que constitui claramente uma propaganda negativa em relação ao Partido dos Trabalhadores", pontuou. "O que a legislação visa punir são os excessos. Não há restrição ao exercício da liberdade de informação. O que não se pode é deturpar a verdade, para impulsionar discurso altamente discriminatório", acrescentou.

Essa posição foi acompanhada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Benedito Gonçalves. A ministra Cármen apontou que, ainda que o debate eleitoral potencialize a liberdade de expressão, mentir não pode ser considerado estratégia válida.

"Temos erradicar totalmente essa postagem do ambiente virtual, até porque elas ficam disponiveís ad eternum, reproduzindo essa versão, no caso, contra uma minoria claramente perseguida em nossa sociedade", concordou o ministro Lewandowski.

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Para Carlos Horbach, entrevista se insere na liberdade de expressão e serve para mostrar ao público eleitor quem é Jair Bolsonaro
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Mostra quem ele é
Abriu uma terceira linha de voto o ministro Carlos Horbach, que ficou acompanhado pelo ministro Sergio Banhos. Para eles, o TSE deve determinar a exclusão das postagens do Instagram, mas manter a do TikTok, especificamente por conta da liberdade de expressão.

Para ele, a entrevista antiga de Bolsonaro, agora reproduzida, mostra uma crítica a política pública desenvolvida pelo governo da época, alcunhando-a com um nome provocativo, um cenário já visto em outras oportunidades.

"Evidente que a expressão 'kit gay' contém um possível conteúdo discriminatório. Mas, no meu juízo, a manutenção da postagem permite inclusive ao eleitorado avaliar de maneira crítica postura a possivelmente homofóbica do candidato, o que auxilia formação de juízo", opinou o ministro Carlos Horbach.

Assim, afirmou que excluir a postagem de uma entrevista bastante antiga acabaria, até, por alterar o passado de Jair Bolsonaro. "Esse candidato tem essa história e precisa ser conhecida", apontou.

Como ficou a votação
Manutenção de ambas as postagens
: Paulo de Tarso Sanseverino
Exclusão de ambas as postagens: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Benedito Gonçalves
Manutenção só da postagem da entrevista: Carlos Horbach e Sergio Banhos

Representação 0600851-15.2022.6.00.0000

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