Programa de governo

Bolsonaro promete valorizar polícia e não tem propostas para legislação penal

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14 de setembro de 2022, 9h30

*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos principais candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário. Para ler as outras reportagens, conforme elas forem publicadas, clique aqui.

O programa de governo do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro não tem propostas para a legislação penal. Em discursos, como o de 7 de setembro no Rio de Janeiro, o presidente tem dito que não irá legalizar o aborto ou as drogas — medidas que não são defendidas por nenhum candidato com chances de vencer as eleições.

Isac Nóbrega/PR
Bolsonaro volta a defender ampliação de excludentes de ilicitude para policiais
Isac Nóbrega/PR

Bolsonaro igualmente não menciona o sistema penitenciário em seus compromissos. Com 820 mil presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás dos Estados Unidos e da Rússia, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Procurado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, Jair Bolsonaro não esclareceu quais seriam suas propostas para o Judiciário, o Ministério Público, a advocacia pública, e a legislação penal. Em seu programa de governo, o presidente também não menciona essas áreas.

No âmbito da segurança pública, o cerne do programa de Bolsonaro está na posse e porte de armas de fogo, cujas regras ele vem flexibilizando desde o início de sua gestão. Até março, o governo já tinha editado 15 decretos, 19 portarias e duas resoluções que afrouxaram as exigências para o acesso a armamentos.

Devido a essas facilidades, o registro de armas de fogo por civis junto à Polícia Federal cresceu de 51 mil peças para 204 mil artefatos em 2021, uma elevação de 300% em relação a 2018, de acordo com o jornal O Globo. E o número de pessoas com licença de colecionador, atirador esportivo ou caçadores, o que permite comprar até 60 armas e 180 mil balas por ano, foi de 117 mil em 2018 a 674 mil em junho de 2022, um aumento de 476%, segundo o mesmo veículo.

O programa de governo de Bolsonaro prevê a manutenção da política de armas em um eventual segundo mandato. Conforme o presidente, o Estado tem o dever de "assegurar a legítima defesa e prover meios para seu exercício".

"A força dissuasória do acesso às armas de fogo se mostra também um importante elemento que contribui para a política de segurança pública e para a própria pacificação social e preservação da vida", alega Bolsonaro.

"Assim, neste segundo mandato serão preservados e ampliados o direito fundamental à legítima defesa e à liberdade individual, especialmente quanto ao fortalecimento dos institutos legais que assegurem o acesso à arma de fogo aos cidadãos."

O presidente propõe o aumento e continuidade dos investimentos nos órgãos de segurança pública e nas Forças Armadas, devido ao uso de tecnologias como drones, inteligência artificial e perícia forense. Ele também promete o aperfeiçoamento dos planos de carreira e de remuneração de tais profissionais, bem como da sua retaguarda jurídica e da continuidade da melhor capacitação de seus quadros.

Além disso, Bolsonaro afirma que buscará a aprovação da ampliação de excludentes de ilicitude para policiais e militares em operações. Uma de suas principais promessas de campanha em 2018, a medida foi proposta em duas ocasiões, mas não foi convertida em lei.

O texto original do pacote "anticrime", apresentado no começo de 2019 pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, permitia que o juiz deixasse de aplicar a pena por excesso de legítima defesa caso o crime tivesse sido cometido em decorrência de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".

O projeto não definia o que seriam "escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Uma briga de bar, por exemplo, contém os três. Por exemplo, se um homem ataca outro com uma barra de ferro, e este se defende com uma garrafa de vidro, mas continua golpeando o ofensor após ele estar rendido, seria um caso de excesso de legítima defesa. Com o projeto de Moro, porém, o contra-atacante poderia ter a pena por lesão corporal reduzida pela metade ou não aplicada.

Depois de ser profundamente alterado pela Câmara dos Deputados, o pacote "anticrime" foi convertido na Lei 13.964/2019, sem a ampliação de excludentes de ilicitude para policiais.

No fim de 2019, Bolsonaro enviou ao Congresso projeto de lei que amplia as hipóteses de legítima defesa para agentes de segurança em operações de garantia da lei e da ordem (GLO). Repetindo o Código Penal, o texto afirma que "considera-se em legítima defesa o militar ou o agente que repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".

O projeto também diz que se considera injusta agressão, hipótese em que estará presumida a legítima defesa, a prática ou a iminência da prática de ato de terrorismo ou conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; restringir a liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo. Nesses casos, o agente de segurança responderá somente pelo excesso doloso, e o juiz poderá atenuar a pena. A proposta também não foi aprovada.

Pautas antigas
Após passar a maior parte de seu governo em guerra com o Supremo Tribunal Federal, o presidente planeja apoiar, em um novo mandato, proposta de emenda à Constituição para aumentar o número de ministros da Corte. Com a medida, Bolsonaro teria, em tese, maioria em julgamentos de seu interesse.

Segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto — com a preferência de 34% dos eleitores, segundo Datafolha divulgado na sexta-feira (9/9) —, o presidente e seus aliados têm o plano de buscar a aprovação da PEC 275/2013, conforme informam os jornalistas Andréia Sadi, da GloboNews, e Guilherme Amado, do portal Metrópoles.

Apresentada pela deputada Luiza Erundina (Psol-SP), a proposta transforma o STF na Corte Constitucional. A competência do tribunal seria restrita a processos relativos à interpretação e aplicação da Constituição. As demais atribuições atuais do Supremo, como as de julgar ações penais de autoridades com foro privilegiado, Habeas Corpus, mandados de segurança e pedidos de extradição de estrangeiros, iriam para o Superior Tribunal de Justiça.

A Corte Constitucional manteria os 11 ministros do STF e adicionaria quatro integrantes, totalizando 15 julgadores. O processo de escolha seria diferente do atual. Hoje, o presidente da República indica um nome. Ele é submetido a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, composta por 27 parlamentares. Se for aprovado por maioria simples, o parecer da CCJ é encaminhado ao plenário da casa legislativa. O candidato preciso do aval de 41 dos 81 senadores para se tornar ministro do Supremo.

De acordo com a PEC 275/2013, os postulantes a uma vaga na Corte Constitucional seriam selecionados a partir de listas tríplices elaboradas pela magistratura (feita pelo Conselho Nacional de Justiça), pelo Ministério Público (feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público) e pela advocacia (feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil). Os candidatos precisariam da aprovação pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado para ser nomeados para o tribunal pelo presidente do Congresso.

Em 2017, a PEC 275/2013 recebeu parecer favorável da relatora, a então deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha de Roberto Jefferson, mas não chegou a ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara.

Embora fosse perder o poder de indicar diretamente os ministros da Corte, Bolsonaro, com a manutenção da maioria governista no Parlamento que detém hoje, conseguiria emplacar nomes de seu agrado. Caso a proposta fosse aprovada, o presidente controlaria seis nomeações em um segundo mandato — duas decorrentes das aposentadorias dos ministros Ricardo Lewandowski (em maio de 2023) e Rosa Weber (em outubro de 2023) e quatro geradas pela ampliação de integrantes do tribunal. Dessa maneira, Bolsonaro poderia ter oito dos 15 magistrados da Corte Constitucional, incluindo os ministros Nunes Marques e André Mendonça, que indicou para o STF em seu primeiro mandato.

Jair Bolsonaro fez dos ataques ao STF uma estratégia para galvanizar seus apoiadores. As investidas têm duas origens. A primeira está nas decisões que declararam que estados e municípios têm competência para impor medidas sanitárias contra a Covid-19, como as de isolamento social. A segunda está nos inquéritos que apuram a propagação de fake news e atos antidemocráticos, bem como o financiamento dessas atividades, por bolsonaristas. Há ainda um terceiro foco de ataques contra o Judiciário, mais especificamente, em face do Tribunal Superior Eleitoral e seus magistrados, relativo ao descrédito das urnas eletrônicas.

Precedentes
A ideia de Jair Bolsonaro de aumentar o número de ministros do STF não é nova. Antes do início oficial da campanha eleitoral de 2018 — na qual se elegeu presidente —, Bolsonaro disse ser favorável à ampliação do número de ministros da Corte.

"A questão do Supremo, o que nós temos discutido, é, sim, aumentar para 21 [ministros]. Você pode falar 'é um absurdo!'. Mas é uma maneira de você botar 10 isentos lá dentro. Porque da forma como eles têm decidido as questões nacionais, nós realmente não podemos sequer sonhar em mudar o destino do Brasil. Eles têm poderes para muita coisa", declarou Bolsonaro em entrevista concedida à TV Cidade, de Fortaleza, citando como exemplo a possibilidade de o STF mudar de entendimento sobre a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância — o que ocorreu em 2019.

A proposta de Bolsonaro evoca alteração feita na corte durante a ditadura militar (1964-1985). Por meio do Ato Institucional 2, de 1965, o presidente Castello Branco aumentou de 11 para 16 o número de ministros do STF. A ideia era diluir o poder dos magistrados indicados pelos presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek.

Em janeiro de 1969, três integrantes do Supremo foram sumariamente aposentados com base no Ato Institucional 5: Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal. Os três eram considerados de esquerda pelos militares por terem ocupado cargos nos governos de Jango e JK. Ao tomarem notícia das cassações pelo programa Voz do Brasil, os ministros Antônio Gonçalves de Oliveira (então presidente do tribunal) e Antônio Carlos Lafayette de Andrada renunciaram aos seus postos.

Com a possibilidade de nomear cinco novos integrantes do STF, o presidente Costa e Silva restabeleceu, por meio do Ato Institucional 6, a composição da corte com 11 ministros.

Para voltar a modificar o número de integrantes do Supremo, seria preciso alterar o artigo 101 da Constituição Federal.

Sem lista tríplice
Jair Bolsonaro ignorou, por duas vezes, a lista tríplice para escolha do procurador-geral da República. Então não há expectativa de que ele altere o procedimento em um segundo mandato. A exigência não é prevista pela Constituição Federal.

Principal concorrente de Bolsonaro, o ex-presidente Lula iniciou, em 2003, a prática de indicar para PGR o mais votado em eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Por meio desse sistema, Lula nomeou Claudio Fonteles, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel. Dilma Rousseff seguiu a tradição ao indicar Rodrigo Janot para dois mandatos como PGR, mesmo com as investigações e processos da "lava jato" contra o PT.

Michel Temer escolheu Raquel Dodge, a segunda mais votada da lista tríplice. Bolsonaro ignorou a eleição da ANPR e nomeou Augusto Aras, que não havia participado do pleito, para comandar o Ministério Público Federal. Em 2021, ele foi reconduzido a mais um mandato.

O governo Bolsonaro foi o que mais usou a Advocacia-Geral da União para mover ações no Supremo: em três anos e meio de gestão, o órgão havia ingressado com 17 processos, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo. O número é equivalente ao dos dois mandatos de Lula.

A AGU, que, atualmente, é comandada por Bruno Bianco, tem sido usada para defender aliados e interesses do presidente da República. No caso mais recente, a instituição passou a passou a representar Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí, em ação de improbidade administrativa que ela responde junto com Bolsonaro pela suspeita de ser sido funcionária fantasma de seu gabinete quando ele era deputado federal.

No entanto, o órgão deve exercer advocacia de Estado, não de governo, dizem especialistas. Portanto, defender o presidente da República e seus ministros por atos de decisão, e não seus interesses pessoais e de aliados. Caso contrário, sua função é desvirtuada e há desvio de finalidade na atuação.

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